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Com dados distorcidos devido a pandemia, índice de educação segue estável

Sala de aula com mesas marcadas com fita para distanciamento de estudantes em escola na zona leste de São Paulo no primeiro ano de pandemia - Rubens Cavallari/Folhapress
Sala de aula com mesas marcadas com fita para distanciamento de estudantes em escola na zona leste de São Paulo no primeiro ano de pandemia Imagem: Rubens Cavallari/Folhapress

Do UOL, em São Paulo

16/09/2022 12h11Atualizada em 16/09/2022 17h11

Apesar da queda na aprendizagem entre 2019 e 2021, o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) se manteve estável nas três etapas de ensino. Segundo o MEC (Ministério da Educação), isso aconteceu por causa das taxas de aprovação —que fazem parte do cálculo. Essas taxas ficaram distorcidas durante a pandemia de covid-19, após grande parte dos estados brasileiros adotarem a aprovação automática.

Segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas), a taxa de aprovação nos anos finais do ensino fundamental em 2021 ficou em 95,2% —ou seja, nove entre dez alunos foram aprovados, ainda que tenham problemas na aprendizagem. Em 2019, antes da pandemia, o índice foi de 88,6%.

Com isso, o resultado Ideb foi:

  • Nos anos iniciais: de 5,9 em 2019, para 5,8 em 2021;
  • Nos anos finais: de 4,9 para 5,1 no mesmo período;
  • Ensino Médio: se manteve em 4,2

O que é o Ideb? O indicador, calculado a cada dois anos, é composto pelo desempenho dos alunos em uma avaliação de matemática e língua portuguesa, chamada Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), e as taxas de aprovação escolar.

A avaliação é aplicada para as turmas do 5º ano e 9º ano do ensino fundamental, além dos estudantes da 3º série do ensino médio. A prova de alfabetização é feita pelos alunos do 2º ano desde 2019.

O Saeb indicou que a proporção de crianças que têm dificuldades na leitura e escrita no Brasil dobrou entre no período avaliado.

Longe da realidade. Especialistas ressaltaram que é importante analisar os dados do Ideb 2021 com cautela, já que eles podem não refletir, exatamente, a realidade de cada região, estado ou município.

Isso devido às medidas adotadas por causa da pandemia. O CNE (Conselho Nacional de Educação), órgão vinculado ao MEC que funciona de maneira autônoma e reúne especialistas em educação, autorizou a fusão dos anos letivos de 2020 e 2021 —o que levou à aprovação automática dos alunos.

Muitos estados aderiram ao modelo em 2020 e o mantiveram no ano passado por problemas estruturais.

Subir a taxa de aprovação não é um problema. O ponto é: a gente acredita que essa aprovação é sustentável? A resolução do CNE era necessária naquele momento da pandemia [em 2020], pensar em criar uma estrutura de rematrícula era muito desafiador, principalmente para realidades vulneráveis."
Ernesto Faria, diretor do instituto Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional)

Segundo especialistas, estados como São Paulo, onde as aulas presenciais foram retomadas ainda em 2020, têm as taxas de aprovação mais próximas da realidade. Levantamento feito pelo UOL em agosto do ano passado mostrou que dez estados mantiveram o ensino remoto para o segundo semestre.

Ao longo da pandemia, estados e municípios acusaram o MEC de ser omisso e não apresentar alternativas para o desenvolvimento do sistema de ensino.

Como isso influencia o Ideb? Em nota técnica, o movimento Todos pela Educação afirma como uma taxa de aprovação irreal pode influenciar no valor final do Ideb. Por exemplo: se o indicador de taxa de aprovação saltar de 0,8 para 1,0 e a aprendizagem cair de 5 para 4,5, o cálculo do Ideb ainda assim vai aumentar.

"Essa situação atípica de distorção das taxas de aprovação dos estudantes durante a pandemia praticamente invalida comparações gerais sobre a evolução do Ideb nas redes e comparações do Ideb 2021 entre redes", explica a entidade.

Ou seja: o Ideb indica o que aconteceu nos últimos dois anos no sistema de ensino. Mas, devido à pandemia, os dados usados no cálculo sofreram uma distorção. Por isso, é difícil fazer um ranking ou comparação com o índice de 2021.

Só os selecionados. O Inep informou que a média nacional de aplicação da prova ficou em 70% —de cada dez alunos matriculados, sete fizeram a prova. Algumas escolas, cidades e estados, no entanto, podem ter uma porcentagem menor.

Em alguns casos, os melhores alunos podem ter sido escolhidos para realizar a prova e, assim, não diminuir tanto o indicador.

Se eu faço um viés de seleção e tenho uma taxa de aprovação artificial, o Ideb como indicador composto é violado."
Ricardo Henriques, Instituto Unibanco

Sem comparações. Com esse cenário, especialistas apontam que não é possível também fazer comparações entre estados, municípios e regiões. A declaração, no entanto, diverge com o que o MEC e a equipe do Inep defenderam na coletiva de imprensa.

"Os resultados são comparáveis com a série histórica", afirmou o ministro de Educação, Victor Godoy, logo no início do evento.

No mesmo pronunciamento, a presidente do CNE, Maria Helena Guimarães de Castro, informou que os dados dessa edição não devem ser comparados com as edições anteriores.

"A comparabilidade com anos anteriores deve ser evitada, porque os resultados foram impactados pela mudança na aprovação dos estudantes. Essa mudança seguiu um parecer do CNE, que recomendou a promoção dos alunos para evitar que fossem ainda mais prejudicados. Isso, com certeza, afeta o indicador", disse.

Desigualdades. O resultado não reflete o aprofundamento das desigualdades já citado pelos especialistas ao longo da pandemia. A falta de computador, internet e conhecimento dos pais afetaram o desenvolvimento de milhares de alunos.

Reportagens publicadas pelo UOL mostraram o abismo educacional nesse período. Estudos evidenciaram que alunos pretos e pobres tiveram ainda mais dificuldades de acesso.

Não ia ter Saeb. No começo de 2021, o MEC, comandado na época por Milton Ribeiro, quis suspender a aplicação do Saeb —avaliação cujo resultado é usado no cálculo do Ideb— justificando uma falta de orçamento e por ser "arriscado" devido à pandemia.

Dois meses depois, a pasta voltou atrás com a decisão e anunciou que aplicaria o Saeb de forma censitária (com a participação de todos os estudantes). Havia uma discussão para a prova ser amostral.

Pior crise da história. O Saeb foi aplicado em novembro do ano passado em meio a pior crise do Inep com dezenas de servidores de carreira pedindo exoneração de seus cargos. O grupo citou "fragilidade técnica" do então presidente do órgão, Danilo Dupas, e o acusou de assédio moral.

Reportagem da Folha de S. Paulo, na época, mostrou que ao menos sete estados ainda não haviam recebido as provas do Saeb um dia após o início de aplicação da avaliação. Entre os demissionários, havia pessoas com experiência na gestão e logística da prova.

Em julho deste ano, Dupas pediu demissão por motivos pessoais e o servidor de carreira Carlos Moreno assumiu a chefia do instituto como substituto.

Sem antecipação. Diferentemente dos anos anteriores, o governo federal decidiu não enviar os dados antecipados para imprensa. A divulgação foi realizada na sede do MEC e transmitida nas redes sociais do ministério, mas a coletiva para os jornalistas não foi divulgada.