Ir à escola ou não ir? Retorno às aulas presenciais marca cobertura de agosto

Devido ao fechamento das escolas em março para evitar a propagação da Covid-19, a cobertura de educação no Brasil segue priorizando a crise sanitária. Em agosto, entre os 232 textos republicados pelo Radar de Imprensa do Observatório de Educação, 123 encaixavam-se neste padrão. A novidade, desta vez, foi a ênfase dada ao debate sobre o retorno às aulas presenciais – de modo isolado, o gancho jornalístico mais importante do mês, presente em um terço das inserções sobre educação na pandemia.

No calendário escolar brasileiro, agosto marca tradicionalmente o retorno das férias escolares e o início do segundo semestre de aulas. No hemisfério Norte, este é o mês de preparação para um novo ano letivo. Assim, como a pandemia segue impactando a maior parte do planeta, tanto no Brasil quanto no exterior o retorno às aulas presenciais é a pauta emergente na imprensa.

A coluna de Jamil Chade no UOL ilustra um posicionamento oficial replicado em vários veículos: “OMS: reabrir escola em meio à forte transmissão pode ampliar crise”. O “outro lado” se manifestou em matérias como a que saiu no jornal Folha de S.Paulo: “Volta às aulas é importante para o desenvolvimento infantil, dizem especialistas”. No jornal O Globo, a reportagem “Volta às aulas: especialistas apontam cuidados e consequências” ouviu dez profissionais da área de saúde para abordar tecnicamente o tema.

A polêmica cresceu com denúncias como esta, veiculada no UOL: “99% das escolas estaduais de SP não têm enfermaria, aponta levantamento”. O UOL foi o veículo monitorado pelo Radar de Imprensa que, em agosto, mais deu espaço para discutir a reabertura das escolas.

Para terminar o mês, um texto do G1 refletiu a falta de consenso da sociedade brasileira sobre o assunto: “Os argumentos científicos de quem é contra, a favor ou está em dúvida sobre retomar aulas no Brasil durante a pandemia”.

A voz da experiência
Ainda que a crise sanitária da Covid-19 se mantenha como pano de fundo, além da diferenciação de enfoque, também o tipo de cobertura apresentou particularidades no clipping republicado pelo Radar de Imprensa em agosto.

Quando comparada a julho, a amostra avaliada demonstrou um percentual maior de matérias mais extensas, que combinam informações factuais a analíticas, ou seja, a exposição de fatos acompanhada de análises e reflexões, assim como de grandes reportagens.

Juntas, estas duas modalidades de texto perfizeram 43,1% das inserções de agosto, ante 33,9% em julho, quando a cobertura tratou de muitos assuntos importantes ao mesmo tempo – aprovação do novo Fundeb, nomeação de ministro para a pasta da Educação, edição 2020 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), além dos desafios da pandemia.


Fonte: Análise de clipping do Radar de Imprensa, agosto/2020

Quanto à forma de estruturar as notícias, em paralelo à priorização constante das fontes primárias, cresceram os relatos de práticas e experiências, com a visualização de casos e personagens em 13,4% dos clippings de agosto, ante a 8% em julho.

“A Alemanha manteve as escolas fechadas por 68 dias. As aulas presenciais foram sendo retomadas por grupos no dia 4 de maio. Primeiro, os alunos do ensino médio, depois a pré-escola e creches e, por último, todos os outros grupos”, registrou o G1, com base em uma produção para o Jornal Nacional. “O governo (alemão) adotou medidas como autoaplicação de testes pelos alunos, distanciamento de um metro e meio, medição da temperatura na entrada, além das medidas de higiene: uso de máscara e álcool em gel. Um gráfico mostra que a curva de mortos na Alemanha estava em queda no momento da reabertura e continuou caindo mesmo com a volta às aulas.”

A complexidade e as implicações de retornar ou não ao ambiente escolar sem que a transmissão de Covid-19 esteja sob controle foram mostradas aos leitores com histórias reais. Como nesta reportagem especial no jornal O Estado de S.Paulo: “’Por que eu vou reprovar em 2020.’ Com esse título, a estudante Júlia Almeida, que cursa o terceiro ano do ensino médio em Belo Horizonte, publicou um vídeo no Instagram expressando seu descontentamento com as aulas remotas impostas com a pandemia”.

Ou nesta outra matéria de O Globo: “Flávia Pereira, de 45 anos, já decidiu que a filha mais velha, Manuela, de 15 anos, não voltará caso as aulas presenciais sejam retomadas em breve. A adolescente, aluna do 6° ano de uma escola pública regular de Brasília, tem sequelas motoras e cognitivas de uma malformação congênita. Devido à restrição de movimentos, Manuela depende de terceiros para várias atividades, o que deixa a mãe receosa em meio a uma pandemia que tem como regra número um evitar ao máximo o contato entre as pessoas”.


Fonte: Análise de clipping do Radar de Imprensa, agosto/2020

O povo fala
Do ponto de vista do número de fontes consultadas, 82,8% dos textos utilizaram três fontes ou mais em sua composição. Constatou-se a presença de pelo menos cinco fontes em 50% da amostra analisada (ante 39,7% em julho), atestando a preocupação dos profissionais da imprensa de trazer à cobertura vários lados e visões.


Fonte: Análise de clipping do Radar de Imprensa, agosto/2020

No rol dos porta-vozes chamados a falar, ativistas e representantes de organizações sociais foram as fontes predominantes no total do clipping, com participação em 47,3% dos textos que exibiam algum tipo de porta-voz. Tal resultado foi reforçado por um outro tema recorrente na amostra de agosto e que será tratado adiante, que foi a aprovação no Senado da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

Os destaques entre as fontes das organizações sociais foram o movimento Todos pela Educação, representado por diferentes técnicos e, sobretudo, pela presidente executiva, Priscila Cruz; o Instituto Unibanco, com o superintendente executivo, Ricardo Henriques; e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, na fala do integrante Daniel (oito participações, sendo cinco de Daniel Cara).

Influenciada pelo assunto da pandemia, comparativamente a julho, a análise dos porta-vozes revelou maior interesse da imprensa pelo ponto de vista de outros dois grupos de fonte: aqueles que se dedicam a estudar campos de conhecimento específicos e os que vivem o dia a dia das escolas. A cobertura foi, então, ocupada por pesquisadores de áreas como epidemiologia, infectologia e pediatria, além de pedagogos, psicólogos, gestores escolares, professores e muitos estudantes e familiares.


Fonte: Análise de clipping do Radar de Imprensa, julho/2020 e agosto/2020

Nessa linha, a título de exemplo, o Correio Braziliense promoveu uma reflexão em torno do questionamento de muitos em “Especialistas em educação analisam: o ano letivo de 2020 está perdido?”. Na matéria “No exterior, volta às aulas conta com a confiança na decisão do governo”, o jornal O Estado de S.Paulo ouviu mães e pais brasileiros que moram em outros países para recontar experiências boas e ruins vividas com a proposta de reabertura das escolas.

O G1 , por sua vez, sintetizou o estado geral de ânimo de atores-chave do ambiente escolar em “Pais e educadores temem volta à aula presencial, mas revelam preocupação com indefinição da pandemia”. Um passo além, o jornal Folha de S.Paulo repercutiu uma escuta mais ampla em “79% dos brasileiros dizem que reabertura de escolas agravará a pandemia, mostra Datafolha”.

O novo Fundeb e outros temas
A cobertura sobre a aprovação do novo Fundeb no Senado Federal foi a segunda em número de clippings dentro da seleção do Radar de Imprensa de agosto. Em terceiro lugar, veio um conjunto de conteúdos informativos e opinativos sobre financiamento da educação, que é um tema parente tanto do novo Fundeb quanto da educação na pandemia.

Por fim, houve inserções específicas para falar de equidade, caso do artigo “Por uma advocacia capaz de promover a superação de desigualdades desde a infância”, preparado para o Blog do Estadão, embora esta abordagem tenha se apresentado de forma subjacente no noticiário como um todo. E houve um pot-pourri de fatos diversificados sobre a educação – nomeações no Ministério da Educação (MEC), Olimpíada de História, impressão das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), etc.

Diferentemente de julho, quando o clipping capturou mais de cem ocorrências sobre a tramitação da PEC do novo Fundeb na Câmara dos Deputados, a aprovação do Senado amealhou 32 inserções na amostra de agosto.

Uma hipótese para explicar esta cobertura menos expressiva talvez seja o consenso que se construiu, nos variados partidos políticos, em torno da urgência da incorporação do Fundeb à Constituição brasileira para a manutenção da educação básica pública no país. De modo geral, a aprovação do novo Fundeb no Senado era dada como certa, o que de fato aconteceu, em votação unânime por dois turnos, no dia 25 de agosto.

De tudo o que saiu na imprensa, o trecho aqui escolhido para ilustrar este tema veio do editorial do jornal O Estado de S.Paulo, publicado no dia 31 de agosto, sob o título “Futuro encaminhado”: 

“A promulgação da PEC do Novo Fundeb é, antes de tudo, uma vitória da sociedade brasileira, que por meio de seus representantes fez aprovar uma medida essencial para a formação de milhões de crianças e adolescentes e, assim, ajudar a diminuir a brutal desigualdade que há séculos mantém o País aferrado ao atraso. Educação pública de qualidade amplia muito as oportunidades de crescimento para todos os cidadãos, independentemente da condição socioeconômica de cada um. Este é o principal, se não o único, caminho para o desenvolvimento do Brasil (...)

Em que pese a importância sem igual da aprovação da EC 108 [como a emenda foi identificada na Constituição], uma coisa é garantir que os recursos para financiar a educação básica chegarão a seus destinos. Outra, tão ou mais importante, é assegurar a boa gestão desses recursos. ‘Resta agora colocar a gestão da política educacional como prioridade da agenda, tanto na legislação infraconstitucional quanto na prática cotidiana em cada escola’, escreveu no Estado a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV, Claudia Costin. 

O futuro da educação básica no País está encaminhado com a permanência do Fundeb, mas o trabalho para garantir que o aporte de recursos se reflita na qualidade da educação pública apenas começou”.