Análise de Imprensa - Julho e Agosto de 2022
Às vésperas das eleições, cobertura sobre educação pede profundidade e foco em prioridades para alimentar o debate público
À medida que as eleições gerais de 2022 se aproximam, a população brasileira volta seus olhos para elas. Nas lentes desta análise de clipping, 22% da amostra da cobertura de educação tabulada no período de julho e agosto contemplou direta ou indiretamente o tema das eleições. É um percentual um pouco superior ao constatado no bimestre de maio e junho, quando cerca de 15% do clipping de educação abordou o assunto. Porém o patamar ainda é tímido se considerarmos que o primeiro turno das eleições acontece em poucas semanas.
A amostra analisada pelo Radar de Imprensa é construída priorizando pautas de interesse nacional publicadas em grandes veículos ou em veículos de relevância setorial. Nas 309 inserções tabuladas entre julho e agosto, o recorte que falou de eleições somou 70 textos, teve temática heterogênea e nenhuma pauta capturou isoladamente maior atenção.
A dispersão acaba não deixando nítidos para os leitores quais os principais desafios, tampouco as prioridades que precisariam e poderiam ser enfrentadas pelos programas de governo. Quase 40% das ocorrências foram publicadas depois do dia 15 de agosto, coincidindo com o início do período oficial da campanha eleitoral. Diluída em muitos assuntos, a distribuição dos esforços de reportagem acaba gerando uma fotografia opaca e sem contornos, insuficiente para alimentar o debate público em um tema fundamental para o desenvolvimento de qualquer país como é o direito à educação.
Período do clipping: julho e agosto de 2022
Amostra analisada: 309 inserções
Clipping contextualizando eleições: 70 inserções (22%)
Destes 70 clippings:
- 29 ocorrências em maio
- 41 ocorrências em agosto, sendo 17 após 15/8.
A inserção do tema da educação nas plataformas de governo foi a abordagem preponderante. Das 39 ocorrências dentro desse flanco, mais da metade eram reportagens, com destaque para aquelas centradas na fala de candidatos e na repercussão de debates em nível estadual e federal:
-
- Em 28/07 e 04/08, na RBA – Rede Brasil Atual: “Lula: ciência e educação, desenvolvimento e redução da pobreza” e “Fernando Haddad: Quero fazer uma reforma da educação paulista”.
- Em 08/08, na Folha de S.Paulo: “Na Band, candidatos de SP erram sobre segurança, economia e educação”.
- Em 11/08, no G1: “O que pensam os candidatos: combate ao analfabetismo na BA”.
- Em 14/08, em O Globo: “SP: caminhos opostos sobre polícia e educação marcam corrida ao governo do estado”.
- Em 29/08, no Porvir: “Como a educação foi tratada no primeiro debate presidencial”.
- Em 29/08, no UOL: “No debate, Ciro erra dado de educação pública no Ceará e acerta sobre fome”.
Algumas reportagens debruçaram-se sobre desafios mais específicos da educação, como as apurações da Folha de S.Paulo sobre educação integral e saúde mental e o enfrentamento à defasagem de aprendizado causada pela pandemia. Em outro caso, na série multimídia “‘Estadão’ apresenta 15 perguntas para o novo presidente”, a educação foi tratada em torno de um questionamento mais central: “Como investir mais em ensino básico e corrigir a inversão de prioridades na educação?” (O Estado de S.Paulo, 07/08).
Coube aos textos opinativos o papel de advogar pela necessidade de a educação ter mais peso no debate eleitoral. Nessa linha, sobressaiu o artigo “Educação: um tema ausente na agenda eleitoral”, de Marcos Paulo dos Reis Quadros (Blogs do Estadão, 24/07) e o comentário “A educação nos planos de governo”, de Antônio Gois (O Globo, 29/08).
Neste último caso, o jornalista apresentou uma análise das prioridades dos quatro principais candidatos à Presidência da República – Ciro Gomes (PDT), Jair Bolsonaro (PL), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Simone Tebet (PMDB) – e fez uma ponderação: “É comum, na história recente de nossa democracia, que esses programas de governo apresentados ao TSE [Tribunal Superior Eleitoral] revelem pouco do que efetivamente será feito. Por isso será importante que, no curto período de campanha, as candidaturas apresentem de forma mais detalhada suas propostas e, mais importante, qual a estratégia para viabilizá-las”.
Democracia e juventude
Ainda sobre a cobertura de educação nas eleições, vários clippings que mencionavam as plataformas de governo levantaram questões sobre financiamento, tornando este o segundo tema de maior incidência dentro do recorte estudado. Algumas pautas voltaram-se de modo particular às formas de deliberação de recursos da gestão Bolsonaro. Foi o que se pôde ler em “MEC prevê corte de R$ 300 mi no orçamento de 2023 dos institutos federais” (UOL, 09/07) e “Centrão comanda fundo de educação com injeção de verba do orçamento secreto” (UOL, 30/07).
Na sequência, o terceiro, quarto e quinto temas mais frequentes foram, respectivamente, a defesa da democracia e do processo eleitoral, a desigualdade racial ou de gênero na educação e o binômio eleições e juventude. Vale notar que os clippings sobre participação social e democrática vêm subindo de importância nas análises bimestrais do Radar de Imprensa, com presença de 13% das inserções totais em março/abril, 28% em maio/junho e 31% em julho e agosto. No pano de fundo desta tendência estão os conhecidos ataques do presidente Bolsonaro ao regime democrático e à credibilidade das urnas eletrônicas.
Na amostra analisada em julho e agosto, as inserções que correlacionavam educação, democracia e processo eleitoral eram diversificadas e, em sua maioria, compostas de textos opinativos – artigos, comentários e um editorial. Algumas delas versavam sobre formação para a democracia, outras sobre igualdade e outras, ainda, foram motivadas pela leitura da “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa ao Estado Democrático de Direito”, realizada em ato público em São Paulo, no dia 11 de agosto. A data marca o dia de criação dos cursos de direito no Brasil. Alguns exemplos do clipping:
-
- “Compromisso democrático, crescimento econômico e desenvolvimento social”, por Alexandre Sampaio Ferraz e Sidney Jard da Silva, no UOL (16/07).
- “Como educar para a democracia?”, por Renata Cafardo, no Estadão (17/08).
- “Capital resolve se mobilizar contra golpismo de Bolsonaro”, por Reinaldo Azevedo, na Folha de S.Paulo (21/07).
- “Por uma educação política que nos ajude a viver”, por Jeferson Tenório, no UOL (15/08).
- “Construir a democracia é tarefa cotidiana da educação”, por Helena Singer, no Ecoa/UOL (17/08).
As reportagens que trataram de educação e defesa da democracia cobriram basicamente a participação de estudantes em atos em nome da soberania popular, como se pode conferir aqui. Elas guardaram certa sobreposição com o tema eleições e juventude, que extravasou para pautas essenciais às novas gerações, como a participação dos jovens na política, as visões e necessidades dos novos eleitores, a importância dos eleitores de 30 anos ou menos para decidir as eleições e empregabilidade. Sobre este último tópico, no editorial “Desemprego requer um presidente que trabalhe”, o Estadão criticou o atual mandatário da nação:
Em uma conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro tentou se livrar de mais uma das várias responsabilidades inerentes ao cargo que ocupa. Em um país que apresenta um crescimento pífio há anos e um nível de qualidade na educação que deixa a desejar, Bolsonaro disse que cabe aos jovens ‘correr atrás’ de emprego. ‘Você tem que correr atrás. Eu não crio emprego. Quem cria emprego é a iniciativa privada. Eu não atrapalho o empreendedor’, disse. (...)
Várias são as responsabilidades de um governante, e elas são ainda mais desafiadoras em um país tão desigual e com carências históricas como o Brasil. Chegar à Presidência da República talvez seja a maior honra para quem escolhe seguir o caminho da vida pública. A recusa de Bolsonaro em assumir a responsabilidade de governar levanta dúvidas sobre os reais motivos que o levam a fazer tudo por sua reeleição”.
É importante observar que, na amostra do Radar de Imprensa, a presença de clippings que abordam a participação da juventude no processo eleitoral tem sido uma constante pelo menos desde março, quando esta análise passou a investigar a cobertura da educação sob a ótica das eleições. Conforme matéria do Jornal Nacional (17/08), da Rede Globo, o número de eleitores adolescentes vinha caindo no Brasil nos últimos anos, mas a tendência se inverteu. “Mais de 2 milhões de brasileiros de 16 e 17 anos, que não são obrigados a votar, tiraram o título de eleitor e vão às urnas em 2022. É mais do que o dobro do número da eleição de 2020”, registrou a reportagem, com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Combate às desigualdades
Em termos de robustez de apuração, a interface das eleições com o tema da desigualdade racial ou de gênero na educação pendeu para o trato da questão racial. Em um número significativo de inserções, a cobertura jogou luzes sobre a Lei de Cotas (Lei no 12.711/2012), que completou dez anos em agosto. Como era previsto desde sua criação, a lei deve agora passar por um processo de revisão. Por isso as matérias abordaram como a questão está sendo incluída nos programas e a posição dos candidatos a esse respeito:
-
- Em 12/08 e em 22/08, no G1: “O que é a revisão da lei de cotas em universidades federais” e “Revisão da Lei de Cotas nas universidades federais: o que dizem os candidatos à Presidência?”.
- Em 24/08, na Carta Capital: “Novatos, de direita e em busca da reeleição: quem são os anticotas no Congresso”.
- Em 24/08, na Folha de S.Paulo: “Bolsonaro repete 2018 e ignora política para negros em programa de governo”.
- Em 29/08, em O Estado de S.Paulo: “Cotas nas universidades: veja o que candidatos à Presidência planejam sobre o assunto”.
Na amostra como um todo, o tema da “equidade e inclusão” ficou em segundo lugar entre os principais tópicos de interesse do Observatório de Educação no bimestre julho/agosto – perdeu apenas para “Estrutura organizacional e políticas públicas”, o campeão invicto deste ano, que abrange um amplo guarda-chuva de assuntos da cobertura.
A equidade racial foi pauta forte também fora do recorte sobre eleições, reverberando em muitas matérias (exemplos de reportagem aqui e aqui, e tradução de entrevista com o historiador Ibram X. Kendi aqui). No nicho dos textos opinativos, recomenda-se a leitura dos artigos “Promoção da equidade racial por meio da educação é urgente”, de Midiã Noelle (Folha de S.Paulo, 11/08), e “Por uma educação democrática e antirracista” (Estadão, 16/07), no qual Nilma Lino Gomes trouxe de forma clara o seu recado: “Num país racista, não basta dizer que queremos uma educação democrática e com qualidade social para que negras e negros tenham o direito de permanecer na escola com dignidade desde a educação básica até o ensino superior. E para que os não negros aprendam a ser antirracistas. Há que mexer nas relações de poder, nos espaços de representação política, no mercado de trabalho, bem como nas diretrizes e nas bases da educação”.
Por fim, ainda sobre equidade e inclusão, destacaram-se no clipping tabulado notícias sobre os reflexos da fome – mazela que era dada como superada, mas que voltou a assombrar o país – na educação. Ilustram esse conjunto a reportagem “Minha filha nasceu desnutrida: 10 milhões de crianças sobrevivem em famílias com R$ 300 por mês” (republicação de conteúdo da BBC News Brasil no UOL em 14/07) e “Estudar ou comer? Com crise e sem bolsa, jovens desistem de fazer faculdade” (TAB/UOL, 03/08) e o artigo “Crianças e adolescentes num país faminto”, de Raquel Franzim e Ana Claudia Cifali (O Estado de S.Paulo, 07/08).
Presença de temas de interesse do Observatório de Educação
Amostra total: 309 inserções (RM)
Políticas públicas, conectividade e pandemia
Por óbvio, muitas inserções sobre equidade, diversidade, finanças e juventudes, entre outros tópicos, justapõem-se ao tema “Estrutura organizacional e políticas públicas”. Para evitar repetição, fica o registro de que o clipping de julho e agosto também trouxe com alguma ênfase reportagens sobre a atuação do Ministério da Educação (MEC); educação domiciliar (homeschooling); diferentes visões da população sobre educação (pauta de costumes); o uso de práticas de educação a distância na formação docente; e a recente troca de comando no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Os reflexos da pandemia de Covid-19 na educação foram retomados sob o ângulo da necessidade crescente de conectividade como indutora de igualdade, já que o ensino híbrido dá sinais de que veio para ficar, bem como da saúde mental dos estudantes; sua readaptação à dinâmica das aulas presenciais; questões socioemocionais dos alunos; práticas de reforço escolar; defasagem de aprendizagem; e evasão.
Houve reportagens de balanço sobre educação e pandemia, como “Brasil completa 1 ano de reabertura de escolas com diagnóstico precário” (Folha de S.Paulo, 13/08), ou a matéria do portal Porvir baseada nos resultados da pesquisa TIC Educação 2021 – “Para 93% dos professores, defasagem na aprendizagem é principal problema deixado pela pandemia” (12/07). Todavia, apesar de a defasagem gerada pela pandemia ser uma pauta de grande prioridade para a educação nacional, e ainda que tenha sido abordada em meses anteriores, ela foi pouco retomada com a perspectiva do debate de propostas e planos de ação dos políticos em exercício no Executivo, assim como dos que se apresentam como candidatos para as próximas eleições.