Equidade

Coleção Gestão Escolar e Relações Étnico-Raciais

23/03/2020

CURADORIA: Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) / Instituto Unibanco

Curadoria do CEERT mostra centralidade da gestão no combate às desigualdades

Compreendendo as facetas do racismo como uma prática estrutural, institucional e interpessoal, a escola e o ambiente escolar em muitos aspectos refletem e reproduzem ações e imaginários históricos do último país do planeta a abolir a escravidão. As desigualdades raciais e sociais presentes na sociedade brasileira são transversais ao sistema escolar, impondo um abismo entre as condições de acesso, permanência e sucesso dos estudantes negros e dos não negros. E, apesar dos avanços alcançados na última década no que diz respeito à presença dos jovens negros no Ensino Médio e Superior, ainda são insuficientes os resultados de aprendizagem que temos conseguido produzir. Quando comparamos os percentuais de jovens entre 19 e 24 anos que concluíram o Ensino Médio, os índices[1] são de 81,2% para as mulheres brancas e de 66,7% para as mulheres negras, e de 70,4% para os homens brancos e de 55,8% para os homens negros, o que nos convoca à elaboração desta coleção.

 

A coleção Gestão Escolar e Relações Étnico-Raciais coloca a gestão escolar como peça central no enfrentamento às desigualdades e na elaboração de estratégias de ações afirmativas contínuas para a melhoria de aprendizagem do jovem negro e negra, provocando a discussão e a produção de conhecimento/reflexão com os objetivos de evidenciar: i) práticas de gestão que compreendam as questões étnico-raciais no ambiente escolar associada à melhoria de rendimento escolar e à superação de desigualdades; ii) a importância da participação da comunidade escolar no processo de pertencimento, identificação e conscientização contra o racismo; iii) o protagonismo negro e suas práticas, o entendimento das juventudes e suas diversidades presentes na escola.

 

Justamente por essa característica de transversalidade, a problemática das desigualdades raciais deve ser analisada por um amplo espectro de perspectivas, ao passo que nos possibilita identificar as manifestações do racismo na aprendizagem e no direito à educação dos estudantes negros, assim como compreender potencialidades na atuação da gestão escolar a partir de ações direcionadas à equidade racial e à redução das desigualdades existentes.

 

Para conhecer os desafios do enfrentamento do racismo na escola e, principalmente, inspirar reflexões e ações que possam contribuir com esse enfrentamento, apresentamos os destaques desta coleção.

 

A valorização da diversidade no mundo educacional é apontada por diferentes autores como uma estratégia de combate ao racismo, que vai em direção da construção de convivência harmônica em configurações heterogêneas. Esse desafio permeia os métodos que se propõem a trabalhar com a construção de identidades na escola a partir da teoria das configurações sociais e das histórias de suas vidas, que embasam análises de como a configuração escolar pode contribuir para a presença, a permanência e o pertencimento dos estudantes a partir do fortalecimento das políticas educacionais com o recorte racial explícito. Essa discussão é apresentada no artigo “Desafios para a política educacional: a presença negra na configuração escolar”, dos autores Maria da Conceição dos Reis, Edílson Fernandes de Souza e Vilde Gomes de Menezes, da Associação Nacional de Política e Administração da Educação.

 

A valorização da diversidade no âmbito escolar pode ser uma ferramenta importante contra as desigualdades educacionais entre os estudantes, e a escola deve tomar medidas que não aprofundem e agravem a estrutura racial desigual que permeia nossa sociedade. A pesquisa “Sem querer você mostra o seu preconceito!”, da autora Fernanda Vasconcelos Dias (UFMG), apresenta reflexões sobre como a naturalização do silenciamento e da invisibilização de situações de preconceito racial dentro e fora da escola atingem e demarcam as concepções dos estudantes acerca do grupo racial negro. A reflexão, que provoca a necessidade de estudar a correlação entre o tripé diversidade, oportunidades educacionais e desigualdade, oferece boas pistas sobre o comportamento de uma gestão que intenciona ser um vetor na luta contra o racismo.

 

Como solidificação desse tema, a Lei nº 10.639/2003 é um grande marco sobre as relações raciais e o campo da educação, fruto de conquistas históricas do movimento negro. Há uma ampla bibliografia que trata da aplicação de suas diretrizes no ambiente da escola e do papel da participação da comunidade escolar. Um exemplo é a dissertação “Abrindo os portões da escola: a participação efetiva da comunidade no ambiente escolar”, de Rosângela da Silva Campos de Paula (UFJF), que aborda a importância da gestão democrática na dialética entre as determinações legais e seus fundamentos, em defesa da escola pública, da democracia, da cidadania e da participação comunitária.

 

Há também nesta coleção materiais abordando atividades práticas, como o vídeo “Projeto Interlocuções Africa e Diáspora Africana””, que, de modo muito sensível, apresenta o educador Josivaldo Félix Câmara em um diálogo plural com estudantes, professores, comunidade, universidade (a UEDEC) e o Movimento Negro Unificado sobre a formação da comunidade dos estudantes, a favela Pau-Brasil, estimulando reflexões e análises sobre a relação centro/periferia e desigualdades raciais. Há também o vídeo “Projeto Minha Comunidade Minha História”, um resgate da memória das pessoas mais velhas do povoado Seco das Mulatas, atividade que é fruto da junção dos conhecimentos adquiridos em sala de aula com os contidos nas memórias da comunidade, aproximando gerações de seus saberes/conhecimento e identidade, a Sankofa[2]. Ambas as iniciativas foram participantes do Prêmio Educar para a Igualdade Racial e de Gênero, realizado pelo CEERT[3].

 

Outra prática muito interessante é apresentada na dissertação de Laura Ferrari Montemezzo (UFRS), “Um galho na árvore da música negra: movimento Hip Hop e Rap no ensino de história e nas relações étnico-raciais da educação básica, trabalho que utilizou o rap, uma das manifestações culturais do movimento de origem negra estadunidense hip-hop, para compreender de que forma os estudantes percebem rupturas e continuidades de resistência do povo negro ao longo da história do Brasil, bem como as africanidades e os marcadores da diferença presentes na sociedade brasileira.

 

As dimensões teóricas e práticas são igualmente importantes, pois compõem um espectro de linha auxiliar para quem está diariamente à frente da execução das políticas educacionais e lida diuturnamente com as desigualdades raciais. Assim, esta coleção disponibiliza um arcabouço de conteúdos que apoia caminhos mais assertivos para a escola, amplia repertórios de pesquisadores e gestores educacionais para fomentar esse debate na sociedade e reconhece que, para a real garantia do direito à educação, a busca pela equidade racial é condição imprescindível.

 

 

[1]Fonte: Folha de S.Paulo (dados da Pnad Contínua 2018 tabulados pelo Instituto Unibanco).

[2]Como parte de um conjunto de ideogramas chamados adinkras, da tradição africana, a Sankofa é representada por um pássaro que volta a cabeça à cauda. O símbolo é traduzido por: “retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro”.

[3]Criado em 1990, o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) é uma organização não governamental que produz conhecimento e desenvolve e executa projetos voltados para a promoção da igualdade de raça e de gênero. Site: <https://ceert.org.br/institucional>.

DESTAQUES DO CURADOR