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Relatórios da OCDE evidenciam impactos do fechamento das escolas e estratégias de reabertura

A reabertura das escolas está entre as atividades cuja retomada demanda maior atenção. Não por acaso, a educação tornou-se uma das áreas mais impactadas pelas medidas de contenção do novo coronavírus. Embora pesquisadores afirmem que a paralisação das atividades escolares reduz a propagação de infecções em geral, é inegável o impacto, a curto e longo prazo, da interrupção da aprendizagem de estudantes em todo o mundo.

Relatórios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) abordam alguns dos desafios enfrentados por países, desde o fechamento das escolas até o retorno às atividades presenciais. Dentre as diversas questões abordadas, as publicações Education At Glance 2020 e The Impact of Covid-19 on Education - Insights from Education at a Glance 2020 destacam o temor de que o isolamento social aumente a evasão escolar entre estudantes mais pobres e a importância de um retorno às atividades presenciais com estratégias transparentes e que envolvam todos os atores escolares. Por outro lado, a pesquisa Schooling disrupted, schooling rethough: How the Covid-19 pandemic is changing education revela as dificuldades para estimar o impacto da pandemia na aprendizagem dos estudantes e estabelecer um alinhamento entre profissionais de diferentes instâncias dos sistemas de ensino.

Impactos do isolamento social

Embora países passem por situações parecidas, variam os desafios e a capacidade de enfrentamento de cada um. No Hemisfério Norte, em países como Itália, França e Espanha, o ano letivo já se encaminhava para o final quando houve a decisão de paralisar as atividades presenciais. Desse modo, foi possível mitigar parte das implicações no ensino. No Brasil e em outros países do Hemisfério Sul, no entanto, o ano escolar havia apenas começado quando os primeiros casos começaram a se confirmar, de modo que o impacto sobre os dias letivos perdidos assumiu maior importância.

paint2_ocde.pngSegundo o relatório Education At Glance 2020, durante o período de fechamento das escolas, os países usaram diferentes recursos para garantir a continuidade do processo de aprendizagem dos estudantes. Os mais citados foram a distribuição de materiais pedagógicos impressos e a difusão de conteúdos por meio de canais televisão e rádio e plataformas on-line.

É importante salientar que as informações levantadas pelo relatório da OCDE explicitam a realidade, na maior parte dos casos, de países economicamente desenvolvidos e, em tese, com maior capacidade de atender rapidamente aos requisitos mínimos para a implementação de um ensino totalmente remoto ou híbrido.

Sobre esse aspecto, contudo, o documento ressalta que, mesmo em economias maiores, os dias letivos perdidos tendem a impactar mais crianças e jovens em condições socioeconômicas desfavorecidas. Além das possíveis dificuldades de obter os recursos tecnológicos necessários, esse grupo social tem menos chances de desenvolver, no ambiente doméstico e sem o acompanhamento da escola, as habilidades previstas para cada ciclo de aprendizagem.

Para uma compreensão dos efeitos da pandemia na visão dos atores dos sistemas educacionais, a Universidade de Harvard e a OCDE entrevistaram profissionais de diversos países, de membros do alto escalão dos governos a professores e gestores escolares. A compilação desses dados, coletados entre 25 de abril e 7 de maio de 2020, no documento Schooling disrupted, schooling rethough: How the Covid-19 pandemic is changing education revelou que, embora tenha havido aprendizagem durante o isolamento social, a percepção geral divide-se, em sua maioria, entre os que acreditam que ela ficou aquém do esperado em circunstâncias normais e os que não consideram possível mensurá-la.

Entre funcionários do alto escalão, aproximadamente 32% pensam que o aprendizado foi menor durante o período de isolamento social, enquanto quase 48% não souberam determinar; no grupo de professores e gestores escolares, em torno de 51% consideraram que houve um aprendizado menor entre os estudantes, enquanto aproximadamente 18% não souberam mensurar. Quanto à possibilidade de os estudantes terem aprendido o mesmo que em condições normais, a percepção é igualmente baixa nas duas pontas do ensino: em torno de 4% no alto escalão e 12% no chão da escola.

Evidencia-se, portanto, um quase consenso de que os estudantes desenvolveram menos habilidades e competências que o esperado durante esse período, ao mesmo tempo que há dificuldade de mensurar exatamente quais delas foram afetadas. Essa falta de informação poderá dificultar o desenvolvimento de ações de reforço e compensação curricular, durante e após o isolamento social.

Fonte: dados do relatório Schooling disrupted, schooling rethought: How the Covid-19 pandemic is changing education, tabelas 8 e 33.

À época dessa pesquisa, os países da OCDE já computavam em média 30 dias letivos perdidos e previam mais 15 para o retorno às aulas. O Brasil e outros países latinos, como Peru e Costa Rica, ajudaram a inflar as estimativas. De acordo com os autores, esses países esperavam contar ainda com cerca de 50 dias até a reabertura das escolas. Sabemos que, no Brasil, essa expectativa não se concretizou, já que, passados mais de cinco meses, poucas redes públicas de ensino retomaram suas atividades presenciais.

Com crianças e jovens há tanto tempo longe das salas de aula, o relatório chama a atenção para o risco maior de evasão escolar. Como sabemos, no Brasil, à medida que o estudante avança no seu percurso escolar, maiores são as chances de abandonar a escola. Para se ter uma ideia, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua de 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais da metade dos brasileiros acima de 25 anos não concluíram o Ensino Médio.

Os autores do relatório destacam que o crescimento da evasão escolar traz impactos sociais e econômicos, como o aumento da desigualdade e a redução da coesão social. Ainda que o estudante não abandone os estudos, o isolamento social também pode afetar sua passagem futura ao mercado de trabalho ou ao Ensino Superior, dadas as lacunas e as defasagens do período letivo.

Expectativas para o retorno presencial

Há ainda muitas dúvidas sobre o processo de reabertura das escolas. Resultados obtidos pela pesquisa divulgada no relatório Schooling disrupted, schooling rethought confirmam que existem divergências de expectativas entre os representantes de ministérios e secretarias e os profissionais das escolas. No primeiro grupo, metade relatou que havia uma data definida para a reabertura de escolas, enquanto apenas 17% dos educadores das unidades escolares fizeram a mesma declaração. Por outro lado, apenas 4% dos representantes e gestores do governo afirmaram que as escolas não reabririam no ano letivo de 2020, enquanto 21% dos educadores escolares acreditavam em um retorno apenas em 2021.

 

Fonte: dados do relatório Schooling disrupted, schooling rethought: How the Covid-19 pandemic is changing education, tabelas 13 e 38.

O documento The Impact of Covid-19 on Education - Insights from Education at a Glance 2020 faz uma leitura do relatório primário da OCDE já a partir do contexto da pandemia e das experiências de diversos países em seu enfrentamento. O texto ressalta a importância de incluir um maior número de atores no planejamento de reabertura das escolas. Além dos professores, o envolvimento dos estudantes, pais e responsáveis é essencial, assim como fornecer informações claras sobre as políticas e os procedimentos que serão adotados na volta às aulas presenciais.

A publicação informa que, a partir do final de maio, as escolas foram reabertas ao menos parcialmente em cerca de dois terços dos países-membros da OCDE. A vivência acumulada nos últimos meses por esses países comunica uma série de protocolos que podem contribuir para o sucesso da reabertura das unidades escolares em outros países, como acontece agora no Brasil.

Entre as estratégias e condições para iniciar o processo de reabertura, o relatório lista como essenciais: 1) realizar uma avaliação de risco; 2) desenvolver protocolos claros de distanciamento social; 3) rever práticas e políticas para atender estudantes ausentes devido a questões de saúde; 4) e garantir treinamento adequado a professores e gestores.

Do ponto de vista pedagógico, o relatório da OCDE destaca a necessidade de incluir o desenvolvimento de habilidades relacionadas à aprendizagem remota. Competências como autonomia, automonitoramento e capacidade de aprender por meio de ferramentas on-line se mostraram essenciais para o presente e o serão ainda mais no futuro. Medidas de ordem prática e logística, mas que possuem grande impacto pedagógico, também precisam ser incluídas nos planos de reabertura das escolas. O escalonamento dos horários de início e fim do dia escolar e a divisão das classes em turnos são estratégias indispensáveis para reduzir o tamanho das turmas e garantir o distanciamento social indicado pelas organizações de saúde.

O tamanho das salas de aula e a quantidade de alunos por turma são considerados critérios decisivos para a segurança do retorno à educação presencial. Países que possuem, em média, menos alunos por turma encontram mais facilidade em atender às demandas por distanciamento físico.

Os dados publicados pela OCDE sobre seus membros e parceiros informam que a média de alunos por classe no Ensino Fundamental e Médio é de 21 e 23 estudantes, respectivamente. No Brasil, que se encontra acima de ambas as médias, haverá a necessidade de reduzir drasticamente o número de alunos por meio de rodízios ou adaptações espaciais.

A OCDE destaca, por fim, que o retorno às atividades presenciais não representa necessariamente uma medida permanente. Enquanto não houver uma vacina que permita a ampla imunização da população contra a covid-19, a abertura e o fechamento de diversas atividades vão depender das condições e taxas de transmissão locais. Por isso, continuar a investir em infraestrutura e desenvolvimento de ferramentas e metodologias para o ensino remoto e on-line é indispensável e deve se manter no radar dos governos.

Estratégias adotadas por alguns países

A principal medida adotada pelos países que retornaram às aulas é o distanciamento físico entre alunos e educadores. No Japão, a distância mínima permitida é determinada pelo grau de contaminação da região na qual a escola se insere. Países como França e Reino Unido buscaram limitar as turmas a 15 alunos, visando garantir o distanciamento físico e reduzindo os riscos de contaminação em sala de aula.

Como já abordado aqui no Observatório de Educação, na publicação O delicado percurso de volta à escola em tempos de pandemia, em maio, a volta gradativa e por ciclo de aprendizagem tem se estabelecido como uma estratégia importante para diversos países, priorizando os grupos entendidos como mais vulneráveis ou com maior potencial de perdas a curto e longo prazo em termos de aprendizagem. Em lugares como França, Dinamarca e Noruega, a reabertura começou pelas crianças da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, enquanto outros governos privilegiaram estudantes em etapas finais de ciclos de aprendizado, como no caso de Grécia, China, Alemanha e Coreia. Houve ainda aqueles que adotaram uma estratégia híbrida, como fez Israel, priorizando os primeiros anos do Ensino Fundamental e os últimos do Ensino Médio.

As experiências demonstram ser possível um retorno com níveis aceitáveis de segurança desde que haja comprometimento com o estabelecimento de protocolos claros e mecanismos de acompanhamento desse retorno. O recente aumento nos números de casos na Europa e o temor de uma nova onda com a chegada do inverno no Hemisfério Norte reforçam as orientações da OCDE sobre a adoção de protocolos de segurança e monitoramento constante dos índices de contaminação local. Diante da possibilidade de novos surtos da covid-19, alguns países europeus optaram por interromper temporariamente suas atividades escolares presenciais como parte de medidas mais restritivas de contenção, como a Alemanha e a Irlanda.

O cenário de incertezas com o qual todos os países precisam lidar reiteram, por fim, a imprescindibilidade de se continuar investindo em treinamento e alternativas ao ensino presencial, mesmo com a viabilidade da reabertura das escolas, como parece ser o momento atual no Brasil.