Planejamento de Rede: pandemia exige flexibilidade
28/09/2020
CURADORIA: Instituto Unibanco
Introdução
As redes de educação têm a função de articular as diversas instâncias envolvidas na oferta educacional, principalmente as regionais de ensino e as unidades escolares, por meio da corresponsabilização e do engajamento no planejamento estratégico, visando garantir o direito à educação e promover o avanço contínuo dessa área baseada numa gestão pública consistente orientada para a mudança e a inovação.
A coleção Planejamento de Rede ressalta, nesta curadoria, conhecimentos e reflexões que evidenciam a importância do planejamento para a coerência interna das ações da rede voltadas à melhoria da educação e para o aprimoramento das práticas de gestão nas suas várias instâncias. Especialmente neste cenário de crise gerado pela pandemia de Covid-19, instalada no país desde março de 2020, as redes de ensino estão sendo desafiadas a lidar com situações inéditas na gestão da educação pública. O contexto exige rapidez e flexibilidade em seus planejamentos para fazer adaptações no modelo de ensino e implantar medidas sanitárias, que precisam da articulação de todas as instâncias para ser colocadas em prática.
Os destaques desta coleção abordam alguns elementos do planejamento estratégico/educacional, tais como: o uso de evidências para diagnosticar os desafios das redes e garantir a efetividade das políticas públicas educacionais; a comunicação efetiva entre as instâncias da rede e a comunidade escolar, zelando pela transparência das informações para fortalecer processos colaborativos; a experiência de redes que implantaram o planejamento estratégico na educação; a relevância do trabalho com metas de médio e longo prazo e o engajamento de todas as instâncias; e o enfrentamento dos aspectos estruturantes das desigualdades educacionais no nosso país.
A complexidade dessa discussão não será esgotada aqui, mas espera-se que a leitura desses documentos provoque o leitor a ampliar o repertório sobre o tema.
O Seminário Internacional Caminhos para a Qualidade da Educação Pública: Impactos e Evidências, realizado em São Paulo pelo Instituto Unibanco, reuniu os(as) secretários(as) de Educação de Santa Catarina, Espírito Santo, Pernambuco e Goiás para contar suas experiências, conteúdo que foi registrado no vídeo Experiências de Redes de Ensino Brasileiras com o Uso de Evidências e faz parte desta coleção. É consenso entre os palestrantes a dificuldade dos profissionais das secretarias de Educação para analisar e fazer uso dos indicadores educacionais. No entanto, é reconhecido que uma gestão educacional comprometida com a coerência interna e a corresponsabilização baseia-se em evidências científicas para a tomada de decisão e a elaboração de um planejamento que aponte os desafios e indique as estratégias para melhorar a educação pública.
Em webinário recente sobre o tema “Papel da liderança no contexto da educação pública”, promovido pelo Instituto Unibanco, o uso de evidências também foi destacado para fundamentar planejamentos flexíveis, principalmente em contextos inéditos, como é o da pandemia no campo da educação. Além disso, a colaboração entre as diferentes instâncias da rede, da comunidade escolar e da sociedade civil é importante para elaborar estratégias e lidar com os problemas, gerando a corresponsabilização nesse processo. Foi destacado que a comunicação efetiva e transparente de informações se faz necessária para ampliar o diálogo e a escuta entre os gestores públicos, os professores, os estudantes e as famílias, como forma de compreender as diferentes necessidades e fortalecer os vínculos e a confiança entre esses atores, visando reforçar o compromisso com o funcionamento do sistema e a qualidade da educação.
O financiamento público da educação terá centralidade na organização do planejamento de rede na atual conjuntura. A previsão é de aumento de custos com as adaptações para o ensino remoto, as ações de formação de profissionais e os materiais extras para garantir as medidas de segurança sanitária nas escolas. O relatório do estudo Covid-19 - Impacto Fiscal na Educação Básica, elaborado pelo Instituto Unibanco e pelo movimento Todos pela Educação, tem o objetivo de lançar luz às dificuldades financeiras que as redes de educação enfrentarão em 2020 para a manutenção dos processos de ensino-aprendizagem.
Ademais, não se pode esquecer que o Plano Nacional de Educação aprovado em 2014, além de criar as diretrizes gerais da área, passou a exigir que estados e municípios elaborem os seus planos de educação. O principal objetivo desses planos é construir ações integradas em cada território baseadas num diagnóstico consistente e em ações focadas na melhoria da qualidade da educação pública.
No vídeo Educação Brasileira - Plano Nacional de Educação, as especialistas Denise Carrera e Ananda Grinkraut, da ONG Ação Educativa, apontam que a maior dificuldade para a elaboração dos planos de estados e municípios é a realização de um planejamento público baseado em metas de médio e longo prazo (decenais) e não mais numa gestão de governo prevista para quatro anos. Elas também ressaltam a importância de haver ferramentas metodológicas que garantam a participação de diversos segmentos da comunidade escolar e de outros setores da sociedade para legitimar o processo de construção dos planos de forma colaborativa.
A dissertação A Contribuição do Planejamento Estratégico para a Gestão Participativa: uma Análise a Partir da Percepção dos Dirigentes das Escolas Estaduais Públicas, escrita por Luciano Pimentel Oliveira e defendida em 2006 na Universidade Federal da Bahia (UFBA), é um estudo da rede de educação pública do estado da Bahia que analisa a experiência do Projeto Fortalecimento da Gestão e Autonomia Educacional. Seu objetivo principal é investigar como a introdução do planejamento estratégico nas unidades escolares contribuiu para o fortalecimento da gestão participava. O estudo aborda as tensões entre a escola e a secretaria de Educação a partir do processo de indução do planejamento estratégico e aponta a necessidade de uma mudança de cultura e da internalização institucional dessa nova concepção de planejamento e dos processos ligados a ela, que possa gerar o engajamento efetivo dos atores ao longo do tempo.
Raça e Classe na Gestão da Educação Básica Brasileira, tese escrita por Renísia Cristina Garcia e defendida em 2010 na Universidade de Brasília (UnB), reforça o argumento de que as políticas econômicas ainda são colocadas em primeiro plano para o enfrentamento das desigualdades sociais. No entanto, a autora levanta evidências da relevância das políticas governamentais de ação afirmativa na educação como vetor para mudanças estruturais na sociedade brasileira.
Essa investigação buscou compreender a relação entre raça e classe na gestão ao estudar e classificar o tipo de engajamento de diversos gestores públicos para implementar a Lei nº 10.639, que torna obrigatório nos estabelecimentos públicos e privados de Ensino Fundamental e Médio o estudo da cultura e história afro-brasileira e indígena. Essa questão é essencial para que os gestores públicos reconheçam que as diferenças não podem produzir desigualdades educacionais.
O desafio do planejamento estratégico das redes de educação é ter um olhar ampliado para os múltiplos elementos que o compõem e reconhecer que a política educacional é intersetorial e deve envolver serviços e políticas públicas de outras áreas. No contexto atual de crise sanitária, os protocolos de proteção e prevenção direcionados às escolas devem ser discutidos em conjunto com as diversas instâncias da rede de educação, de setores governamentais e da sociedade civil. Por fim, é fundamental para a gestão educacional respeitar a autonomia da escola e fortalecer as relações entre as instâncias educacionais, associadas à concepção de gestão democrática e à garantia da efetividade das ações de melhoria da qualidade da educação com equidade.