Juventudes

Os desafios de estudar durante a pandemia

A interrupção das atividades escolares de caráter presencial impôs a 4,2 milhões de estudantes brasileiros do Ensino Médio uma série de desafios para dar prosseguimento aos seus estudos. Entre jovens negros, indígenas, mulheres, moradores do campo e trabalhadores, os desafios da última etapa da Educação Básica frente à pandemia são ainda atravessados pelas especificidades de cada contexto e condição vivida.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), por exemplo, em relatório publicado recentemente, averiguou o impacto desproporcional que alguns jovens sofreram durante a pandemia no que se refere à garantia do direito à aprendizagem, seja pelo seu pertencimento étnico-racial, seja pelo local de moradia, pela renda, pela composição familiar ou por serem pessoas com deficiência.

Tanto a gestão escolar quanto os educadores estão vivenciando desafios contínuos para fortalecer os laços dos estudantes com a escola ainda que a distância, procurando manter o vínculo escolar a fim de reduzir os riscos de evasão e abandono. Nesse sentido, cabe questionar não apenas a pluralidade dos desafios enfrentados pelos jovens estudantes, mas também quais as estratégias desenvolvidas pelas juventudes e o papel que a gestão e educadores podem exercer no fortalecimento de suas trajetórias escolares. E nada melhor do que escutá-los.

A desigualdade do acesso

“Estudar nunca foi fácil, mas esse momento da pandemia nos trouxe muitos desafios, como a falta da presença dos professores que agora se tornaram tutores, a falta da internet para muitos de nós, sem falar nos desafios psicológicos que muitos de nós estamos enfrentando.”

É dessa forma que Mateus Bezerra Silva, 18 anos, estudante do terceiro ano do Ensino Médio em Solonópole, munícipio do Ceará, compartilha um pouco de sua experiência e dos desafios que tem enfrentado para dar continuidade aos estudos durante a pandemia da covid-19. Além de estudar, Mateus preside o grêmio de sua escola e trabalha em uma farmácia de sua cidade.

O estudante participou do webinário Gestão Pública em Tempos de Crise, promovido em agosto de 2020 pelo Instituto Unibanco, que contou com a participação de estudantes de diferentes redes estaduais de Ensino Médio. As dificuldades de acesso tanto à internet quanto a equipamentos adequados para a condução dos estudos é um dos obstáculos mais vivenciados pelos estudantes, sobretudo por jovens negros, moradores de áreas rurais e periferias.

Os dados de uma pesquisa recente realizada pelo Centro Regional para o Desenvolvimento de Estudos sobre a Sociedade da Informação, vinculado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil, demonstram nitidamente o problema apresentado pelo estudante. O levantamento apontou que, entre os brasileiros, o acesso a serviços de internet varia de acordo com o local de moradia e o pertencimento racial. Enquanto o serviço alcança 77% das áreas urbanas e 75% das pessoas brancas, nas áreas rurais o índice é pouco maior do que 50%, e entre as pessoas pretas o acesso é de 71%.

Assim, as diferenças regionais também são relevantes para analisar os desafios que as juventudes têm enfrentado. No estado do Piauí, por exemplo, que apresenta 70% de matrículas de estudantes negros, apenas 61% dos domicílios declararam ter internet.

“Esse desafio nos pede força e coragem. A falta de acesso à internet é um dos nossos grandes desafios. Eu moro na zona rural de Teresina, minha escola fica há quase 50 quilômetros de distância. Quando estávamos tendo aula normal, eu acordava às cinco horas da manhã para chegar lá às 7h30. Durante a pandemia, meu maior desafio foi o acesso à internet.”

O relato é da estudante do terceiro ano do Ensino Médio Andréia Francisca da Costa Ferreira, 17 anos, moradora da zona rural de Teresina (PI), que também participou do webinário do Instituto Unibanco. No início da interrupção das atividades escolares presenciais, a primeira solução que surgiu foi estudar na casa de um tio, o que demandava planejamento e deslocamento em meio a um cenário no qual o isolamento e o distanciamento social são vitais para a preservação da vida e da saúde. Após algumas semanas, a mãe de Andréia conseguiu instalar um ponto de acesso à internet em sua residência, possibilitando que a estudante assistisse às aulas em sua própria casa.

Como Andréia destaca, esse foi somente um dos obstáculos enfrentados nesse período, uma vez que a ausência de equipamentos eletrônicos também influenciou a qualidade da aprendizagem. Em sua casa só havia um aparelho de acesso à internet, que precisou ser dividido entre ela e sua irmã. Todavia, como as aulas de Andréia incialmente aconteceram em período integral, esse arranjo não foi de todo simples.

O relato de Andréia ilustra de maneira muito concreta que a modalidade de ensino a distância representa diversos desafios não apenas de acesso a bens e serviços, como internet e equipamentos, mas também no que tange à organização da unidade familiar em prol da aprendizagem.

Nesse contexto, ao considerar o impacto do ensino remoto nos arranjos familiares, também é preciso destacar a divisão sexual do trabalho doméstico, que de maneira geral afeta desproporcionalmente meninas e mulheres.

“Eu tenho que cuidar da minha irmã enquanto minha mãe trabalha, da limpeza da casa, e conciliar tudo com os estudos.” A explicação da estudante Emily Araújo da Silva, 16 anos, que cursa o primeiro ano do Ensino Médio em uma escola pública de Vitória (ES), demonstra as dificuldades adicionais para conciliar tarefas domésticas e escolares e como isso afetou a juventude de maneira transversal.

A mesma intensidade é vivida pelos jovens estudantes que também são trabalhadores formais ou informais. Mateus Bezerra Silva atua em um serviço considerado essencial, em uma farmácia. Na pandemia, continuou a cumprir sua função, mas com horário ampliado para compensar a ausência de colegas de trabalho mais velhos que fazem parte do grupo de risco.

“Tivemos que nos adaptar. Eu inicio minha jornada de trabalho pela manhã e, à tarde, organizo parte dos meus estudos, dedicando em torno de duas horas. À noite, eu retorno para concluir minha jornada de trabalho e, ao término dela, às 22 horas, concluo as atividades aplicadas pelos meus professores.”

A distância dos amigos

Outra mudança radical na rotina de estudos dos jovens foi a ausência dos colegas e da convivência no espaço escolar. Os efeitos subjetivos impostos pelas medidas de distanciamento social afetam de maneira particular as juventudes, haja vista o fato de que suas capacidades socioemocionais ainda estão em desenvolvimento.

Em recente webinário promovido pela TV Joca, a psicóloga Natércia Martins Tiba Machado, especializada em clínica familiar, falou sobre como a política de isolamento afeta os adolescentes, podendo inclusive prejudicar seu processo de aprendizagem:

“O isolamento social acaba indo na contramão do desenvolvimento do adolescente. Para o adolescente, os amigos são mais importantes que a família. Ele quer conviver, ele está experimentando quem ele é, ele quer conhecer as pessoas e explorar. De repente, ele está fechado dentro de casa, justamente com as pessoas que nesse momento não são a sua prioridade de convívio. Fora isso, existem as aulas on-line, em uma adaptação muito rápida, é um tipo de atenção diferente (...). A sensação é que ele está de castigo.”

“Eu sou uma pessoa que se mantém informada, e essas notícias de pandemia, distanciamento social, fechamento das escolas, tudo isso me entristeceu bastante, foi um dos motivos que mais me desmotivou. Acompanhar essas notícias ruins, essas dificuldades que estamos passando. Para mim foi muito difícil criar um método de estudos, pois eu não tinha aquela mesma vontade de estudar que eu tinha no presencial. Essa questão da empatia é muito importante, pois no início eu não conseguia estudar sozinho, até que minha namorada Melissa veio estudar comigo, através de chamada de vídeo. Um incentivando o outro a estudar. Foi o empurrãozinho que eu precisava, a partir disso que criei minhas metas e horários.”

As palavras de Gabriel Vigilato de Freitas, 18 anos, estudante do terceiro ano do Ensino Médio na Escola Estadual Presidente Itamar Franco, no município de Santa Luzia, concretiza a relevância que os jovens têm uns para os outros. Gabriel sente falta ainda das apresentações de trabalho em grupo que motivavam reuniões preparatórias com os colegas, formação de grupos de estudo e convivência. As medidas de distanciamento social, necessárias à preservação da saúde, impedem que as reuniões em grupo aconteçam presencialmente, na escola de Gabriel só estão sendo realizadas as atividades individuais. Mas o estudante recomenda que sejam fomentadas atividades em grupo através das plataformas virtuais disponíveis.

A experiência de Gabriel revela não apenas que a atual conjuntura tem efeitos diretos nos processos de aprendizagem das juventudes, como também aponta para caminhos e soluções possíveis de serem desenvolvidas de maneira colaborativa neste período.

Como as juventudes estão solucionando os desafios de estudar?

As juventudes estão elaborando continuamente estratégias para superar os desafios de estudar durante a pandemia, sejam eles econômicos, sociais ou psicológicos. A experiência do estudante Gabriel evidencia a importância das redes de apoio entre jovens como estratégia de garantia da aprendizagem e de enfrentamento da evasão.

Frente aos desafios de manter o engajamento das juventudes para a condução das atividades propostas pelo ensino remoto, evitando o aumento dos índices de evasão, o grêmio estudantil presidido por Mateus, de Solonópole, munícipio do Ceará, em parceria com a Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação (Crede) da região, desenvolveu o projeto Rede de Apadrinhamento. A iniciativa mobilizou estudantes engajados, formando uma rede de apoio e acolhimento para jovens que estivessem enfrentando dificuldades em dar prosseguimento aos seus estudos. Mateus explica:

“Os padrinhos são responsáveis por auxiliar os professores e diretores de turma no acompanhamento dos alunos. É gratificante receber as mensagens dos alunos, dizendo que voltaram aos estudos graças à rede de apadrinhamento, graças a esse apoio. Eu acho que o protagonismo juvenil é tudo, porque, se eu não fosse protagonista, eu não estaria aqui e não daria esperança a outros estudantes.”

Já Andréia, estudante da área rural de Teresina, relatou que sua turma se apoiou, compartilhando os desafios e angústias e dando suporte aos colegas que estavam desmotivados e pensando em evadir. Além do apoio emocional e subjetivo, o grupo de Andréia também se organizou em pequenas rodas de estudo on-line para assistir às aulas, tirar dúvidas e realizar tarefas.

“Só nesse momento a gente percebe como faz falta a companhia dos amigos e as aulas presenciais. É muito melhor do que uma aula virtual, estar no ambiente escolar é muito melhor. Conversamos com a gestão e pedimos, porque, apesar de estarmos motivados e com o apoio dos professores, precisamos de palestras com psicólogos, que nos ajudem a acreditar. O momento que estamos vivenciando é muito diferente!”

Assim, a escuta ativa e a promoção de espaços – ainda que virtuais – de convivência entre os jovens são duas práticas que se mostraram eficientes no enfrentamento à evasão e na promoção do engajamento. Em tempos de tantas incertezas, o exercício ativo da empatia, tanto entre pares quanto entre jovens e educadores, é um dos caminhos possíveis para a efetiva superação dos desafios na hora de estudar.