Sem se esquecer da pandemia, clipping de outubro voltou-se também para o macro

Em um artigo publicado pelo jornal O Estado de S.Paulo no último dia 21 de outubro, a ativista pela educação Cris Monteiro comparou a má qualidade da educação brasileira aos horrores do holocausto. Ao evocar a filósofa alemã Hannah Arendt em seu relato sobre a “banalidade do mal”, a autora escreveu: “Nós, brasileiros, estamos diante de uma brutal tragédia e, ocupados que estamos com nossas vidas pessoais, não vemos os atos que estão levando milhares de crianças e jovens a ter seu futuro seriamente comprometido: a tragédia da má qualidade da educação brasileira. Sem educação, o futuro é, sim, a barbárie”.

O texto da ativista não era sobre as consequências desastrosas da pandemia na educação, pois se baseou em dados anteriores a ela, mas trouxe a Covid-19 como elemento de contexto. “Com a pandemia, fechamos ainda mais os olhos para a educação. Seguimos, alienados, vendo a tragédia passar sob nossos olhos complacentes”, constatou. Depois de tantos meses de crise sanitária e escolas fechadas, o título da coluna foi também provocador: “A normalização da tragédia”.

O artigo de Cris Monteiro integrou a seleção de 191 textos jornalísticos opinativos e informativos republicados pela seção Radar de Imprensa no mês de outubro. Ele foi escolhido para abrir esta análise de clipping porque reflete o tom da cobertura no período: inserções com caráter de denúncia que gravitam, em sua maioria, em torno dos impactos da Covid-19 sobre a educação, mas que se distanciam um pouco do estritamente factual da pandemia para buscar soluções de longo alcance, olhando para um retrato maior.

A este propósito, em editorial no dia 24 de outubro, o Estadão defendeu: “A crise escancarou a falta de uma governança nacional para a Educação. (...) Com a aprovação do novo Fundeb o problema do financiamento da educação foi em grande parte solucionado. Mas isso será de pouca serventia sem uma boa engenharia de alocação e governança. A pandemia expôs dramaticamente a necessidade de um programa nacional para a educação similar ao que foi, há 30 anos, o SUS para a saúde”.

Base: 191 inserções de clipping na seção Radar de Imprensa do Observatório de Educação

Em artigo no Correio Braziliense, o ex-senador e ex-ministro da Educação Cristovam Buarque também usou o léxico da pandemia para debater problemas sistêmicos da educação brasileira. “O Brasil tem alguns dos mais renomados educadores do mundo e um dos sistemas educacionais de pior qualidade. A explicação é de que não temos educacionistas. (...) Educadores definem métodos; educacionistas determinam metas, estratégias, políticas, sistemas administrativos, financiamento. O educador vê e cuida de cada sala de aula; o educacionista, do sistema de todas as salas. O educador é como o cientista que descobre a vacina; o educacionista é o sanitarista que desenha a logística para a distribuição da vacina. Sem o primeiro, não temos vacina, ou método educacional; sem o segundo, a vacina não chega a todos, como a escola não atende a todos.”

Volta às aulas e outros assuntos

Do ponto de vista temático, a cobertura de educação se concentrou, como já dito, em assuntos ligados à pandemia, seguidos, nesta ordem, por um número significativo de inserções relacionadas ao ensino médio, ao financiamento da educação, à equidade e à diversidade. Os textos foram publicados predominantemente em editorias de educação, conforme demonstra o gráfico a seguir.
As inserções sobre a pandemia abordaram um amplo espectro de tópicos: ensino remoto; condições de acesso às aulas virtuais; definições sobre ano letivo, progressão e currículo; evasão escolar; formação de professores; Dia do Professor e Dia da Criança; direito à educação; protocolos sanitários; e, sobretudo, a retomada das aulas presenciais. Tratadas como pauta central ou combinadas a pontos correlatos, as discussões sobre a volta às aulas permearam quase metade dos textos falando da pandemia. Alguns exemplos:

- No UOL: “Não voltar às aulas, mas reabrir a escola para discuti-la, diz especialista”.
- Em O Globo: “Contágio de Covid-19 em escolas acende alerta sobre protocolo da rede pública”.
- No G1: “Professores se dedicam a levar de volta à escola alunos que desistiram de estudar”.
- Na Folha de S.Paulo: “Não basta agradecer aos professores, é preciso ajudá-los a reconstruir a escola”.
- No Centro de Referências em Educação Integral: “Direito à Educação no contexto de reabertura das escolas: propostas alinhadas à concepção de Educação Integral”.

Base: 191 inserções de clipping na seção Radar de Imprensa do Observatório de Educação

Os clippings sobre financiamento da educação reuniram, principalmente, inserções sobre possíveis reduções no orçamento da educação. Publicada no UOL, a matéria “No pós-Covid, educação pode perder até R$ 40 bilhões” ilustra bem este tipo de situação.

Já no tema da equidade, além das pautas sobre as desigualdades acentuadas pela pandemia, houve espaço para matérias como “Negros ocupam menos de um terço das vagas nos cursos de Medicina e buscam suporte em coletivos”, em O Globo, e para artigos como “Pelo direito de sonhar em São Paulo”, veiculado nos Blogs do Estadão pela deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) e pela cientista política Malu Molina.

Os textos que abordavam questões típicas do ensino médio serão detalhados a seguir, bem como a cobertura em diversidade, que se centrou no lançamento da nova Política Nacional de Educação Especial.

Política Nacional de Educação Especial

A assinatura pelo presidente Jair Bolsonaro do Decreto nº 10.502/2020, publicado pelo Diário Oficial da União em 1º de outubro para instituir a Política Nacional de Educação Especial, projetou o assunto da diversidade na mídia ao longo de todo o mês.

A medida, bastante criticada por educadores e especialistas em inclusão, foi entendida como uma forma de tirar a obrigatoriedade da escola comum de realizar a matrícula de estudantes com deficiência e permitir a volta do ensino regular em classes e escolas especiais.

A notícia do novo decreto repercutiu na grande imprensa. Em O Estado de S.Paulo, “Nova política de Bolsonaro incentiva separação de alunos com deficiência”; em O Globo, “Entidades veem retrocesso na política de educação especial de Bolsonaro”; na Folha de S.Paulo, “Política Nacional de Educação Especial pode ser alvo de questionamento legal”; no UOL, “Senadores querem revogar política de educação especial criada por Bolsonaro”; na revista Época, “Professores discutem novas diretrizes do governo para alunos com deficiência”.

A notícia do decreto – que está sendo chamado por ativistas da inclusão de “Decreto da Exclusão” – evocou a fala de porta-vozes especializados que não aparecem com tanta frequência na cobertura de educação, além de pais de pessoas com deficiência, parlamentares e representantes do Poder Executivo.

Na clipagem do Radar de Imprensa, os porta-vozes mais ouvidos para a pauta da nova Política Nacional de Educação Especial foram os seguintes: Luiza Correa e Rodrigo Hübner Mendes, ambos do Instituto Rodrigo Mendes; Milton Ribeiro, ministro da Educação; Antonio Carlos Sestaro, presidente da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD); deputada Maria do Rosário (PT-RS); senador Fabiano Contarato (Rede-ES); e Maria Teresa Mantoan, do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

De olho no ensino médio

Na cobertura relacionada ao ensino médio, das 27 inserções de clipping identificadas pelo Radar de Imprensa, 11 eram pautas sobre o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e sete sobre o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Os principais ganchos jornalísticos foram o prazo de inserção de fotos no cadastro do Enem, formas de preparação para o exame e inscrições para as vagas remanescentes do Fies.

Duas publicações especializadas sobressaíram no clipping por se dedicar a tratar das novas políticas educacionais do ensino médio: o portal Porvir e a revista Educação.

O Porvir preparou “5 infográficos para entender a BNCC e o novo ensino médio”: Competências Gerais da BNCC; Visão Geral do Novo Ensino Médio; Itinerários Formativos; O Novo Ensino Médio e o Empreendedorismo Social; e Implementação.

A revista Educação, por sua vez, realizou uma entrevista pingue-pongue com o secretário de Educação do Estado de São Paulo, Rossieli Soares, sobre os planos para a implantação do novo ensino médio. Soares, que também coordena a Frente Nacional de Currículo e Novo Ensino Médio do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), respondeu sobre como o órgão está apoiando a reforma do ensino médio, desafios a serem superados e questões de financiamento e de formação continuada.