Análise de Imprensa - Setembro e Outubro de 2022
Cerca de um terço do clipping da educação em setembro/outubro trouxe viés das eleições; Saeb/Ideb 2021 e “apagão” de professores também tiveram destaque
Em sintonia com o acirramento da disputa entre os candidatos, o noticiário sobre educação esquentou na reta final da corrida eleitoral no Brasil. Desde março, quando esta análise de mídia começou a monitorar a interface do clipping da educação com o tema das eleições, o período setembro/outubro foi o mais robusto, tanto em quantidade de cobertura voltada ao assunto quanto em qualidade de informação – leia-se consistência da argumentação, diversidade de fontes e clareza de posicionamentos.
Dos 290 textos jornalísticos analisados pela pesquisa bimestral do Observatório de Educação, 84 inserções – ou 29% do clipping – trataram de eleições. Dentro deste universo, mais de 90% dos textos traziam relatos de práticas, experiências ou storytelling, e mais de 70% apoiavam-se em evidências provenientes de estudos, pesquisas e dados estatísticos.
Além disso, 48% do clipping sobre as eleições registrava a consulta a pelo menos quatro fontes, sendo que 25% ostentavam sete fontes ou mais. Entre os tipos de porta-vozes ouvidos, destacou-se, em primeiro lugar, o grupo dos pesquisadores (presentes em 21 inserções), que foi seguido por representantes de organizações sociais/ativistas (20 inserções), candidatos (dez inserções) e estudantes/jovens (nove inserções).
– Período do clipping: setembro e outubro
– Amostra analisada: 290 inserções
– Clipping contextualizando eleições: 84 inserções (29%)
– Gênero predominante na cobertura sobre eleições: informativo (70%)
– Presença de quatro fontes ou mais na cobertura sobre eleições: 48%
Em leitura diagonal, a cobertura sobre educação nas eleições exibiu uma combinação equilibrada de textos que pleiteavam direitos educacionais e que apresentavam balanços sobre resultados de aprendizagem. O comportamento da imprensa teve como reforço a divulgação, em 16 de setembro, dos resultados do exame do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para o exercício de 2021.
Conforme o Saeb, o nível de aprendizado em português e matemática caiu em todas as etapas da educação básica, enquanto o Ideb só não pareceu pior devido a distorções que inflaram sua fórmula de cálculo pelas circunstâncias da pandemia (ver nota técnica do Instituto Unibanco aqui). Nesse contexto, o discurso da mídia encheu-se de palavras indicando a piora de cenário, tais como “desmonte”, “precarização”, “devastador”, “deterioração”, “desintegração” e “esgarçamento do tecido social”.
O gênero jornalístico preponderante na cobertura sobre educação e eleições foi o informativo (70% das inserções), com destaque para a produção de reportagens. No gênero opinativo, predominaram os artigos. Os assuntos mais presentes – captados na pesquisa de clipping em pergunta de resposta múltipla – foram a inserção do tema da educação nas plataformas de governo, a desigualdade racial ou de gênero na educação, o financiamento da educação e a recuperação da aprendizagem.
- Plataformas de governo (49 inserções/58,3%) – As matérias e artigos sobre propostas de plano de governo e promessas de campanha consolidaram-se entre os tópicos priorizados. Em comparação com o período julho/agosto, houve maior tendência ao aprofundamento. Exemplos: “Mais candidatos da educação na disputa” (Correio Braziliense, 01/09); “Campanhas presidenciais repetem mantra de priorizar educação, mas falta substância” (Folha de S.Paulo, 06/09); “Educação nas eleições: o que precisamos entender para avaliar as propostas?” (Nova Escola, 13/09); “Sem Bolsonaro, especialistas discutem propostas para o país na Sabatina ‘Estadão’/Faap” (O Estado de S.Paulo, 16/09); “Radar Educação: Candidatos a deputado estadual explicam propostas no campo educacional” (Porvir, 20/09); “Lula, Ciro, Bolsonaro, Tebet: quem tem as melhores propostas para a educação” (Carta Capital, 26/09); e “Por que o jovem periférico está invisível nos programas dessas eleições?” (UOL, 02/10).
- Desigualdade racial ou de gênero (26 inserções/31%) – O destaque aqui ficou para a busca de equidade racial na educação, incluindo a continuidade da Lei de Cotas (Lei no711/2012). Exemplos: “Educação antirracista e inclusiva deve ser prioridade do próximo governo” (Centro de Referências em Educação Integral, 01/09); “200 anos de desigualdade na educação” (O Estado de S.Paulo, 11/09); e “Lula quer políticas públicas com recorte de gênero e raça, diz representante da campanha” (Folha de S.Paulo, 13/09).
- Financiamento da educação (19 inserções/22,6%) – A pauta central foi a onda de cortes sucessivos nos investimentos em educação pelo governo federal. Exemplos: “Qualidade e baixos salários são os principais problemas da educação no país para os brasileiros” (O Globo, 07/09); “Escolha do presidente irá selar destino das universidades públicas” (RBA – Rede Brasil Atual, 08/09); “Proposta de orçamento do MEC para 2023 mantém quadro de estagnação” (O Globo, 12/09); “Governo Bolsonaro tira dinheiro de creches e gasto federal com obras cai 80%” (Folha de S.Paulo, 10/09); e “Governo Bolsonaro propõe corte de 97% em recurso para infraestrutura de escolas; só há dinheiro para comprar um ônibus em 2023” (O Globo, 28/09).
- Recuperação da aprendizagem (15 inserções/17,8%) – Os impactos da pandemia de covid-19 na educação e a necessidade de medidas urgentes para revertê-los motivaram a maior parte da cobertura: “Fazer mais do mesmo não reduzirá a desigualdade educacional” (Folha de S.Paulo, 01/09), “Temos uma semana para cobrar o que os candidatos farão para recuperar a educação” (O Estado de S.Paulo, 25/09) e “Mais da metade dos jovens dizem ter ficado para trás nos estudos” (Porvir, 27/09).
A voz dos grandes veículos e a divulgação do Saeb/Ideb
Em sua totalidade, a amostra de 290 inserções de clipping analisadas pelo Radar de Imprensa em setembro/outubro contou com 11 editoriais. Por óbvio, a maioria deles aludia ao processo eleitoral:
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- Em “Pandemia distorce índice de qualidade da educação básica” (17/09), O Globo detalhou os fatores que comprometeram o cálculo do Ideb 2021 e comentou os maus resultados do Saeb. “A recuperação do aprendizado perdido deveria ser a prioridade absoluta do governo eleito em outubro, já que deste não há muito mais a esperar”, escreveu O Globo.
- Em “Colapso educacional”(19/09), a Folha de S.Paulo também repercutiu os resultados do Saeb e criticou o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o Congresso Nacional por não priorizarem um plano de recuperação das aprendizagens, que não esteve “no centro dos debates desta campanha eleitoral”.
- Na mesma linha, em “O tamanho da crise na educação” (21/09), O Estado de S.Paulo convocou o próximo presidente da República e os futuros governadores “a liderar um esforço nacional de recuperação da aprendizagem”.
- Em “É preciso devolver o Estado aos brasileiros” (30/09), o Estadão defendeu que o próximo governo promova o desaparelhamento político-ideológico da máquina pública.
- Em “O dia mais importante da democracia” (02/10), no primeiro turno das eleições, o editorial de O Globo ressaltou a importância do voto como instrumento para o cidadão comum ajudar a definir as prioridades do país em áreas como a educação.
- Em “O desalento da juventude” (18/10), O Estado de S.Paulo afirmou que nem Lula nem Bolsonaro apresentaram propostas para resgatar a esperança dos jovens de 15 a 29 anos no Brasil.
- Por fim, um dia antes da realização do segundo turno, O Estado de S.Paulo publicou o manifesto “A educação que queremos” (29/10): “Ensino básico de qualidade e para todos tem de ser prioridade do próximo presidente, se o que se pretende é ampliar a capacidade dos brasileiros de participar da riqueza do país”.
Como se viu, a divulgação do Saeb e do Ideb 2021 subsidiou vários posicionamentos emitidos pelos donos dos principais jornais, além de ter sido um eixo importante na cobertura da educação na íntegra, perfazendo perto de 20% de todo o clipping (exemplos aqui, aqui, aqui e aqui). No mix dos temas de interesse do Observatório de Educação, ela foi a pauta capturada mais vezes pela variável “avaliação” e também incidiu de forma significativa nos tópicos “estrutura organizacional e políticas públicas” e “fatores extraescolares”, que é onde a pesquisa do clipping costuma classificar os textos sobre educação na pandemia.
Amostra total: 290 respostas (RM)
Na prática, a prova do Saeb foi a avaliação diagnóstica mais abrangente realizada no Brasil desde o advento da covid-19. Entretanto, sabe-se que o regime de fechamento das escolas e a oferta de ensino remoto em cada localidade, assim como a adoção de estratégias de aprovação automática na pandemia e o menor número de estudantes fazendo o Saeb, interferiram nos resultados.
Neste sentido, ao lado do Instituto Unibanco, organizações como o Todos pela Educação e a Jeduca – Associação de Jornalistas de Educação emitiram documentos alertando para as ressalvas necessárias à contextualização dos achados do Saeb/Ideb 2021. A julgar pela amostra analisada pelo Radar de Imprensa, o esforço surtiu efeito: de modo geral, os pontos de reserva foram comunicados com clareza, houve pouca ênfase nos tradicionais rankings e vários veículos optaram por produzir textos didáticos para tornar a informação menos complexa. Alguns exemplos:
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- “MEC divulga notas do Ideb e do Saeb nesta sexta; dados estão comprometidos pela pandemia” (O Globo, 16/09).
- “Aprovação automática na pandemia distorce resultado do Ideb 2021” (Folha de S.Paulo, 16/09).
- “Com dados distorcidos devido à pandemia, índice de educação segue estável” (UOL, 16/09).
- “Raio X da educação: o que mostram o Censo Escolar, o Ideb e o Saeb, divulgados nesta sexta-feira” (G1, 16/09).
- “Quanto a educação piorou na pandemia? Entenda dados do exame do MEC” e “Resultados não trazem o diagnóstico definitivo do pós-pandemia na educação; leia análise” (O Estado de S.Paulo, 16/09).
É preciso registrar que, diferentemente de edições anteriores do Saeb/Ideb e ainda que este tenha sido um pedido formal da Jeduca, o Ministério da Educação (MEC) não divulgou à imprensa os resultados do Ideb 2021 com embargo, o que daria aos jornalistas mais tempo para se familiarizar com os dados e produzir uma cobertura mais qualificada.
Dia do Professor e juventudes
A celebração do Dia do Professor em 15 de outubro voltou a funcionar como gancho para a produção de matérias sobre a carreira docente. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Semesp projetou que o Brasil poderá enfrentar um “apagão de professores” em 2040, com a carência de 235 mil docentes na educação básica. Embora o levantamento tenha vindo a público no G1 já em 29 de setembro, a notícia turbinou a cobertura da efeméride ao longo do mês de outubro tanto em veículos da grande imprensa quanto da imprensa especializada. No Estadão, a pesquisa foi objeto também de um editorial.
Os clássicos perfis sobre a devoção ao ato de educar repetiram-se em textos como “A realização de um professor é na sala de aula, diz educadora mais antiga da rede municipal do Rio” (G1, 15/10), “Paciência e carinho: segredos de educadora para garantir alfabetização de adultos” (G1, 15/10) e “Sou movida pelo amor à educação: conheça as histórias de professoras com mais de 30 anos de magistério” (O Globo, 15/10).
Por fim, em uma cobertura que se apresentou mais difusa do que o usual no tema das juventudes, os destaques do clipping ficaram para inserções em defesa do novo ensino médio (exemplos aqui, aqui e aqui), matérias sobre o futuro da juventude e sobre problemas socioemocionais dos estudantes, sobretudo questões de saúde mental decorrentes da pandemia e episódios de violência com armas.