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O delicado percurso de volta à escola em tempos de pandemia

Entenda os primeiros primeiros movimentos de países que estão organizando a retomada das aulas presenciais e conheça as orientações das organizações multilateriais de educação, saúde e trabalho. 

Conteúdo publicado em 11 de maio de 2020.
Atualizado em 12 de maio de 2020, às 11h32


Em um movimento que começou na China, em janeiro deste ano, o fechamento das escolas em resposta à pandemia de Covid-19 atingiu, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, na sigla em inglês), mais de 90% dos estudantes matriculados em todo o mundo no início de abril. Quase 1,6 bilhão de alunos da educação infantil ao ensino superior foram afetados, passando a atender, emergencialmente, a práticas improvisadas de educação a distância ou de ensino em casa, ou a não receber nenhuma modalidade de educação formal.

Como parte das estratégias de contenção da pandemia, a suspensão das aulas buscou interromper a cadeia de transmissão da doença dentro do ambiente escolar e também evitar que as crianças e os jovens fossem vetores de contaminação para suas famílias. Agora, junto com a redução do número de infectados em diferentes localidades, alguns países dão seus primeiros passos para a reabertura das escolas. Na última semana de abril, o número de alunos afastados das unidades de ensino no mundo caiu para 1,3 bilhão, o que corresponde a 74% dos estudantes matriculados.


Reprodução: Unesco (pt.unesco.org/covid19/educationresponse)
Unesco faz monitoramento diário do número de estudantes afetados pelo fechamento de escolas


No âmbito internacional começam a surgir recomendações para essa retomada, priorizando a saúde, segurança e proteção de estudantes, professores e outros profissionais da escola, bem como a garantia do direito ao aprendizado. As preocupações cobrem um amplo leque de assuntos, abrangendo de práticas pedagógicas ao uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e de questões de saúde ocupacional a medidas sanitárias de descontaminação dos ambientes. Alguns documentos produzidos em inglês para apoiar a pasta de Educação dos governos tratam desses tópicos e podem ser conferidos on-line:

Reprodução

Framework for reopening schools – Assinado pela Unesco, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef, na sigla em inglês), pelo Banco Mundial e pelo World Food Programme, o documento é uma espécie de protocolo de reabertura das escolas, com diretrizes para orientar as decisões do poder público em relação a quando, onde e quais escolas reabrir, além de como reabri-las. Neste ponto, a publicação identifica seis dimensões a serem consideradas para avaliar as condições de reabertura das escolas: política, financiamento, operações seguras, aprendizagem, inclusão de populações marginalizadas e bem-estar/proteção. O documento também contempla reflexões sobre o fortalecimento da educação a distância diante da possibilidade real de que essa estratégia venha a ser mantida.



ReproduçãoSchool reopening – Esta nota informativa da Unesco aborda ações de curtíssimo, médio e longo prazos a serem tomadas para que as escolas voltem a receber os alunos conforme o contexto de cada localidade. O documento situa que as estratégias de retorno à escola precisam se concentrar em avaliar e garantir a prontidão do sistema de educação para a reabertura da escola, a continuidade da aprendizagem e a resiliência desse mesmo sistema para antecipar e lidar com crises futuras. A nota destaca, ainda, a oportunidade que a pandemia traz para que os sistemas de ensino repensem o papel, propósito, conteúdo e forma da educação escolar. 

ILO Sectoral Brief: Covid-19 and the education sector – Nesta publicação, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) promove reflexões sobre Segurança e Saúde no Trabalho (SST) e sobre condições de trabalho para os profissionais da educação nesta fase de ensino a distância e de reabertura das escolas. O material também aponta para o risco de aumento nos índices de evasão escolar e de trabalho infantil a reboque da pandemia.

 


No campo prático, à medida que as autoridades de saúde dos países verificam a redução dos riscos impostos pelo surto de Covid-19 às suas populações, é possível observar aspectos comuns e também particularidades entre os que já estão em fase de reabertura das escolas ou se preparam para fazê-lo.

As decisões têm influência do contexto geográfico, sociocultural, político e econômico de cada nação e trarão implicações em termos de hábito, comportamento, relação ensino/aprendizagem e infraestrutura. Em declaração ao jornal The Korea Herald, em 4 de maio último, o ministro da Educação da Coreia do Sul, Yoo Eun-hae, resumiu suas impressões: “As escolas não podem mais voltar aos tempos de antes do surto da Covid-19 e todos nós devemos nos preparar para uma nova forma de operá-las”.

Sobre a segurança dos alunos e profissionais da educação, sobressai a determinação de que as aulas sejam retomadas de forma gradual, com número reduzido de estudantes por sala, medidas de distanciamento e protocolos de higiene. Em relação à aprendizagem, o foco está na formação de professores; na preparação das crianças para as novas formas de ensino; na mescla entre aulas presenciais e educação a distância (o que ajuda a viabilizar a formação de turmas menores); e na adoção de estratégias para mitigar as perdas do período de isolamento e do possível aumento de desigualdades no aprendizado.

Alguns países optaram por recomeçar com os alunos da educação infantil, para permitir que pais e mães assumam com mais tranquilidade suas rotinas de trabalho. Outros priorizam os alunos mais velhos, potencialmente mais maduros para se adaptar às novas normas de higiene e segurança que devem ser implementadas para evitar novos focos de contágio. Algumas localidades que decidiram iniciar o retorno pelos alunos do ensino médio têm como argumento a manutenção dos exames nacionais de conclusão desta etapa do ensino, em especial em nações cujo ano letivo termina em junho ou julho.

Acompanhe, a seguir, o retrato da situação atual em alguns países.

Dinamarca
A Dinamarca foi o primeiro país a retomar o ensino presencial na Europa, com os estudantes de até 11 anos de idade retornando às escolas em 15 de abril. A volta está sendo orientada pelo Conselho Nacional de Saúde, que prevê, entre outras determinações, distanciamento de dois metros entre os alunos, higienização frequente das mãos, adaptação de infraestrutura (para a instalação de mais pias e lavatórios, por exemplo), desinfecção de espaços e superfícies, priorização de atividades ao ar livre, serviço de refeição em porções individuais (sem bufê) e medidas de isolamento para aqueles que adoecerem.

China
Após iniciativas isoladas de reabertura das escolas em março, a China iniciou, em 27 de abril, o processo de retomada das aulas na capital Pequim e na megacidade de Xangai. As atividades presenciais começaram pelos alunos do ensino médio. Os estudantes irão prestar no mês de julho o “gaokao”, porta de entrada para as universidades no país. O exame já tinha sido adiado por um mês em razão da pandemia. Em Xangai, algumas escolas de ensino fundamental também retomaram as atividades. Foram adotadas medidas de vigilância de saúde como o uso de máscara, o distanciamento de um metro entre os alunos, protocolos de higiene individual e limpeza dos espaços e controle de temperatura diário nos estudantes.

Alemanha
O país iniciou a volta às aulas no dia 4 de maio, num processo que ocorrerá de forma gradual e com autonomia de cada Estado da federação alemã na tomada de decisões. A orientação nacional é de que as aulas recomecem com os alunos mais velhos das escolas secundárias. Na capital Berlim, por exemplo, as escolas foram reabertas já no fim de abril para a realização do Abitur, o exame que conclui o ensino médio na Alemanha. Algumas medidas de segurança que estão sendo adotadas são a lavagem constante das mãos, o distanciamento social de um metro e meio e o número reduzido de alunos por sala.

Cingapura
Em Cingapura, depois de adotar o ensino a distância em abril, o Ministério da Educação decidiu antecipar as férias de julho para maio em todas os níveis de ensino. Assim, as aulas devem ser reiniciadas em junho. Os exames nacionais do ensino médio foram adiados do começo para o fim de junho. Na retomada das aulas, os alunos serão convocados em horários diferentes ao longo do dia e da semana, sempre nos mesmos grupos. As escolas terão de prover espaços ventilados, assentos fixos para os alunos e distanciamento adequado. Alunos e funcionários deverão usar máscara. Haverá rotina de medição individual de temperatura e desinfecção dos espaços.

ReproduçãoEstados Unidos
Nos Estados Unidos, a maioria dos entes federativos optou pelo cancelamento das aulas presenciais até o fim do ano letivo, em maio/junho, com a retomada prevista para depois das férias de verão, em meados de agosto. Para apoiar as escolas neste momento e no retorno às aulas, o Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos e a Academia Americana de Pediatria preparam documentos com orientações de combate à Covid-19. As diretrizes do CDC, por exemplo, enfatizam que a ação dos Estados deve-se dar em sintonia com as autoridades locais de saúde e sugerem medidas para quatro tipos de cenário: 1) quando não há transmissão comunitária local (fase de preparação); 2) quando existe transmissão comunitária de mínima a moderada; 3) quando existe transmissão comunitária importante; e 4) quando uma pessoa infectada entrou numa escola, independentemente do nível de transmissão comunitária existente na localidade. Quanto aos exames nacionais para alunos do ensino médio, o teste da ACT que deveria ter sido realizado em abril, foi remarcado para junho. Já o SAT, que seria aplicado em junho, foi cancelado.

Israel
Com uma das menores taxas de contágio do mundo, Israel, por decisão do governo, reabriu as escolas aos estudantes em 3 de maio, a começar pelos alunos do 1º ao 3º ano do ensino fundamental e dos dois últimos anos do ensino médio. Após quase dois meses de suspensão, a volta às aulas teve adesão parcial mesmo entre esses grupos de estudantes. Muitos pais não se sentiram confiantes para encaminhar seus filhos à escola, alegando falta de regulamentos adequados, bem como de EPIs, para garantir a proteção de crianças e professores contra a Covid-19.

Coreia do Sul
Exemplo de controle da pandemia de Covid-19 no mundo, a Coreia do Sul se preparava para a reabertura das escolas em 14 de maio, também depois de um período de dois meses de portas fechadas. Apesar disso, diante do crescimento de novos casos, retomada das aulas foi adiada por pelo menos uma semana. Cogita-se que os alunos do último ano do ensino médio retomem as aulas presenciais antes dos demais, devido à necessidade de preparação para os exames vestibulares que acontecem no fim do ano. O rol de medidas pré-anunciadas inclui câmeras para medição de temperatura corporal; checagem de temperatura na hora da entrada e antes do almoço; uso de máscara; desinfecção permanente das salas de aula; álcool em gel para higienização das mãos; distanciamento social de dois metros; classes menores; e divisórias transparentes para separar os alunos no refeitório. Ao chegarem na classe, os alunos farão a descontaminação de suas próprias carteiras. E a escola manterá uma rotina de pesquisa com a família sobre a condição de saúde dos estudantes. Se surgirem alunos infectados, a escola será novamente fechada e as aulas retornarão ao regime on-line.

Brasil
As aulas nas escolas brasileiras começaram a ser suspensas nos Estados em meados de março e, devido à curva ainda ascendente de contaminação pelo novo coronavírus, não há previsão de retorno. Em 28 de abril, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou o Parecer 05/2020, que visa orientar Estados, municípios e escolas sobre práticas a serem adotadas durante a pandemia, além de propor normas nacionais. Entre os pontos definidos está a flexibilização do calendário escolar, com abandono da obrigatoriedade dos 200 dias letivos, mas com manutenção da carga horária de 800 horas. Parte da carga horária poderá ser ministrada de forma não presencial até 2021, caso a pandemia se prolongue. O parecer também lista recursos que podem ser adotados pelas redes de ensino em apoio à educação a distância, como mídias digitais, videoaulas, plataformas virtuais, redes sociais, programas de televisão ou rádio e material didático impresso a ser entregue aos pais/responsáveis. O Ministério da Educação ainda precisa homologar o documento. Por meio de sua assessoria de imprensa, a pasta informou que não há previsão para o fornecimento de orientações específicas à reabertura das escolas, tendo os Estados e municípios autonomia para formular seus planos de retomada dentro do pacto federativo. Em 7 de maio, a organização Todos pela Educação lançou a nota técnica “O retorno às aulas presenciais no contexto da pandemia da Covid-19: contribuições para o debate público”. O documento foi elaborado com o propósito de contribuir para qualificar o debate público e apoiar os gestores no processo de reabertura das escolas.