Efeitos da pandemia na educação: cobertura em novembro mostra tendência de “achatamento da curva”

O mês de novembro trouxe lamentavelmente a volta do crescimento no número de casos de Covid-19 no Brasil. Na cobertura sobre educação, todavia, verificou-se tendência diferente: o período foi um dos que menos deram espaço para o assunto, conforme análise nas amostras de clippings republicados pela seção Radar de Imprensa, do Observatório de Educação, desde maio.

Dos 187 textos jornalísticos informativos e opinativos avaliados em novembro, menos da metade – ou 43% – tratou de educação na pandemia. Em olhar retrospecto, o percentual só não perdeu para o mês de julho, quando a cobertura da aprovação do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização d
É fato que os efeitos da Covid-19 na educação ainda foi, individualmente, o tema mais expressivo do mês, mas também é patente que a cesta de pautas perseguidas pela imprensa se mostrou mais variada.

Por exemplo, houve um bom número de clippings (22%) revisitando pleitos tradicionais da área – como a luta salarial e a formação dos professores, ou a qualidade da educação, evocadas também a pretexto da cobertura das eleições 2020 –, além de outros assuntos que serão elencados mais adiante.

Também se destacaram pautas sobre educação e equidade racial, que representaram 14% do total de inserções no mês. Elas povoaram especialmente as páginas dos veículos da grande imprensa em torno do dia 20 de novembro – Dia da Consciência Negra.

Sinais de cansaço

As notícias e artigos sobre educação em tempos de pandemia seguem abordando questões de suma relevância e ainda indefinidas: retorno às aulas presenciais; dificuldades de acesso do alunado à tecnologia para viabilizar o ensino remoto; desigualdade educacional; evasão escolar; desafios do ensino híbrido; contaminação nas escolas; engajamento de alunos e professores; carga de trabalho e preparação dos docentes; progressão escolar; e vestibular 2020/21.

Pode-se especular que a menor proporção de textos sobre os efeitos da Covid-19 na educação, conforme visto na amostra do Radar de Imprensa, se tenha dado pelo esvaecimento de fatos ou desdobramentos novos em torno dessas questões. Leitores assíduos da cobertura de educação e desta análise sabem, afinal, que os temas citados têm estado no centro da pauta desde março, quando as escolas foram fechadas.

Mas pode-se aventar também que, depois de tanto tempo trazendo as mesmas denúncias, setoristas e articulistas de educação venham sofrendo um certo cansaço ante a ausência de perspectivas para a educação básica pública, golpeada duramente pela pandemia. A verdade é que, sem o controle da Covid-19, os desafios impostos para garantir o direito de aprender às crianças e adolescentes brasileiros começaram a parecer cada vez mais difíceis de serem superados.

Em artigo assinado na Folha de S.Paulo, a jornalista Laura Motta resumiu a cena: “Pronto, a pandemia agora assombra Natal, Ano Novo, férias e a escola em 2021. Ninguém tem mais a ilusão de que a volta às aulas será normal. E passamos a temer que não seja nem ‘novo normal’ e, sim, que simplesmente não aconteça o retorno”.

Círculo vicioso

Com a objetividade e o pragmatismo que lhe são peculiares, Ricardo Paes de Barros, professor do Insper, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e conselheiro do Instituto Unibanco, deu uma entrevista ao Estado de S.Paulo em meados de novembro. De acordo com a projeção do especialista, o ano letivo perdido poderá subtrair R$ 1,5 trilhão da renda dos brasileiros nos próximos 50 anos. 

“Não tem como ter essa educação remota, em certo sentido improvisada, durante oito meses. É impossível achar que não vai ter consequências graves”, disse Paes de Barros ao Estadão. “Os alunos vão aprender menos, a chance de evadir é maior, e tudo isso acontecendo de uma maneira extremamente desigual, porque esse esforço meritório de educação remota requer um apoio da família em termos de recursos digitais, espaço, lugar para estudar, tempo para estudar. Vai ser uma perda grande e desigual.”

O economista e a jornalista Laura Motta foram alguns dos porta-vozes que chamaram a atenção para a nova diretriz de isolamento social adotada pela maioria dos países europeus na segunda onda da pandemia: fecha-se tudo, menos as escolas. “Do ‘fique em casa’, passa-se ao ‘fique em casa para que as crianças possam ir à escola’”, apontou Laura.

Uma matéria publicada na Folha de S.Paulo em 30 de novembro informou que “ao menos seis estados estudam ou já mudaram a classificação das escolas nos planos de contenção da pandemia do coronavírus para que continuem abertas mesmo em estágios mais restritivos de isolamento”.

Além da consulta aos governos, a reportagem ouviu o especialista Wanderson de Oliveira, ex-secretário nacional de Vigilância do Ministério da Saúde, que endossou uma postura pró-abertura: “Na conjuntura atual, caso tenham que optar por fechar algum setor, defendo que as escolas sejam as últimas a serem fechadas pela importância do trabalho e pelo pouco papel que têm desempenhado na propagação”, afirmou o especialista.

Em sua análise sobre a reabertura das escolas, Ricardo Paes de Barros descreveu o círculo vicioso em que o Brasil se meteu. Suas palavras foram replicadas nacionalmente por vários veículos:

“A única maneira de fazer isso é reduzir o número de mortes, reduzir a transmissibilidade. Enquanto o Brasil tiver o número de mortes que tem hoje, vai ser impossível voltar seriamente com as escolas. Só vai voltar para fechar de novo. Não adianta fazer a economia voltar e manter escolas fechadas. Eventualmente tem que fazer o contrário, fecha a economia e abre as escolas, que parece ser o que alguns países europeus estão fazendo. É mais importante abrir as escolas do que abrir a economia. (...)

O direito à vida está em primeiro lugar. O Brasil tinha que ter no máximo 200 mortes por semana. Aí poderia sair de uma propagação comunitária, avaliar cada morte para saber de onde veio e tomar as medidas para evitar a transmissão, que é o que a Alemanha fez. Depois disso pode começar a falar em abrir as coisas”.

Por uma educação antirracista

Por ocasião do Dia da Consciência Negra, quase todos os grandes veículos do eixo Rio-São Paulo-Brasília monitorados pelo Radar de Imprensa prepararam especiais/grandes reportagens sobre educação e equidade racial. Cerca de 50 pessoas foram entrevistadas para as 13 matérias tabuladas. Profissionais da universidade foram as fontes mais presentes, seguidas de professores/educadores e representantes de ONGs.

Em linhas gerais, o noticiário discutiu o racismo na educação básica, nas universidades e no mercado de trabalho, bem como resgatou levantamentos recentes para avaliar a situação dos estudantes negros (pretos e pardos) em relação aos brancos. Abordou, ainda, a incorporação falha e incipiente, nos currículos escolares, da contribuição da população negra em todas as áreas de conhecimento.

Assim, no G1, o Censo Escolar foi o ponto de partida para o especial “Acesso de negros a escolas cresceu na última década, mas ensino da cultura afro-brasileira ainda é desafio”. Além de apresentar indicadores, o texto trouxe depoimentos de professores, ativistas, historiadores e outros especialistas.

A Folha de S.Paulo, por sua vez, solicitou ao Iede – Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional uma sondagem sobre o desempenho escolar de negros (pretos e pardos) e brancos com base nas avaliações de português e matemática do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Os dados foram cotejados por um time de especialistas, resultando na reportagem “Racismo estrutural tira dois anos de aprendizado de alunos pretos, mostram exames”.

O clipping analisado capturou, ainda, a publicação de 13 artigos em torno do Dia da Consciência Negra, dos quais seis, para além do combate ao racismo, abraçaram a proposição de uma educação antirracista. Nos Blogs do Estadão, a publicitária Thainá Rocha da Silva fez a distinção:

“Quando não somos racistas agimos em nosso microambiente: não praticamos ações explícitas ou criminosas que discriminam alguém por sua raça, como insultar, agredir ou tratar de modo ofensivo. Quando somos antirracistas, ampliamos a nossa ação instruindo outras pessoas a agirem da mesma forma. (...) Promover uma educação antirracista é promover um ensino plural e diversificado, que traz as minorias para dentro do debate acadêmico, e promove o acesso à cultura, história e conteúdos curriculares protagonizados por todos os grupos étnicos”.

Alfabetização, bullying, infraestrutura escolar etc.

Conforme registrado, quando a cobertura da educação não se centrou na crise sanitária, constatou-se uma variedade de clippings retomando, na perspectiva do “antigo” normal, bandeiras tradicionais da educação brasileira – sobretudo a questão da qualidade.

Neste flanco, destacaram-se textos sobre os novos resultados das avaliações do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em novembro com base em dados de 2019:

- Em O Globo: “Mais de 60% dos estudantes em alfabetização não conseguem diferenciar um cartaz de uma lista de compras”.
- No G1: “Alunos do 9º ano do ensino fundamental têm baixa aprendizagem em ciências, indicam dados inéditos do Saeb 2019”.
- No Valor Econômico: “Avaliação do ensino básico pelo MEC peca por falta de conclusões”.
- Na Folha de S.Paulo: “Resultados de alfabetização, aprendendo com o Ceará”.

Outros exemplos dignos de nota na cobertura que se descolou da pandemia – interessantes porque demonstram o esforço da imprensa em não abandonar discussões que continuam sendo relevantes à agenda da educação, mesmo num contexto de emergência sanitária – foram a matéria da Agência Brasil sobre a falta de saneamento básico em mais de 20% das escolas de educação infantil; a reportagem da Folha de S.Paulo sobre as controvérsias na adoção do modelo cívico-militar em escolas do Paraná; a matéria do G1 sobre a criação do Programa de Práticas Restaurativas nas escolas municipais de Uberaba (MG), uma inovadora política antiviolência e antibullying; e a entrevista que o portal Porvir fez com Tereza Perez, diretora-presidente da Comunidade Educativa CEDAC, sobre o potencial educativo da gestão democrática nas escolas.

O ensino médio e a época do vestibular

A amostra do Radar de Imprensa de novembro continha 32 inserções (17% do total) vinculadas ao ensino médio, sendo que um terço delas tratava de desdobramentos da pandemia. Neste pequeno universo, informações sobre calendário escolar, proteção dos candidatos ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), protocolos de saúde para a prova, contaminação entre candidatos e a temporada de vestibulares dominaram a cena.

Dentro dos dois terços das inserções que nada tinham que ver com a Covid-19, houve espaço no G1 para uma série de dicas de estudo para a reta final do Enem 2020, incluindo recomendações sobre redação e práticas esportivas que ajudam na preparação para a prova. No UOL, um infográfico mostrou como acessar políticas de inclusão. Em O Estado de S.Paulo, os leitores souberam como usar o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) do Ministério da Educação (MEC).

Outro tema fundamental abordado foi o perfil dos jovens de 15 a 24 anos que não estudam e nem trabalham – a chamada “geração nem-nem”. Tal análise foi motivo de pauta na Agência Brasil e em O Globo, que veicularam matérias com base em dados da Síntese dos Indicadores Sociais 2019 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Setenta e cinco por cento das inserções sobre ensino médio avaliadas correspondiam a notas factuais curtas ou a pequenas matérias. Mais da metade dos textos foi elaborada com a consulta de até no máximo duas fontes.

A regulamentação do novo Fundeb

Por fim, esta análise de clipping constatou a presença de 15 inserções (8% da amostra) no tema do financiamento da educação ao longo do mês de novembro. A regulamentação do novo Fundeb, esperada para acontecer ainda em 2020, foi assunto em 12 dos 15 clippings avaliados.

A cobertura Projeto de Lei 4.372/2020, que regulamenta o Fundeb, se deu em dois tempos:

- Antes do dia 16 de novembro, quando da apresentação à Câmara dos Deputados do projeto de regulamentação do Fundeb por seu relator, o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) – notícias e artigos em tom de urgência e expectativa para o encaminhamento da matéria.
- Depois da apresentação do projeto, com manifestações contra e a favor do documento.

Embora a regulamentação do novo Fundeb seja prioridade máxima para a educação brasileira – sob risco de extinção deste mecanismo de financiamento, caso não seja aprovado em definitivo neste ano –, a sessão de votação do relatório do Projeto de Lei 4.372/2020 ficou para dezembro.