Currículo

Ensino híbrido: a nova fronteira do ensino formal

Conforme noticiado na imprensa, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, em 6 de outubro último, uma resolução que permite o ensino remoto nas escolas públicas e particulares até 31 de dezembro de 2021. A decisão, que precisa ser homologada pelo Ministério da Educação (MEC) e ainda não foi publicada, possibilita que as redes estaduais e municipais reorganizem seus calendários 2020/2021 – tanto para manter as aulas exclusivamente on-line, se a pandemia exigir, quanto para iniciar uma retomada das atividades presenciais de forma gradual e rodiziada. É nesta segunda frente, aguardada com ansiedade por muitos educadores, que se insere um dos principais desafios da educação na atualidade: a estruturação, para o ensino formal, do chamado ensino híbrido ou ensino combinado.

O parecer do CNE vem ao encontro da flexibilidade que as redes necessitam para adequar a oferta da educação pública neste contexto de pandemia e de retomada das aulas presenciais. Segundo levantamento do UOL, onze redes estaduais já anunciaram ou iniciaram ações graduais de reabertura das escolas: Amazonas, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo. A retomada combina número reduzido de alunos, rodízio de turmas e manutenção das atividades remotas, e as redes são uníssonas ao afirmar que a continuidade e ampliação da reabertura dependem das condições sanitárias.

Assim, enquanto a vacina contra a Covid-19 não estiver aprovada e amplamente disponível, o modo de operação das escolas precisará continuar se adequando – e mesclando atividades presenciais e remotas conforme o que os especialistas e pesquisadores denominam de ensino híbrido.

Abecedário do ensino híbrido

No livro The Handbook of Blended Learning: Global Perspectives, Local Designs, os autores norte-americanos Charles Graham e Curtis J. Bonk definem o ensino híbrido como uma combinação da instrução tradicional face a face com a instrução assistida por computador.

Os autores Michael Horn e Heather Staker (2015), por sua vez, conceituam o ensino híbrido como um programa de educação formal, no qual o aluno aprende em parte por meio on-line – com algum controle do aluno sobre o tempo, lugar, percurso e/ou ritmo da aprendizagem – e em parte em um espaço físico longe de casa.

As modalidades de aprendizagem presencial e a distância adotadas na trajetória do aluno, prosseguem Horn e Staker, são conectadas para fornecer uma experiência de aprendizagem integrada, o que pode incluir o uso de dados da aprendizagem on-line para informar e orientar a aprendizagem off-line.

Além disso, o ensino híbrido pode ser estruturado via atividades síncronas, nas quais o professor e os estudantes trabalham juntos em um horário predefinido de maneira on-line ou presencial, ou assíncronas, quando o aluno pode estudar em seu próprio tempo e velocidade, sem necessidade de estar com a turma ou o educador. O ensino híbrido busca unir os aspectos positivos das duas metodologias, a fim de oferecer melhores condições de aprendizagem para os alunos.

César Nunes, gerente de desenvolvimento de soluções do Instituto Unibanco, situa que o ensino híbrido pode ser entendido como uma alavanca para que os alunos se vejam como permanentes aprendizes. “A gente pensa que aprender pode ser prazeroso e que isso pode acontecer a qualquer momento e em qualquer lugar”, disse ele, durante o webinário Desafios do Ensino Híbrido, realizado recentemente pelo Instituto Unibanco. “Na sociedade do conhecimento, todos nós deveríamos ser aprendizes a vida inteira e carregar este gosto por aprender o tempo todo”, acrescentou.

Obstáculos múltiplos e caminho a percorrer

Com dados coletados em 2018, o recém-lançado relatório “Políticas eficazes, escolas de sucesso”, elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), traçou uma espécie de linha de base pré-pandemia sobre a capacidade das escolas de promover o ensino e a aprendizagem usando dispositivos digitais. O documento foi divulgado com a finalidade de orientar os gestores públicos em suas decisões de investimento mediante as mudanças trazidas pela Covid-19.

O estudo se baseou em relatos de diretores de escolas de países-membros e países parceiros da OCDE. Em 2018, os entrevistados no Brasil expuseram o seguinte cenário:

    • 26% dos alunos estudavam em escolas com velocidade ou banda de internet suficiente.
    • 35% dos alunos estudavam em escolas com uma plataforma de suporte de aprendizagem on-line eficaz.
    • 42,3% dos alunos tinham professores com recursos profissionais eficazes para aprender a usar dispositivos digitais.
    • 50,6% dos alunos tinham professores com as habilidades técnicas e pedagógicas necessárias para integrar dispositivos digitais à instrução dos alunos.
    • 52,2% dos alunos tinham professores com tempo suficiente para preparar aulas integrando dispositivos digitais a elas.

 

Como indicam as estatísticas, as disparidades em termos de infraestrutura tecnológica das escolas e qualificação dos professores, que se somam às desigualdades do aluno brasileiro no acesso à internet, impõem enormes obstáculos à plena implementação do ensino híbrido. Tais dificuldades foram esmiuçadas no webinário do Instituto Unibanco por Nunes e por representantes das secretarias de Educação dos estados do Espírito Santo, Minas Gerais e Rio Grande do Norte.

Mesmo com os esforços capitaneados por redes, gestores escolares, professores e alunos para viabilizar o ensino remoto em 2020, a lista de entraves a serem superados inclui a necessidade de criação e/ou aprimoramento de acesso a plataformas de ensino e ferramentas digitais; a oferta de formação em serviço para professores conseguirem se aprimorar na realização do trabalho nesse novo contexto; a promoção do engajamento dos estudantes em torno dessa nova forma de aprender; e o combate à evasão escolar, com ações para o enfrentamento das desigualdades de acesso e à consequente falta de condições de estudo.

Além disso, o reposicionamento do estudante como protagonista no processo e a ressignificação da relação professor-aluno, de forma a promover maior interação entre esses dois atores, também foram apontados como pontos nevrálgicos durante o webinário.

Interação via tecnologia tem vantagens e pontos a avançar

Para Carmem Prata, assessora de tecnologia educacional da Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo, o período de ensino remoto proporcionou aumento da interação entre professores e alunos, dinâmica que deve continuar com a adoção do modelo híbrido.

“O ensino híbrido expande muito o tempo de estudo e comunicação entre a turma e os professores. O que antes eram 50 minutos de aula, agora são 24 horas de comunicação aberta, 24 horas de conteúdos disponíveis, seja via WhatsApp, outra rede social ou uma plataforma mais robusta”, explicou.

Além de permitir mais tempo de interação professor-aluno, a tecnologia age como apoio ao professor no processo de aferir se o aluno está aprendendo e desenvolvendo suas habilidades ou não. “Ela possibilita tornar o aprendizado do aluno visível”, reforçou Nunes, destacando a contribuição da tecnologia para dar transparência às produções dos estudantes e abrir espaço, a partir daí, para uma intervenção mais individualizada do professor. O próximo passo no terreno do ensino híbrido, adicionou, seria adaptar a abordagem metodológica, tornando-a mais significativa para os alunos.

Todavia, para ser aproveitado em potência máxima, o ensino híbrido precisa de capacidades, habilidades e engajamento – tanto de professores quanto de alunos –, ao lado de amplo acesso à internet. “Não basta a secretaria definir metodologia e dispor de plataforma. É preciso que os professores dominem as ferramentas que têm disponíveis, para que consigam enxergar seu potencial e perceber se elas são realmente eficientes para aquilo que estão planejando”, disse Carmem. Não é o fato de ter uma ferramenta ou portal de conteúdos que vai fazer com que os alunos estudem e colaborem, complementou. “Esse engajamento deve ser construído diariamente por meio de metodologias”, afirmou a assessora.

Geniana Guimarães, subsecretária de desenvolvimento da educação básica da Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais, refletiu sobre a proximidade dos alunos com as tecnologias e as redes sociais e o fato de isso não se traduzir automaticamente em engajamento para a atividade escolar.

Quando a gente traz a perspectiva institucional para a realidade, você vê que a coisa esfria. Acho que aqui está o nosso grande desafio: como possibilitar essa sociabilidade, que os alunos muitas vezes conseguem pelas redes, e esse querer estar conectado. E aqui entra muito a capacidade de instigar do professor”, disse.

Em sua intervenção no webinário sobre o ensino híbrido, Márcia Gurgel, secretária adjunta estadual de educação do Rio Grande do Norte, relembrou que, como mediador, o professor tem a responsabilidade de assegurar o direito à aprendizagem de seus alunos.

“O professor é o mais experiente, o sujeito na relação que estabelece determinadas formas de organização e sistematização desses processos [de aprendizagem], que podem ir mudando na interação com o aluno e devem ir mudando na pedagogia, na própria construção coletiva”, explicou. A observação de Márcia reforçou a necessidade de cuidados redobrados com a qualidade da interação professor-aluno, que é, reconhecidamente, pré-condição para a aprendizagem.

Os professores e suas redes

Para que os professores consigam realizar seu trabalho da melhor forma possível nesses tempos de pandemia, as redes de ensino estão se mobilizando para oferecer formação específica, além de articular, como no caso dos três estados mencionados, dinâmicas de troca entre os educadores.

“Muitas vezes as formações, como estamos habituados a pensar, não são suficientes. É aí que entra a rede de trocas de boas práticas entre os professores”, explicou Geniana. “Temos nos deparado muito com boas práticas e a gente entende que por essa rede de trocas a gente vai fortalecendo um ao outro – de professor para professor, de escola para escola. A discussão é entre pares.”

Seja com ações com maior centralidade, como ocorre em Minas Gerais, ou com maior autonomia para as escolas, como no caso do Rio Grande do Norte e do Espírito Santo, no que tange à estruturação de conteúdos e da carga horária de ensino, é esperado que as secretarias de Educação compareçam com orientações e o apoio necessário – às escolas, aos professores e aos alunos – para o avanço do ensino híbrido.

Assim, questões prementes, como a necessidade de buscar maior equidade educacional, passam por uma ação coordenada via secretarias. Neste sentido, como apontaram os participantes do webinário, em relação ao acesso dos conteúdos pelos alunos, por exemplo, os órgãos estaduais têm adotado estratégias como a veiculação de aulas na TV aberta e no rádio, viabilizado programas de financiamento de pacote de dados de internet, campanhas de doação de celular e computadores e distribuição de material impresso.

Saiba mais sobre ensino híbrido

Impulsionado por epidemias anteriores à Covid-19 na região da Ásia-Pacífico, o ensino híbrido já vinha ganhando força no mundo, o que se acentuou com a pandemia do novo coronavírus. Vários conhecimentos têm sido sistematizados a respeito: