Análise de Imprensa - Março e Abril de 2022
Jornalismo investigativo e furos de reportagem marcaram a cobertura em março/abril
A educação foi assunto forte em Brasília nos meses de março e abril, influenciando a cobertura da cena política com vieses que foram da defesa de direitos ao mercado de trabalho, passando também por questões de polícia. A pauta foi dominada por revelações sobre escândalos no Ministério da Educação (MEC) que culminaram com a queda do chefe da pasta, o ministro Milton Ribeiro.
Na amostra de clipping analisada pelo Radar de Imprensa para o período, 69,6% das inserções priorizaram o tema da estrutura organizacional da educação e sua inserção nas políticas públicas. Com a proximidade e relevância das eleições gerais de 2022, o contexto da política tende a crescer na cobertura. Por isso a interface entre educação e eleições passou a ser acompanhada pelo Radar de Imprensa neste ano.
Presença de temas de interesse do Observatório de Educação
270 respostas
Fonte: Análise de clipping Radar de Imprensa
A pauta de maior destaque em março/abril, largamente trabalhada pelos veículos, foi o escândalo do “Bolsolão do MEC”, como ficou conhecida a denúncia feita por O Estado de S.Paulo em 18 de março, sobre possível tráfico de influência exercido por um grupo de pastores para a liberação de verbas do Ministério da Educação (MEC) aos municípios.
Mesmo sem terem cargo no MEC ou em qualquer repartição do governo federal, os pastores atuavam em um esquema informal de obtenção e repasse de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O Estadão veiculou trechos de vídeos em que os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura admitiam esta atuação.
O furo de reportagem repercutiu rapidamente entre a classe política e nas redações, que entraram na cobertura também. Em 21 de março, a Folha de S.Paulo publicou matéria contendo um áudio, no qual o então ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou que daria prioridade para “atender primeiro aos municípios que mais precisam e, segundo, atender a todos que são amigos do pastor Gilmar” (Santos). Disse, ainda, que faria isso a pedido do presidente Jair Bolsonaro (PL).
No dia seguinte, a denúncia chegou ao alto do trending topics do Twitter no Brasil, o ranking dos assuntos mais comentados na rede social, consolidando a hashtag #BolsolaoDoMEC. No buscador Google, a expressão atingiu valor 100, que representa o pico de popularidade segundo as medições do Google Trends.
A mais nova crise do MEC foi apurada em profundidade e destrinchada sob vários ângulos pelos veículos:
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- No G1 (23/03) – “FNDE: como funciona o órgão do MEC de onde sai a verba sob suspeita de ser negociada por pastores”.
- Em O Globo (24/03) – “Sob suspeita de influência de pastores, MEC tem mais de 3,5 mil obras escolares atrasadas que já custaram R$ 1,3 milhão”.
- No portal RBA (25/03) – “MST protesta contra balcão de negócios de pastores no Ministério da Educação”.
Como se sabe, como consequência dos acontecimentos, o então ministro Milton Ribeiro, o quarto nomeado ao cargo na gestão Bolsonaro, pediu demissão do cargo em 28 de março. Outro desfecho foi a movimentação do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), em abril, para a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar a existência de práticas de corrupção e um gabinete paralelo no MEC.
A proposta de criação da CPI não se materializou, expondo a hesitação de parlamentares que aderiram à ideia e depois voltaram atrás. Fonte de uma notícia da CNN Brasil, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) argumentou que, embora acredite que fatos graves aconteceram, “uma CPI tão próxima das eleições acabará em palanque eleitoral”. Em outra matéria, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), manifestou-se na mesma direção.
Vale citar, ainda, outros dois escândalos envolvendo recursos do FNDE que renderam cobertura de denúncia nos meses de março e abril: indícios de superfaturamento em uma licitação para a compra de ônibus para escolas rurais e a destinação de R$ 26 milhões para o envio de kits de robótica para escolas de pequenos municípios alagoanos que sequer têm bom saneamento.
Sobre esses fatos, destacam-se no UOL o artigo “Governo nos ensina a comprar busão com sobrepreço e a pagar propina em ouro” (05/04), de Leonardo Sakamoto, e a reportagem “Arthur Lira atuou para liberar dinheiro de kit de robótica, diz secretária em Alagoas”, no Valor Econômico (08/04). Já a Folha de S.Paulo, responsável pela investigação in loco sobre os kits de robótica, escreveu o editorial “De roubos e robôs” (09/04).
Eleições, juventude e ensino médio
Como mencionado, a pesquisa de clipping do Radar de Imprensa introduziu, neste ano, uma questão para analisar a presença do tópico das eleições gerais de 2022 na cobertura. Fora as já citadas inserções relacionando a corrida eleitoral ao Bolsolão do MEC, o processo de tabulação do conteúdo identificou textos aludindo a propostas de governo e ao envolvimento da juventude no próximo pleito. O apanhado a seguir ilustra o que mais se viu:
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- No UOL (05/04) – “Adolescentes se sentem invisíveis e apartados no processo eleitoral em 2022”.
- Em Veja (16/04) – “Presidenciáveis formulam estratégias para atingir eleitor jovem”.
- Em Carta Capital (18/04) – “Maioria dos jovens diz não se identificar com ideologia ao definir voto, indica pesquisa”.
- Na Folha de S.Paulo (24/04) – “O que os governos estaduais podem fazer pela educação?” (artigo de Alexandre Schneider).
- Em O Estado de S.Paulo (26/04 e 27/04, respectivamente) – “Pré-candidatos se comprometem com agenda da educação básica; Bolsonaro não participa”; e “A educação, nas eleições e no eleitor” (coluna de Nicolau da Rocha Cavalcanti).
- No G1 (27/04) – “Todos pela Educação publica levantamento sobre a importância da educação nas eleições de 2022”.
Para além da cobertura sobre as eleições, três outras questões, inter-relacionadas e de interesse fundamental da juventude, sobressaíram no clipping, a saber: 1) a chegada do novo ensino médio; 2) as perspectivas para os estudantes do ensino médio no contexto atual; e 3) as novidades no processo de admissão ao ensino superior.
O novo ensino médio começou a ser implementado oficialmente neste ano com a ampliação gradativa da carga horária. No 1º ano do ciclo, os alunos devem ter pelo menos cinco horas diárias de aula. Até 2024, todos os alunos, do 1º ao 3º ano, terão sete horas de aula por dia. Junto com o aumento da carga horária, há a mudança do currículo, que aliará a formação básica a itinerários formativos optativos com ênfase em linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas ou ao ensino técnico.
A chegada para valer do novo ensino médio repercutiu no clipping em análises como “O apagão do ensino médio” (O Estado de S.Paulo, 11/03), em que o sociólogo Simon Schwartzman se refere ao processo como “uma reforma confusa, sem ter quem a lidere e com alunos prejudicados por dois anos de escolas fechadas”.
Schwartzman critica particularmente a maneira como se efetiva o objetivo de ampliar a formação técnica e profissional da reforma que, em sua opinião, “deveria ter sido acompanhada de uma política efetiva de fortalecimento dos vínculos entre as redes estaduais e os sistemas de formação profissional existentes”. Nessa mesma direção, o Estadão soltou o editorial “Hora de modernizar o ensino técnico” (22/03) com a visão do jornal a respeito:
“O ensino profissional e técnico no Brasil é desprestigiado, defasado e deficitário em relação à demanda dos jovens e do mercado de trabalho. A reforma do ensino médio, estabelecida em 2017, e que entra em vigor em 2022, criou possibilidades de revitalizar o ensino profissionalizante, reintegrando-o ao ensino médio. Mas, caracteristicamente, ele recebeu menos atenção no debate público e entre os gestores da educação, e ainda pairam muitas incertezas sobre sua implementação”.
Michael França, colunista da Folha de S.Paulo, entrou no debate sobre escola, juventude e ocupação em uma reflexão à luz de levantamentos sobre baixa adesão ao ensino remoto e de um estudo lançado em março pelo Insper. Este estudo demonstrou que a educação básica de qualidade aumenta as chances de os alunos chegarem ao ensino superior e conseguirem um emprego e reduz as taxas de homicídio.
“Fora da escola e com baixa expectativa em relação ao mercado de trabalho, o mundo do crime é convidativo”, escreveu França (04/04). “Oferecer melhores oportunidades para jovens sem perspectiva é um caminho mais justo, barato e próspero. Para isso, um dos caminhos é avançar tanto oferta de uma educação de qualidade, quanto na inclusão da juventude no mercado de trabalho.”
A cobertura do novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) povoou o clipping paralelamente às discussões sobre a implantação do novo ensino médio. Matérias sobre as mudanças esperadas para o exame em 2024 – um novo Enem para um novo ensino médio – podem ser lidas aqui, aqui e aqui.
Equidade e inclusão
O tema da equidade e da inclusão foi detectado em 42,2% das inserções de educação. Em uma visão panorâmica, foram identificados clippings nessa linha em textos sobre o Prouni, Fies, isenção de taxa no Enem, ensino médio noturno, conectividade, igualdade de oportunidades, crianças pobres, povos indígenas, autismo, síndrome de Down, alunos com deficiência, equidade de gênero, equidade racial, discriminação e homofobia.
Alguns assuntos tiveram mais expressão do que outros. A revisão da Lei de Cotas (Lei no 12.711/2012), que completa dez anos em agosto próximo, despontou entre as pautas sobre equidade racial em peças opinativas como o artigo “A favor das cotas”, assinado por Luiz Henrique Lima (Blogs do Estadão, 04/04). No gênero informativo, merecem menção as reportagens “Pesquisa indica que imprensa brasileira reconhece ganhos das Leis das Cotas” (Folha de S.Paulo, 09/03), “Lei de Cotas completa 10 anos: qual o impacto dessa política na educação?” (UOL, 26/03) e “Lei de Cotas ajuda a reduzir desigualdades, diz universidade americana” (Agência Brasil, 16/04).
Marco importante nas políticas públicas educacionais, o projeto de lei que institui o Sistema Nacional de Educação (SNE) foi aprovado no início de março por unanimidade no Senado e agora aguarda o sinal verde da Câmara. Promover educação de qualidade com equidade e fazer isso de forma coordenada estão na essência do SNE. Na amostra do Radar de Imprensa, a Folha de S.Paulo foi o veículo que mais investiu nesta cobertura:
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- “É urgente aprovar o Sistema Nacional de Educação”, no artigo de Anna Helena Altenfelder (08/03).
- “’SUS da educação’ deve passar na Câmara na próxima semana, após acordo com MEC”, em reportagem de Paulo Saldaña (11/03).
- “’SUS da educação’, sistema nacional é estratégia legal para redução de desigualdade”, em análise de Sabine Righetti (11/03).
- “O Sistema Nacional de Educação e a desigualdade genérica”, em coluna de Cida Bento (16/03).
- “Sistema Nacional de Educação busca reduzir desigualdade”, em coluna de Claudia Costin (17/03).
Pandemia e educação
Um dos ângulos mais explorados na pauta da aprovação do SNE foi a urgência de sua instalação mediante os efeitos perversos da pandemia de Covid-19 sobre a educação – em especial, o aumento da evasão escolar e os retrocessos na aprendizagem. Esses impactos estão sendo pouco a pouco dimensionados por pesquisadores e escrutinados pela imprensa. No início de março, os holofotes caíram sobre a divulgação dos resultados da edição 2021 do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp).
A chamada da reportagem do G1 sintetizou a situação dramática do ensino em um dos entes federativos onde a educação pública possui mais estrutura: “Com pandemia, aluno do ensino médio de SP tem pior desempenho da história; estudante sai com defasagem de seis anos” (02/03). Nas palavras do editorial da Folha de S.Paulo trata-se de um “Desastre educacional” (05/03).
Também muito preocupantes foram, ainda, dois outros fatos noticiados pelos veículos, no campo da saúde mental dos alunos em tempos de Covid-19. O primeiro aconteceu em uma escola de Jarinu (SP), onde nove alunos se automutilaram com lâmina de apontador na sala de aula e no banheiro do colégio. O segundo se passou no início de abril, quando quase 30 adolescentes tiveram uma crise de ansiedade coletiva em uma escola de Recife.
A cobertura fez referência a um levantamento realizado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e o Instituto Ayrton Senna em 2021, mas que foi divulgado também em abril: “Sete de cada dez alunos relatam sinais de ansiedade ou depressão, diz estudo” (UOL, 01/04).
A amostra estudada pelo Radar de Imprensa em março/abril contou com 270 inserções, compostas majoritariamente por textos informativos (64,8%), de interesse nacional (84,1%) e publicados em jornais/portais da grande imprensa (80,7%). Entre estes, os títulos que mais abriram espaço para falar de educação foram o G1 (23,4% do total de inserções em jornais/portais da grande imprensa), o UOL (17,4%) e a Folha de S.Paulo (17%).