Em setembro, Enem vira questão de Justiça, cobertura sobre pandemia recua e Brasil homenageia Paulo Freire

A cobertura das políticas públicas educacionais continuou sendo o tema quente do noticiário sobre educação em setembro, presente em quase metade dos 203 clippings analisados pelo Radar de Imprensa do Observatório de Educação ao longo do mês.

A pauta dominante foi a reabertura das inscrições do próximo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 3 de setembro obrigou o Ministério da Educação (MEC) a retomar as inscrições para candidatos isentos de taxa de inscrição que faltaram ao Enem 2020 sem justificativa. O desenrolar dos fatos gerou muitas notícias na imprensa:

Por causa da Covid-19, o Enem 2020 foi realizado apenas em janeiro deste ano e quase 3 milhões de candidatos que tinham gratuidade da taxa de inscrição não compareceram ao exame. Destes, cerca de 2,3 milhões de estudantes isentos e ausentes tinham deixado de se inscrever na edição do Enem 2021, segundo estimativas do MEC. A decisão do STF visava evitar retrocesso na inclusão social.

A busca pela equidade educacional

O julgamento do STF sobre o caso do Enem também ajudou a alavancar os indicadores da cobertura sobre equidade educacional ao longo do mês, a segunda mais prevalente entre os temas de interesse mapeados pelo Radar de Imprensa em setembro (presença em 40,4% das inserções). Induziu, ainda, à maior incidência de inserções sobre ensino médio (32%) e sobre avaliação (31,5%), como demonstra o gráfico a seguir.

Presença de temas de interesse do Observatório de Educação

203 respostas

Fonte: Análise de clipping Radar de Imprensa

A abordagem de equidade contida no noticiário do Enem amparou-se largamente em um levantamento realizado pelo Semesp, o Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior no Brasil. Em 3 de setembro, o estudo valeu um editorial da Folha de S.Paulo, que apoiou a decisão do STF e advogou por “Mais pobres no Enem”: 

“São inquietantes os dados referentes às inscrições do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano, a ser realizado no final de novembro. Com 3,1 milhões de candidatos, a prova de 2021 receberá o menor número de concorrentes registrado desde 2005. Uma queda, na comparação com o ano passado, de nada menos que 46%.Esse declínio compreende especialmente pretos (51,7%), pardos (53,1%) e indígenas (54,8%), interrompendo de modo brusco o aumento gradual da participação desses estratos que vinha ocorrendo desde 2009, quando o Enem se tornou o principal meio de acesso às universidades federais. (...)Chama a atenção, sobretudo, a dramática redução do número de estudantes de baixa renda. A quantidade de inscritos com isenção da taxa por declaração de carência caiu 77% em relação à prova realizada no ano passado, quando perfizeram 63% do total. Em 2021, eles serão apenas 26,5%”.

Em sintonia com a busca por inclusão, o UOL abriu espaço para o impressionante relato de experiência de um jovem potiguar do ensino médio em meio à pandemia: “Como entrei na universidade pública tendo morado na rua”. E, de novo na Folha de S.Paulo, pôde-se ler a manifestação do colunista Veny Santos: “Enem mais branco e elitista ameaça futuro da população negra e periférica” (8/09).

Todavia, após duas semanas de convocatória para os estudantes isentos de taxa participarem do Enem 2021 e vencido o prazo concedido pelo MEC em 26 de setembro, o número de inscritos para a prova pouco mudou. Houve adesão de apenas 280 mil alunos do público-alvo esperado, como informou esta nota do UOL (28/09). Entre as hipóteses para justificar o ocorrido está o fato de que foram justamente os alunos mais pobres os que menos oportunidade de estudar tiveram durante a pandemia, sendo este um importante fator de inibição para a inscrição.

Situação do Enem à parte, vale mencionar, ainda, uma seleção de clippings da grande imprensa e da imprensa especializada que voltaram a tratar de ensino e desigualdade racial:

As sequelas da Covid

Curiosamente, desde maio de 2020, quando o Observatório de Educação do Instituto Unibanco iniciou seu trabalho de tabulação de textos para a análise quantitativa e qualitativa de clipping, setembro foi o primeiro mês em que a categoria dos fatores extraescolares não esteve entre os cinco temas principais da amostra.

É nesta categoria que se inserem os textos que discutem em primeiro plano os efeitos cotidianos da Covid na educação, ou seja, em que a pandemia é o coração da pauta. É o que se nota, por exemplo, em “Pandemia causa impactos na alfabetização de crianças” (Agência Brasil, 8/09), ou em “Senado aprova projeto que suspende mínimo obrigatório de dias letivos em 2021” (UOL, 16/09).

Em setembro, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) lançou a edição anual do seu relatório Education at a Glance, cujo foco foi a igualdade de oportunidades no contexto da pandemia do novo coronavírus. A divulgação embasou a produção de notícias com caráter de balanço, enfocando aspectos como fechamento das escolas e aporte de recursos.

Em O Estado de S.Paulo, o relatório inspirou a redação do editorial “Educação abaixo do medíocre” (26/09), sobre o aumento da lacuna entre a educação do Brasil e a dos países da OCDE:

“A pandemia impactou a formação dos jovens no mundo inteiro e aumentou as desigualdades entre eles. No Brasil, contudo, o que já era ruim ficou muito pior. Para cicatrizar as feridas abertas nesta geração de jovens brasileiros, o remédio também precisará ser redobrado”.

De volta ao currículo e para sempre Paulo Freire

Se, por um lado, a cobertura sobre a pandemia arrefeceu, por outro, as notícias relacionadas ao currículo cresceram, chegando a 26,6% das inserções na amostra do Radar de Imprensa – o maior patamar já registrado por esta análise de clipping. Mesmo com a ponderação de que 15,3% dos textos tabulados em setembro vieram de veículos setoriais da educação, percentual bem acima da média histórica de 8%, este é um resultado notável.

Fonte: Análise de clipping Radar de Imprensa

Dentro do recorte de inserções sobre currículo, o noticiário foi bastante diversificado. De educação midiática a emergência climática, passando por habilidades emocionais, robótica, educação sexual, metodologias ativas e mais. Mas o destaque ficou para a cobertura sobre a passagem do centenário de nascimento do educador e filósofo pernambucano Paulo Freire (1921-1997), celebrado no dia 19 de setembro.

Considerado o “patrono da educação brasileira”, Freire se tornou um dos brasileiros mais ilustres, dentro e fora do país, por suas concepções progressistas e inclusivas para a educação. É dele a famosa frase “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.

Tido como um intelectual alinhado à esquerda, o educador atrai críticas de segmentos conservadores da sociedade brasileira contemporânea. Mas isso não tirou o brilho das homenagens ao seu legado, materializadas na publicação de grandes reportagens, matérias especiais, artigos e entrevistas pingue-pongue:

P.S.: Suíte sobre as declarações do ministro

Notícias envolvendo o posicionamento de lideranças do MEC para as políticas públicas educacionais têm chamado a atenção da imprensa ultimamente. Em agosto, em entrevista à TV Brasil, o ministro Milton Ribeiro fez declarações polêmicas que repercutiram com força na sociedade. Entre elas, o ministro se referiu ao aluno com deficiência na escola pública como uma criança que “atrapalhava” o aprendizado dos outros estudantes.

A fala do ministro foi considerada discriminatória e gerou muitas críticas, a ponto de o MEC lançar uma nota pública à época, pedindo desculpas pelo ocorrido. Mas o assunto não acabou aí. Em setembro, Ribeiro foi chamado mais de uma vez para explicar a declaração:

A nova aspa do ministro foi mais uma que “colou” na imprensa, pois foi tida como desrespeitosa com os candidatos que deixaram de comparecer ao Enem 2020 por causa da pandemia. A declaração foi amplamente comentada, ao lado de outra, proferida por Ribeiro na mesma sabatina ao Senado e capturada pelo UOL na notícia “Sonhar ser doutor é bom, mas Brasil não dá oportunidade, diz Milton Ribeiro” (16/09).

Neste último caso, o ministro justificava aos parlamentares seu depoimento prévio, considerado elitista, de que a universidade “deveria ser para poucos”. A manifestação fora feita em meio a um diálogo sobre a validade dos cursos técnicos no Brasil, na já citada entrevista de agosto à TV Brasil.