Gestão

O lugar estratégico da gestão de pessoas

Infraestrutura adequada e disponibilidade de recursos pedagógicos são condições regularmente associadas ao melhor aprendizado dos estudantes. Porém a garantia do direito à educação só pode ser atingida com o esforço e empenho de excelentes profissionais, o que torna a gestão estratégica de pessoas pelos gestores das secretarias de Educação e pelos diretores das escolas uma tarefa essencial. Em tempos de pandemia, quando a pressão sobre a atividade profissional dos educadores aumentou, essa necessidade se acentuou ainda mais.

Na acepção de Cibele Franzese, pesquisadora e vice-coordenadora da Graduação de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV Eaesp), o conceito de gestão estratégica de pessoas remete a conectar a gestão de pessoas, atividade mais conhecida como “recursos humanos” ou “RH”, à estratégia-fim da educação: o aprendizado dos estudantes.

“Quando a gente fala de gestão de pessoas, tende a se ligar no dia a dia da nossa rotina, dos processos, daquilo que toma mais tempo do nosso trabalho, que é a burocracia, e acaba esquecendo do principal, que é o aprendizado do estudante e a qualidade do ensino”, situou Franzese, em participação no webinário “Gestão estratégica de pessoas no contexto da pandemia”, realizado em dezembro pelo Instituto Unibanco. Na prática, é fundamental, por exemplo, que o gestor de pessoas nunca perca de vista as metas de aprendizado da rede em que atua, prosseguiu a especialista, que coordena o grupo de pesquisa “Gestão de pessoas na educação: desafios e oportunidades para o contexto pós-pandemia”.

No âmbito das secretarias, a pesquisadora defendeu que esta visão de gestão estratégica de pessoas permeie todas as frentes que envolvem a área: planejamento da força de trabalho, contratação, alocação, recompensa (monetária e não monetária); reconhecimento e gestão do desempenho; capacitação; promoção e progressão de carreiras; e desligamento.

Assim, as metas específicas de gestão de pessoas precisam dialogar e contribuir com as metas de aprendizado e qualidade da educação. No caso da alocação de profissionais, ilustrou Franzese, o gestor de pessoas pode indicar a inserção de profissionais mais qualificados em locais mais vulneráveis para combater desigualdades. Ou, na promoção e progressão de carreiras, pode-se atrelar o aumento da remuneração à trajetória de desenvolvimento do professor e ao aumento de complexidade no seu trabalho.

Dentro dessa proposta, a etapa de planejamento ganha relevo, tanto para entender e diagnosticar os desafios do contexto quanto para estruturar caminhos que possibilitem a superação. O Observatório de Educação elaborou e disponibiliza duas coleções, com curadoria cuidadosa, que apresentam referências essenciais nesses processos e podem ser conferidas aqui: Planejamento de rede e Diagnóstico das desigualdades.

Já quando o assunto é a remuneração de profissionais, Franzese assina, com os pesquisadores Pedro Marin, Guilherme Andrade e Gabriela Marin o estudo “Despesas com pessoal da educação nos estados brasileiros”, realizado em 2018 via uma parceria do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) com o Instituto Unibanco.

Conhecer bem para decidir bem

Conforme explica a representante da FGV, uma boa gestão estratégica de pessoas pede o conhecimento profundo das redes de ensino por meio de dados, indicadores e evidências, de modo a embasar escolhas e a formulação das ações. “Quanto a gente conhece da nossa rede? Quanto a gente conhece dos nossos professores, professoras, diretores e diretoras?”, disparou Franzese, em franco convite do público do webinário à reflexão.

No que tange aos dados quantitativos – número de professores da rede, tempo de trabalho, dedicação, licenciados, entre outros –, além de detê-los, é importante que estejam devidamente registrados em sistemas e disponíveis para uso. “Isso é um grande desafio, porque, dependendo do tamanho do estado, o quantitativo é muito grande. E precisamos desses dados em sistemas que gerem informações analíticas para que possam ser usados para a tomada de decisão rápida e qualificada”, observou a especialista.

Como referência de ordem de grandeza do volume de dados manipuláveis pelas pastas da Educação, Francisca de Almeida Mascarenha, diretora da unidade de gestão de pessoas da Secretaria de Educação do Piauí, apresentou no webinário um levantamento do quadro de pessoal sob sua responsabilidade nos 224 municípios do estado. Para atender a 227 mil alunos, o Piauí conta com 12.522 profissionais de magistério efetivos e ativos; 3.631 funcionários administrativos; e 6.931 profissionais seletivistas/substitutos, entre professores e equipe administrativa. A base de dados se desdobra em estatísticas sobre jornada de trabalho, contratação temporária, nível de formação do professorado, distribuição dos quadros de pessoal por lotação e assim por diante.

Assista ao webinário “Gestão estratégica de pessoas no contexto da pandemia”.

Sobre as informações qualitativas – perfil de pessoal, qualificação, atuação dos profissionais etc. –, Franzese apontou a figura do diretor escolar como o grande aliado da gestão estratégica de pessoas. “É ele quem pode conhecer melhor aquele professor e alimentar de dados qualitativos o RH da Secretaria de Educação. Então é preciso mais conexão com a direção das escolas”, explicou. “Na crise da pandemia, por exemplo, percebeu-se que o diretor é aquele que pode dar acolhimento, chegar mais perto numa questão socioemocional, enfim, conhecer melhor aquele professor.”

Além disso, prosseguiu Franzese, embora não receba formação específica, o diretor é um gestor de pessoas importantíssimo e precisa ser visto como tal. “A gente muitas vezes não trata o diretor como gestor de pessoas. A gente trata o diretor como uma função pedagógica e até burocrática. De fato, o diretor é multifuncional, mas ele é também um gestor de pessoas”, disse.

A força das relações

Em conexão direta de Fortaleza (CE), Kamillo Silva, diretor da Escola Estadual de Educação Profissional Jaime Alencar de Oliveira e também participante do webinário, personificou os apontamentos de Franzese com um depoimento sobre o papel do líder escolar na gestão de pessoas durante a pandemia:

“[No início] A gente não tinha uma programação como temos hoje, com horário de aulas, aulas [remotas] ao vivo, não tinha noção de conectividade dos alunos, não sabia como tinha sido o clima, a receptividade dos meninos, do ponto de vista socioemocional, para o que se estava vivendo nesta pandemia, e a gente foi descobrindo aos poucos e de forma muito difícil o quanto isso tinha castigado tanto os nossos alunos quanto os nossos professores. E aí iniciamos um processo de acolhimento dos professores e alunos para fortalecer as atividades que a gente estava propondo neste plano de ação domiciliar. (...) Do ponto de vista da gestão de pessoas, na nossa escola, com o acolhimento veio um fortalecimento dos laços entre os nossos professores, e a gente conseguiu aplicar esse fortalecimento na engrenagem da nossa escola. Então, a gente tinha professores sem equipamento e sem nenhum conhecimento a respeito dessas ferramentas das novas tecnologias, mas também tinha professores que, quando a Secretaria de Educação precisava de alguém para dar um curso, vinha buscar na nossa escola. Então esses professores começaram a ajudar uns aos outros e criaram soluções para o planejamento de aula, o lançamento de notas, a organização de horários (...) Depois dos laços fortalecidos, nós nos reunimos semanalmente com nossos professores”.

Vale registrar que, de acordo com a pesquisa “Trabalho docente em tempos de pandemia”, realizada pelo Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente da Universidade Federal de Minas Gerais (Gestrado/UFMG) e outras organizações, 12% dos professores afirmavam não ter tido, até junho, qualquer suporte da sua rede ou escola para a realização de atividades não presenciais. Além disso, um em cada quatro professores não tinha realizado reuniões com os gestores da sua escola até aquele momento e apenas 57,2% participavam de conversas com colegas de trabalho.

Da base ao topo

Franzese, Mascarenha e Silva demonstraram alinhamento quanto a mais um aspecto importante sobre a gestão estratégica de pessoas na educação: o de que, para que a gestão tenha êxito, é preciso praticar a escuta de todos os atores envolvidos – dos integrantes da secretaria até a equipe inteira da escola.

Neste sentido, Mascarenha reforçou a visão de que cada pessoa que trabalha na escola é um educador e precisa ser ouvida. “Digo sempre que se o porteiro não fizer seu papel direito na escola, se não apresentar o local onde ele trabalha como um local de acolhimento, ou se a merendeira que vai cozinhar para o aluno não colocar ali aquela energia positiva, de repente ela pode até preparar uma comida que faça mal às pessoas”, exemplificou a gestora. “É preciso haver uma conexão total na estrutura entre quem está lá na ponta até o diretor da escola”, resumiu.

Franzese, por sua vez, comentou que a proposta de gestão democrática da escola, que é um valor bem estabelecido na educação brasileira, dialoga diretamente com um bom clima de trabalho e um bom gestor de equipe – um gestor que dá feedback, consegue criar clima de equipe, escutar as pessoas e deixar claro a elas os objetivos e metas a seguir.

“Não basta ser um gestor boa praça. Ele precisa deixar claro aonde quer chegar e o que você tem que fazer. Aí você vai para o trabalho comprometido, porque sabe quais são suas entregas e não terá surpresas no meio do caminho. Então você terá um dirigente com quem também se sente seguro em trabalhar”, acrescentou a pesquisadora da FGV.

Acompanhe no site do Instituto Unibanco a série de posts “Gestão estratégica de pessoas na educação no contexto da pandemia”, produzida pelos pesquisadores Cibele Franzese, Michael Cerqueira e Pedro Marin.