Análise de Imprensa - Setembro de 2021
Em setembro, Enem vira questão de Justiça, cobertura sobre pandemia recua e Brasil homenageia Paulo Freire
A cobertura das políticas públicas educacionais continuou sendo o tema quente do noticiário sobre educação em setembro, presente em quase metade dos 203 clippings analisados pelo Radar de Imprensa do Observatório de Educação ao longo do mês.
A pauta dominante foi a reabertura das inscrições do próximo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 3 de setembro obrigou o Ministério da Educação (MEC) a retomar as inscrições para candidatos isentos de taxa de inscrição que faltaram ao Enem 2020 sem justificativa. O desenrolar dos fatos gerou muitas notícias na imprensa:
- No G1, em 3/09: “Enem: STF forma maioria contra exigência de justificativa de falta para que aluno seja isento de taxa”.
- Na Folha de S.Paulo, em 9/09: “MEC estuda adiar Enem após STF determinar reabertura das inscrições”.
- No UOL, em 11/09: “Sem resposta do Inep após decisão do STF, alunos não sabem se farão Enem”.
- Em O Globo, em 13/09: “Dez dias após decisão do STF, entidade manda carta ao MEC cobrando definição do Enem” e “Enem: Inep anuncia provas em 9 e 16 de janeiro para novos inscritos”.
- No UOL, em 14/09: “Enem 2021: candidatos isentos que faltaram no exame de 2020 já podem se inscrever de forma gratuita”.
- Em O Globo, em 14/09: “Educafro recorrerá ao STF contra decisão do MEC de reabrir inscrições apenas a quem faltou ao Enem”.
- No G1, em 21/09: “MEC diz ao STF que decisão de reabertura de inscrição do Enem para isentos não foi descumprida”.
Por causa da Covid-19, o Enem 2020 foi realizado apenas em janeiro deste ano e quase 3 milhões de candidatos que tinham gratuidade da taxa de inscrição não compareceram ao exame. Destes, cerca de 2,3 milhões de estudantes isentos e ausentes tinham deixado de se inscrever na edição do Enem 2021, segundo estimativas do MEC. A decisão do STF visava evitar retrocesso na inclusão social.
A busca pela equidade educacional
O julgamento do STF sobre o caso do Enem também ajudou a alavancar os indicadores da cobertura sobre equidade educacional ao longo do mês, a segunda mais prevalente entre os temas de interesse mapeados pelo Radar de Imprensa em setembro (presença em 40,4% das inserções). Induziu, ainda, à maior incidência de inserções sobre ensino médio (32%) e sobre avaliação (31,5%), como demonstra o gráfico a seguir.
Presença de temas de interesse do Observatório de Educação
203 respostas
Fonte: Análise de clipping Radar de Imprensa
A abordagem de equidade contida no noticiário do Enem amparou-se largamente em um levantamento realizado pelo Semesp, o Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior no Brasil. Em 3 de setembro, o estudo valeu um editorial da Folha de S.Paulo, que apoiou a decisão do STF e advogou por “Mais pobres no Enem”:
“São inquietantes os dados referentes às inscrições do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano, a ser realizado no final de novembro. Com 3,1 milhões de candidatos, a prova de 2021 receberá o menor número de concorrentes registrado desde 2005. Uma queda, na comparação com o ano passado, de nada menos que 46%.Esse declínio compreende especialmente pretos (51,7%), pardos (53,1%) e indígenas (54,8%), interrompendo de modo brusco o aumento gradual da participação desses estratos que vinha ocorrendo desde 2009, quando o Enem se tornou o principal meio de acesso às universidades federais. (...)Chama a atenção, sobretudo, a dramática redução do número de estudantes de baixa renda. A quantidade de inscritos com isenção da taxa por declaração de carência caiu 77% em relação à prova realizada no ano passado, quando perfizeram 63% do total. Em 2021, eles serão apenas 26,5%”.
Em sintonia com a busca por inclusão, o UOL abriu espaço para o impressionante relato de experiência de um jovem potiguar do ensino médio em meio à pandemia: “Como entrei na universidade pública tendo morado na rua”. E, de novo na Folha de S.Paulo, pôde-se ler a manifestação do colunista Veny Santos: “Enem mais branco e elitista ameaça futuro da população negra e periférica” (8/09).
Todavia, após duas semanas de convocatória para os estudantes isentos de taxa participarem do Enem 2021 e vencido o prazo concedido pelo MEC em 26 de setembro, o número de inscritos para a prova pouco mudou. Houve adesão de apenas 280 mil alunos do público-alvo esperado, como informou esta nota do UOL (28/09). Entre as hipóteses para justificar o ocorrido está o fato de que foram justamente os alunos mais pobres os que menos oportunidade de estudar tiveram durante a pandemia, sendo este um importante fator de inibição para a inscrição.
Situação do Enem à parte, vale mencionar, ainda, uma seleção de clippings da grande imprensa e da imprensa especializada que voltaram a tratar de ensino e desigualdade racial:
- Na revista Educação, em 7/09: “Equidade racial na educação é destaque de artigos inéditos”.
- Em O Globo, em 15/09: “Educação 360 teve debates sobre racismo e impactos da pandemia; assista ao vídeo do segundo dia”.
- No G1, em 21/09: “10 dicas de como trabalhar o antirracismo em sala de aula”.
- No portal Porvir, em 23/09: “Iniciativa brasileira prevê primeiro plano nacional antirracista do mundo”.
- No portal Nova Escola, em 29/09: “Educação antirracista: como a escola pode combater as desigualdades educacionais entre negros e brancos?”.
As sequelas da Covid
Curiosamente, desde maio de 2020, quando o Observatório de Educação do Instituto Unibanco iniciou seu trabalho de tabulação de textos para a análise quantitativa e qualitativa de clipping, setembro foi o primeiro mês em que a categoria dos fatores extraescolares não esteve entre os cinco temas principais da amostra.
É nesta categoria que se inserem os textos que discutem em primeiro plano os efeitos cotidianos da Covid na educação, ou seja, em que a pandemia é o coração da pauta. É o que se nota, por exemplo, em “Pandemia causa impactos na alfabetização de crianças” (Agência Brasil, 8/09), ou em “Senado aprova projeto que suspende mínimo obrigatório de dias letivos em 2021” (UOL, 16/09).
Em setembro, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) lançou a edição anual do seu relatório Education at a Glance, cujo foco foi a igualdade de oportunidades no contexto da pandemia do novo coronavírus. A divulgação embasou a produção de notícias com caráter de balanço, enfocando aspectos como fechamento das escolas e aporte de recursos.
Em O Estado de S.Paulo, o relatório inspirou a redação do editorial “Educação abaixo do medíocre” (26/09), sobre o aumento da lacuna entre a educação do Brasil e a dos países da OCDE:
“A pandemia impactou a formação dos jovens no mundo inteiro e aumentou as desigualdades entre eles. No Brasil, contudo, o que já era ruim ficou muito pior. Para cicatrizar as feridas abertas nesta geração de jovens brasileiros, o remédio também precisará ser redobrado”.
De volta ao currículo e para sempre Paulo Freire
Se, por um lado, a cobertura sobre a pandemia arrefeceu, por outro, as notícias relacionadas ao currículo cresceram, chegando a 26,6% das inserções na amostra do Radar de Imprensa – o maior patamar já registrado por esta análise de clipping. Mesmo com a ponderação de que 15,3% dos textos tabulados em setembro vieram de veículos setoriais da educação, percentual bem acima da média histórica de 8%, este é um resultado notável.
Fonte: Análise de clipping Radar de Imprensa
Dentro do recorte de inserções sobre currículo, o noticiário foi bastante diversificado. De educação midiática a emergência climática, passando por habilidades emocionais, robótica, educação sexual, metodologias ativas e mais. Mas o destaque ficou para a cobertura sobre a passagem do centenário de nascimento do educador e filósofo pernambucano Paulo Freire (1921-1997), celebrado no dia 19 de setembro.
Considerado o “patrono da educação brasileira”, Freire se tornou um dos brasileiros mais ilustres, dentro e fora do país, por suas concepções progressistas e inclusivas para a educação. É dele a famosa frase “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.
Tido como um intelectual alinhado à esquerda, o educador atrai críticas de segmentos conservadores da sociedade brasileira contemporânea. Mas isso não tirou o brilho das homenagens ao seu legado, materializadas na publicação de grandes reportagens, matérias especiais, artigos e entrevistas pingue-pongue:
- No portal Porvir, em 17/09: “Paulo Freire 100 anos: por que ele permanece atual?”.
- No UOL, em 19/09: “Educação como ato político: os cem anos de Paulo Freire”.
- No G1, em 19/09: “100 anos de Paulo Freire: veja 6 ensinamentos do educador que ainda são atuais”, “No centenário de Paulo Freire, especialistas mostram como pedagogia do pernambucano pode ajudar a enfrentar desafios da educação na pandemia” e “Como o legado do educador brasileiro é visto no exterior”.
- Na Carta Capital, em 19/09: “’Paulo Freire não queria ser imitado, mas reinventado’”.
- Na Folha de S.Paulo, em 23/09: “Paulo Freire sabia que educação sem comunicação não transforma”.
P.S.: Suíte sobre as declarações do ministro
Notícias envolvendo o posicionamento de lideranças do MEC para as políticas públicas educacionais têm chamado a atenção da imprensa ultimamente. Em agosto, em entrevista à TV Brasil, o ministro Milton Ribeiro fez declarações polêmicas que repercutiram com força na sociedade. Entre elas, o ministro se referiu ao aluno com deficiência na escola pública como uma criança que “atrapalhava” o aprendizado dos outros estudantes.
A fala do ministro foi considerada discriminatória e gerou muitas críticas, a ponto de o MEC lançar uma nota pública à época, pedindo desculpas pelo ocorrido. Mas o assunto não acabou aí. Em setembro, Ribeiro foi chamado mais de uma vez para explicar a declaração:
- Em 01/09, a parlamentares da Câmara dos Deputados: “Em reunião fechada, deputados dão ‘puxão de orelha’ em ministro da Educação por falas sobre alunos com deficiência” (O Globo).
- Em 16/09, em audiência no Senado, quando o ministro pediu desculpas novamente pela fala sobre alunos com deficiência, ao mesmo tempo que tropeçou em outra explicação, agora sobre a reabertura das inscrições do Enem: “Enem: ‘Joguei R$ 300 milhões na lata do lixo’, diz ministro sobre ausentes” (O Estado de S.Paulo).
A nova aspa do ministro foi mais uma que “colou” na imprensa, pois foi tida como desrespeitosa com os candidatos que deixaram de comparecer ao Enem 2020 por causa da pandemia. A declaração foi amplamente comentada, ao lado de outra, proferida por Ribeiro na mesma sabatina ao Senado e capturada pelo UOL na notícia “Sonhar ser doutor é bom, mas Brasil não dá oportunidade, diz Milton Ribeiro” (16/09).
Neste último caso, o ministro justificava aos parlamentares seu depoimento prévio, considerado elitista, de que a universidade “deveria ser para poucos”. A manifestação fora feita em meio a um diálogo sobre a validade dos cursos técnicos no Brasil, na já citada entrevista de agosto à TV Brasil.