Ilustração
Desafio: Inclusão no ensino médio é possível e necessária: veja relatos de escolas

Alunos de olhos vendados aprenderam braile

Resumo da solução

 Alunos de duas turmas de ensino médio na Escola Estadual Professora Inah de Mello, em Santo André (SP), tiveram aulas com os olhos vendados e aprenderam noções básicas de braile. A iniciativa, organizada por professores da escola, teve o objetivo de combater preconceitos e de aproximar os estudantes não cegos dos colegas com deficiência visual. Ao participarem de atividades escolares momentaneamente sem poder ver, os alunos não cegos entenderam a importância do silêncio, na sala de aula, para a aprendizagem de quem tem deficiência visual. Ao final, foi organizada uma exposição com os nomes de todos os alunos escritos em braile, além de poemas e versos.

Depoimento completo:

Somos educadores da Escola Estadual Professora Inah de Mello, localizada no Parque das Nações, em Santo André (SP), próximo ao centro da cidade. A unidade oferece o ensino fundamental II e médio.

A escola está inserida em um território comercial movimentado, com bancos, lojas e mercados. Próximo a ela, passam diversas linhas de ônibus e um corredor de trólebus, que corta as cidades de São Paulo, Mauá, Santo André e São Bernardo do Campo. Por conta das facilidades de transporte, o nosso público vem, na grande maioria, da cidade de São Paulo, principalmente da zona leste. Poucos alunos estudam e moram no bairro.

Em 2018, a escola contava com aproximadamente 1.100 estudantes, dos quais 58 possuem alguma deficiência. Havia 36 alunos público-alvo da educação especial no ensino fundamental e 22 no ensino médio. Dentre eles, seis eram cegos e sete apresentavam baixa visão.

A instituição conta com alguns recursos de acessibilidade, tais como rampas de acesso à escola. Contudo, ainda falta piso podotátil e identificação dos espaços.

A escola oferta o serviço de Atendimento Educacional Especializado   (AEE), cujas profissionais responsáveis realizam uma boa articulação com os familiares e professores. São duas professoras que se revezam na sala de recursos e que dão todo o suporte esperado dentro das possibilidades à comunidade escolar e para os estudantes público-alvo da educação especial  , no contraturno.

Identificação de barreiras

A escola é um espaço comum a todos. E, nesse contexto, observamos que havia barreiras à convivência entre os estudantes com deficiência visual e os demais alunos da sala de aula. Percebemos um preconceito em relação à adaptação curricular e aos materiais pedagógicos utilizados pelos alunos com deficiência.

Muitas vezes é de difícil compreensão para o grupo de alunos sem deficiência a importância do silêncio para os colegas com deficiência visual presentes na sala de aula, por exemplo.

Motivados a eliminar essa barreira e a criar um ambiente inclusivo na escola, decidimos elaborar uma estratégia pedagógica para proporcionar a todos os estudantes uma reflexão sobre o braile, para desmistificar essa forma de comunicação.

Também entendemos que o projeto poderia tornar a sala de aula mais harmoniosa e colaborativa entre todos, a fim de alcançar um bom desenvolvimento dos conteúdos trabalhados.

Estratégias desenvolvidas

Selecionamos duas classes do 2º ano do ensino médio, atingindo aproximadamente 80 estudantes. As turmas contavam com três alunos cegos.

Utilizamos para as atividades conteúdos curriculares das disciplinas de sociologia e biologia, normalmente trabalhados em sala de aula. A dinâmica foi pensada e planejada de modo a envolver todos os estudantes em uma situação que é específica para os estudantes com deficiência visual, mas perfeitamente acessível quando adaptado.

Em todas as atividades, os estudantes trabalharam em duplas: um deles teve os olhos vendados e realizou a atividade com a colaboração do seu parceiro. Dessa forma, fizemos o caminho inverso da adaptação curricular, colocando todas e todos na condição de cegueira e proporcionando o acesso ao braile para todos os alunos.

Elaboramos o projeto em algumas etapas: conscientização, oficina sobre o funcionamento do código braile e desenvolvimento de trabalhos expositivos em braile.

As etapas do projeto

1) Conscientização dos estudantes em relação à valorização da diversidade

Foram apresentadas duas temáticas a todos: violência (em sociologia) e transgênicos (em biologia). A partir delas, os estudantes realizaram a análise de um vídeo   e uma tirinha  . Em ambas as atividades, trabalharam em duplas, onde Um dos alunos da dupla deveria ficar com os olhos vendados, enquanto o outro auxiliava na descrição dos materiais estudados.

2) Oficina básica do braile

A oficina de braile foi aplicada em conjunto com a professora do AEE. Para essa atividade, os estudantes tiveram a apresentação do braile e montaram as primeiras palavras no alfabeto com material próprio e em EVA.

Com os olhos vendados, os estudantes identificaram a escrita braile em filipetas previamente preparadas. Nossas intenções eram desconstruir a forma de ler e proporcionar a sensação da leitura em braile a todos. Por fim, cada um
escreveu o seu próprio nome na máquina braile.

3) Painel de exposição dos resultados

Os alunos montaram um painel expositivo que retrata a sua vivência e sua aprendizagem sobre o braile. Em um primeiro momento, os nomes escritos por eles mesmos foram fixados no papel panamá, no meio de um coração vermelho feito de cartolina.

Compreendemos que escrever o próprio nome representava a sua identidade e a sua história de pertencimento no mundo. E escrevê-lo em braile era forma de poder se perceber como um ser social e capaz de se reinventar.

Depois de todas as reflexões, os estudantes foram convidados a realizar produções poéticas (poema, haikai, verso e outros) de livre escolha, mas que retratassem toda experiência vivida. Os trabalhos expositivos foram levados para a sala de AEE para serem ampliados e adaptados para o braile, a fim de compor um grande painel com todas as produções.

Resultados

As produções poéticas resultaram em um oportuno momento de reflexão sobre a valorização das diferenças na escola. Todas foram ampliadas, transcritas para o braile e encadernadas. Elas estão disponíveis na escola, para futuras inspirações.

Além disso, o projeto foi importante para eliminar as barreiras comunicacionais entre os estudantes e proporcionar um debate sobre pertencimento e identidade, envolvendo a todos.

As atividades tiveram grande êxito: era nítido o envolvimento de todas e todos. Aliar trabalho colaborativo com uma estratégia inclusiva fez com que ninguém ficasse de fora do processo de aprendizagem.

O êxito do projeto, em 2018, levou outras turmas a se interessarem pelo tema, a ponto de produzirem placas em braile para a identificação das salas de aula. As placas foram feitas artesanalmente e afixadas nas paredes ou portas das salas. Até mesmo alunos que não tinham colegas cegos passaram a frequentar a sala de recursos multifuncionais do Atendimento Educacional Especializado (AEE).

Um aspecto de extrema importância para o êxito do projeto: o protagonismo dos alunos cegos nas oficinas de braile, uma vez que coube a estudantes com deficiência visual assumir o papel de professor, e a turma passou a respeitar mais.

OBS.: Este depoimento foi originalmente publicado na seção de relatos de experiências da plataforma Diversa, uma iniciativa do Instituto Rodrigo Mendes em parceria com o MEC e diferentes organizações comprometidas com o tema da equidade com o objetivo de apoiar redes de ensino no atendimento de estudantes com deficiência em escolas comuns.  


Depoimento por: FLÁVIO COELHO, KATIA CRISTINA MISTRO PRIOLI E THIAGO VARGAS DE LIMA
Instituição: Escola Estadual Professora Inah de Mello)

TEMAS TRABALHADOS:

Educação inclusiva;; Protagonismo juvenil

Para saber mais sobre o tema:

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