Introdução

Os recentes ataques em escolas têm deixado uma marca profunda na educação e nas comunidades escolares brasileiras. Além disso, se tornaram foco de preocupação de pesquisadores e lideranças políticas.

Até o ano de 2002, o país não havia registrado nenhum episódio desse gênero. Porém, pouco mais de 20 anos depois, já houve mais de 20 casos - sendo mais da metade deles ocorridos desde 2019, segundo levantamento do Instituto Sou da PazAbre em uma nova guia.

Esta mudança de realidade transformou a maneira como a segurança é vista nas escolas. Os episódios de violência extrema levantam questionamentos sobre as causas, consequências e, principalmente, as formas de prevenção.

Os primeiros estudos apontam que o stress emocional, o bullying, a falta de resolução adequada de conflitos, bem como o isolamento e exposição a discursos de ódio nas redes sociais são fatores presentes na maioria dos casos.

Entretanto, é preciso nos aprofundarmos nesses temas complexos para desenvolver ações políticas públicas de prevenção que apoiem as escolas.

Por isso, traremos neste especial pesquisas recentes sobre o fenômeno e caminhos possíveis para as comunidades escolares conseguirem construir um ambiente escolar mais seguro.

Ataques em escolas: as origens e semelhanças entre os casos

O Brasil registrou seu primeiro ataque armado a uma escola em Salvador, Bahia, no ano de 2002. Hoje já foram registrados pelo menos 24 ataques, sendo 17 deles ocorridos a partir de 2019.

Esses episódios têm apresentado características semelhantes. A idade média dos agressores é de 16 anos e, em pelo menos 90% dos massacres, os autores eram alunos ou ex-alunos da escola atacada, o que mostra um vínculo emocional na decisão de cometer o crime.

Os casos sem relação prévia do agressor com a instituição são justamente os dois que envolvem ataques às creches.

Embora exista uma combinação complexa de fatores individuais, familiares, escolares e sociais que leva a esses eventos, a pesquisa em andamento “Ataques de Violência Extrema nas Escolas do Brasil”, da UNICAMP, encontrou algumas semelhanças no perfil dos agressores.

Primeiro, todos são homens, o que mostra que se trata de um fenômeno do universo masculino. Além disso, muitos tiveram histórico de problemas ou sofrimento na escola, como terem sido vítimas de bullying ou sofrido suspensão, e apresentaram tendência ao isolamento, como conta Telma Vinha em webinar promovido pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca).Abre em uma nova guia

Este fato também é detalhado pelo relatório “O Extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”:

“Os alvos de cooptação pelo discurso de extrema-direita são majoritariamente adolescentes brancos e heterossexuais, e a misoginia exerce um papel crucial no processo. Frustração sexual e raiva do mundo, dentre outros processos típicos da adolescência, são mobilizados em espaços de discussão online. Não à toa, mulheres são alvos frequentes de atiradores em massa.”

O discurso de ódio mostra-se também como um padrão entre os agressores, que encontraram acolhimento em grupos na internet de extrema direita. Algumas dessas comunidades chegam a cultuar aqueles que cometeram atos violentos e compartilham vídeos que enaltecem atiradores e supremacistas brancos, como aponta nota técnicaAbre em uma nova guia do Monitor do Debate Político do Meio Digital, da USP.

O número de ataques se intensificou no Brasil a partir de 2019, mesmo ano em que se iniciou um governo federal que incentivou discursos de ódio e atos intimidatórios contra professores e a instituição escolar como um todo.

O Observatório Judaico dos Direitos Humanos no BrasilAbre em uma nova guia apontou que entre 2019 até 2022 houve um aumento de 760% nas ocorrências de violações neonazistas e antissemitas em escolas brasileiras.

O mês que mais registrou ataques no Brasil foi o de abril, o mesmo em que ocorreu o Massacre de Columbine, em 20 de abril de 1999, no Colorado, nos Estados Unidos. O episódio é considerado um marco inicial dos ataques em escolas no mundo.

O dia 20 de abril tem outro motivo de celebração por grupos extremistas, pois é o dia do nascimento de Adolf Hitler. A repetição de ataques em datas específicas ou nas semanas seguintes a outros ataques é uma característica do efeito contágio, como mostra uma reportagem do Washington PostAbre em uma nova guia.

Outra conexão entre esses e outros casos é a estética. Roupas pretas, sobretudos, botas e coturnos e, em pelo menos cinco casos, a mesma máscara de caveira, símbolo utilizado por vários grupos neonazistas, foram usadas pelos autores nos ataques.

Nesse sentido, a recente decisão de muitos veículos de imprensa de não divulgarem fotos, nomes, vídeos ou outros detalhes dos agressores se mostra acertada, pois evita o efeito contágio e também barra um outro objetivo que eles buscam: a fama e o reconhecimento entre colegas de escola e de grupos virtuais, como aponta nota da JeducaAbre em uma nova guia.

No entanto, a divulgação correta desses fatos pode ajudar na recuperação da comunidade, como aborda este artigoAbre em uma nova guia da revista Education Week.

Para aprender métodos para os ataques, é comum os agressores procurarem informações por meio da internet pela Deep Web e, mais recentemente, em redes sociais e chats de jogos on-line, segundo a pesquisa da Unicamp.

Outras semelhanças menos frequentes são gosto pela violência e culto a armas, mobilidade econômica descendente da família, com desemprego, falta de perspectiva e propósito.

O levantamento do Instituto Sou da Paz diz ainda que, durante o planejamento, muitos agressores buscam acesso a armas e, quando conseguem, os ataques se tornam ainda mais mortais.

Embora, no Brasil, a maior parte dos massacres tenha sido com armas brancas, os casos com armas de fogo deixaram três vezes mais pessoas mortas. Em 60% destes episódios, as armas foram obtidas dentro da própria residência do agressor e pertenciam ao pai, mãe ou algum outro parente e grande parte deles trabalhavam na área da segurança como policiais, peritos ou guardas.

Não se pode deixar de relacionar também o aumento no número de ataques a partir de 2019, mesmo ano em que se iniciou um governo federal que liberou facilidades para compra de armas por pessoas civis, o que aumentou exponencialmente o número de armas em circulação no Brasil.

Ações de prevenção e fortalecimento do ambiente escolar

 Ministério da Educação gov.br

Em palestra no 1º Seminário Internacional sobre Segurança e Proteção no Ambiente EscolarAbre em uma nova guia, o especialista em saúde educacional da Universidade Michigan Justin Heinze apresentou dados que mostram que em 90% dos ataques nos Estados Unidos um professor ou aluno havia percebido sinais de que o estudante poderia ser perigoso para si mesmo ou para os outros. Em 75%, pelo menos três pessoas viram os mesmos sinais, mas em ambos os casos, não comunicaram a suspeita para ninguém.

Na mesma explanação, Heinze diz que um dos mitos sobre ataques em escolas é que os transtornos mentais causam situações de violência. Na verdade, é a exposição a uma primeira violência, seja em casa ou na escola, que pode levar esta vítima a desenvolver transtornos.

Em alguns casos, a resposta pode ser a repetição deste trauma não tratado, se tornando um dos fatores para o agredido criar novos atos de violência. Então, podemos dizer que é a violência que causa transtornos mentais e não vice-versa.

Além disso, em pelo menos 20 casos levantados, houve planejamento por semanas ou meses, revelando que não se tratam de atitudes impulsivas e que existe um prazo hábil para que a comunidade escolar seja capaz de notar mudanças de comportamento ou atos preparatórios.

O governo federal, por meio do Decreto 11.469Abre em uma nova guia, de 5 de abril de 2023, criou um grupo de trabalho interministerial com a coordenação do Ministério da Educação (MEC) para realizar estudos de prevenção e enfrentamento da violência nas escolas.

O decreto também destina R$150 milhões para estados e municípios instituírem “programas de apoio à constituição e à capacitação de rondas escolares e órgãos similares, no âmbito das polícias estaduais e das guardas municipais”.

Outra medida foi o lançamento da Cartilha de Recomendações para Proteção e Segurança no Ambiente EscolarAbre em uma nova guia.

Para instituições de ensino são 16 recomendações, entre elas conhecer e estabelecer diálogo com os serviços de segurança pública e com a rede de serviços públicos de saúde mental que atendem a região para que a comunidade seja treinada a identificar sintomas de sofrimento ou cooptação por grupos extremistas.

Outras medidas são formular um guia próprio para a ação local, designar responsáveis e promover campanhas de informação.

Além disso, recomenda-se criar espaços e processos inclusivos de acolhimento para alunos, familiares e funcionários, fortalecer conselhos curumins, grêmios e outras associações de alunos e de pais e responsáveis.

A desinformação e o repasse de boatos pelas redes sociais e aplicativos de mensagens são um efeito colateral que apenas amplia a sensação de medo e piora a segurança no ambiente escolar. Portanto, em caso de suspeita sobre planejamento de ato violento, deve-se comunicar às autoridades por meio do formulário Escola SeguraAbre em uma nova guia.

Conhecendo materiais de orientação e exemplos

Aumentar a sensação de pertencimento e evitar o isolamento dos estudantes são medidas essenciais para construir um ambiente escolar saudável.

Por isso, decisões extremas na solução de conflitos, como suspensão ou expulsão, são problemáticas, porque tratam sobre punição e não de mediação para resolver impasses, como aponta um estudo publicado na Gerais: Revista Institucional de PsicologiaAbre em uma nova guia.

Considerou-se que o contexto escolar pode ser um importante ambiente de proteção para o desenvolvimento saudável, sendo o acesso e a permanência dos adolescentes na escola cruciais no estabelecimento de ações preventivas e de enfrentamento da prática de atos infracionais.

Segundo a cartilha do curso Comunidade Escolar na Prevenção e resposta às Violências, publicada pelo Unicef, em 2022Abre em uma nova guia, “as escolas têm um papel importante nessas situações e precisam ter medidas para evitar que a própria instituição de ensino favoreça a produção de violência e violação de direitos.”

Nesses casos, é preciso levar em conta todos os que fazem parte da instituição e os diferentes tipos de relação que se estabelecem entre eles. Quando a violência é praticada por um profissional da escola, trata-se de uma violência institucional, por parte de quem deveria atuar na proteção.

Além disso, a violência da escola também pode se dar entre os estudantes, sendo o bullying um dos principais exemplos. No mundo, aproximadamente um em cada três estudantes sofre esse tipo de violência.

Por isso, é importante irmos a algumas definições. De acordo com a Lei 13.185Abre em uma nova guia, de 2015, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying): “considera-se intimidação sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas”.

A mesma lei define também o cyberbullying: “Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (cyberbullying), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial”.

Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2019Abre em uma nova guia, no Brasil, 23% dos estudantes de 13 a 17 anos afirmaram que, em um mês, se sentiram humilhados por provocações dos colegas em duas ou mais vezes.

Em relação aos motivos pelos quais sofreram bullying, os estudantes declararam como os mais frequentes: aparência do corpo (16,5%), aparência do rosto (11,6%) e cor ou raça (4,6%), todos estes motivos são apoiados em preconceitos e discriminação.

Em ambientes digitais, 13,2% dos estudantes de 13 a 17 anos disseram que se sentiram ameaçados, ofendidos ou humilhados nas redes sociais ou aplicativos de celular nos 30 dias anteriores à pesquisa.

O índice é maior entre as meninas (16,2%) do que entre os meninos (10,2%), o que mostra uma tendência ao preconceito de gênero. Por outro lado, 12% dos estudantes de 13 a 17 anos disseram que praticaram algum tipo de bullying.

Para lidar com o tema, o primeiro passo é estabelecer um canal de comunicação para que os alunos se sintam seguros em contar para professoras ou coordenadoras de casos como se sentem. Trabalhar o tema em atividades em grupo também pode ser de grande valia para estreitar laços e estimular um respeito maior entre os estudantes.

Na Escola Estadual Professor Cid Boucault, em Mogi das Cruzes (SP), professoras, alunos, pais e responsáveis produziram um vídeo sobre ciberbullyingAbre em uma nova guia em formato de telejornal. O projeto foi realizado em 2020, no primeiro ano da pandemia de covid-19, durante o período de ensino remoto.

Como resposta, houve uma boa reflexão sobre as formas de preconceito não apenas dentro da escola e estudantes e familiares apresentaram um retorno positivo, segundo depoimento da comunidade escolar.

Outra questão endereçada às escolas são os casos de sofrimento mental. De acordo com relatório do UNICEF, estima-se que 13% de meninas e meninos com idade entre 10 e 19 anos vivam com algum transtorno mental. Ansiedade e depressão são os transtornos mais comuns, representando 40% e o suicídio é a quinta causa de morte mais prevalente.

A cartilha do Unicef diz ainda que, ao identificar em algum estudante os sinais de sofrimento mental, é importante conversar com ele sobre a situação observada, a necessidade de buscar ajuda e se há um adulto de confiança com quem seja possível falar sobre o assunto.

O papel do profissional da educação não é o de diagnosticar a gravidade do sofrimento mental, mas saber quando buscar ajuda, como abordar e encaminhar os casos. Casos suspeitos ou confirmados de violência autoprovocada (suicídio consumado, tentativa de suicídio e ato de automutilação, com ou sem ideação suicida) devem ser obrigatoriamente notificados ao Conselho Tutelar e à a família, como determina a Lei 13.819, de 2019Abre em uma nova guia.

Se a situação envolve risco de vida, como uma tentativa de suicídio, um serviço médico ou de resgate de emergência deve ser acionado imediatamente. O número 192 pode ser usado para acionar o SAMU e o número 193 para acionar os Bombeiros.

Os educadores também precisam estar atentos a outros casos de violência, já que é possível que um professor ou outro profissional da escola seja a primeira pessoa a quem uma criança ou adolescente relatará uma violência sofrida em casa ou em outro lugar.

Mesmo sem uma revelação espontânea da vítima, é possível que ela dê sinais que podem ser percebidos. Neste caso, a comunidade escolar também precisa se entender como parte de uma rede de proteção da criança e do adolescente, que envolve outras instituições, como Conselhos Tutelares, serviços socioassistenciais, unidades de saúde, sistema de justiça e oferecer ajuda e acompanhamento.

No caso da cooperação com a justiça, a ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), declarou 2023 como o Ano da Justiça Restaurativa na Educação.

A iniciativa tem a intenção de difundir os conceitos e a prática desse tipo de abordagem para o ambiente escolar, conforme a Resolução CNJ n. 458/2022. O projeto Justiça Restaurativa nas EscolasAbre em uma nova guia traz a seguinte definição:

O objetivo do projeto é oferecer formações para que educadores possam revisitar suas crenças e teorias acerca das questões sobre conflitos e violência e adquirir repertório para atuar na transformação da convivência e da gestão das escolas.

O foco são as necessidades de todos os envolvidos, a responsabilização ativa daqueles que contribuíram para o fato danoso e o empoderamento da comunidade, destacando a necessidade de reparação do dano e da recomposição do tecido social rompido e as implicações para o futuro.

Este projeto foi implementado nas escolas municipais de Santos, SP, e entre 2014 e 2018 o número de casos de agressão, bullying, indisciplina, vandalismo e outros conflitos escolares que iam para a Justiça caiu 85%Abre em uma nova guia.

Limites das ações exclusivamente de segurança

Com a tendência de alta dos casos depois de 2019, surgiram dezenas de projetos de lei defendendo que a solução seria reforçar a segurança nas escolas com agentes armados ou medidas de vigilância e maior controle na entrada de pessoas. Porém, os estudos mostram que não há evidências de que esse tipo de iniciativa seja realmente efetiva.

A segurança pública não deve e nem pode ser excluída deste debate, mas é preciso apontar que ela é acessória e não principal. Uma maneira de avaliar é olhar para o exemplo dos Estados Unidos que, desde 1999, registraram pelo menos 377 ataques a escolas, de acordo com um levantamento feito pelo jornal The Washington Post.

De acordo com reportagem da BBCAbre em uma nova guia, este aumento ocorreu após a pandemia e, contraditoriamente, depois de investimentos bilionários em medidas de segurança. Hoje, 90% das escolas estadunidenses têm circuito interno de câmeras e 43% têm botão de pânico interligado à polícia.

Porém, ainda não há evidências científicas de que essas medidas coíbem ataques. Uma pesquisaAbre em uma nova guia do Instituto Nacional de Justiça dos EUA, publicada em 2021, avaliou todos os casos entre 1980 e 2019 e concluiu que o número de mortes em escolas com guardas armados tendia a ser quase três vezes maior do que naquelas sem seguranças armados.

Embora alguns estudos sugiram que manter agentes armados na escola possa desencorajar brigas entre grupos de adolescentes, o impacto sobre massacres é discutível e pode levar a outros problemas, como reproduzir violências e opressões sobre alunos de camadas mais vulneráveis.

A presença de agentes armados no ambiente escolar também estaria ligada ao aumento do absenteísmo estudantil, especialmente entre alunos de camadas mais vulneráveis da população e passa a mensagem de que a escola não é capaz de solucionar os próprios conflitos.

Como medidas de segurança efetivas para a realidade brasileira, o Instituto Sou da Paz aponta o fortalecimento das rondas escolares, com criação de vínculos entre a direção da escola e batalhões de polícia locais, além do aumento do controle e fiscalização da compra de armas de fogo e munições.

Impedir o acesso facilitado de crianças e adolescentes a armas é uma medida de eficácia comprovadaAbre em uma nova guia que poderia ter impedido muitas mortes. Isso porque em 60% dos casos de ataques com uso de armas de fogo no Brasil, os agressores usaram as armas que já estavam dentro da própria casa onde moravam e pertenciam aos pais ou outro parente.

A influência da Pandemia

A pandemia de Covid-19 jogou luz sobre os problemas de saúde mental que já vinham se desenvolvendo em grande número de pessoas, inclusive em estudantes e comunidades escolares, e foi ainda um fator agravante.

O isolamento social, bem como o afastamento das escolas e das redes de atendimento e proteção possibilitaram um aumento no número de casos de violência em casa e deixam consequências duradouras.

O medo coletivo do novo vírus, bem como os traumas gerados por essas violências ou perdas de parentes também são fatores importantes.

Em pesquisaAbre em uma nova guia feita em 2023, no estado de São Paulo pela Apeoesp e o Instituto Locomotiva, 95% dos estudantes, 91% dos professores e 95% de familiares de alunos concordaram que questões de saúde mental, como esgotamento, ansiedade e outros problemas se tornaram mais relatados por professores e estudantes no pós-pandemia.

A defasagem no ensino é outro agravante. Alguns estudantes apresentam também mais baixa tolerância a frustrações e comportamentos agressivos, o que pode ser um resultado de um longo período quando as relações reais foram suspensas e as virtuais intensificadas.

Com relação aos ataques, o crescimento dos casos no pós-pandemia também tem sido relacionado como um possível desdobramento porque, durante os períodos de isolamento social, o consumo de jogos eletrônicos cresceu, o que deixou os jovens mais expostos à cooptação por grupos que propagam discursos de ódio.

As pessoas mais aptas para perceberem as consequências de bullying ou outros problemas que podem levar à radicalização dos jovens são as mais próximas, sejam pais e cuidadores, líderes de comunidades físicas ou virtuais, amigos, colegas e professores. Mas esta não é uma situação para uma pessoa só lidar sozinha.

Intersetorialidade e outras medidas importantes

De acordo com Wagner Roberto do Amaral, da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), em palestraAbre em uma nova guia no 1º Seminário Internacional sobre Segurança e Proteção no Ambiente Escolar, a escola está vinculada à política de educação, de modo fragmentado e pressupõe uma pactuação dos sistemas e redes.

Um fator de desproteção é também a fragmentação das políticas educacionais e demanda pessoas capazes de tecer uma rede além da escola para mediar e construir esse pacto de enfrentamento à violência. São necessários criar canais de escuta, ouvir estudantes das minorias, além de ações políticas de gestores municipais e estaduais.

“Talvez, a chave da proteção social e da segurança seja garantir a permanência com qualidade, significa garantir inclusão efetiva, crítica, criativa, emancipatória, todos aqueles aspectos que a gente já acredita, já estudou, mas que de fato é muito difícil de ser implementado. A tarefa pactuada significa chamar os demais serviços, os demais poderes para uma tarefa que é imensa”.

Desde 2019, a lei 13.935Abre em uma nova guia prevê a atuação de psicólogos e assistentes sociais nas escolas da educação básica, mas nem todas as secretarias chegam a cumprir a regra. Até no maior estado do país, houve um período de interrupçãoAbre em uma nova guia deste serviço para alunos e professores.

Para além dos guias de orientações, o governo federal e o Ministério da Educação devem criar condições e integrações para possibilitar a instituição de medidas efetivas dentro e fora das escolas, sejam municipais ou estaduais.

A construção de mais diagnósticos também é fundamental e o Ministério da Justiça e Segurança Pública, pela competência legal, está em posição privilegiada para solicitar aos estados inquéritos e processos judiciais para fins de pesquisa científica, com apoio de pesquisadoras, organizações da sociedade civil e universidades.

Como os ataques têm evidências de um processo de radicalização de jovens usuários de redes sociais, é importante construir uma legislação que responsabilize as plataformas digitais por falta de moderação de conteúdo extremista, demora ou ausência de respostas em casos de denúncias.

A portaria instituída pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, em abril de 2023, permitindo a abertura de processos investigativos pela Secretaria de Defesa do Consumidor contra as plataformas e com potencial de levar à suspensão das mesmas gerou um retorno mais célere de cooperação e redução do número de denúncias de ameaças contra escolas. O monitoramentoAbre em uma nova guia começou em 05/04 com 400 denúncias por dia, chegou a ter pico de 1.700 e em 18/04 (após a portaria) já tinha reduzido para 170.

Por fim, o aumento no controle do acesso a armas de fogo, bem como a revisão de facilitações para permissão da entrada de adolescentes em clubes de tiro ou em stands de airsoft, ainda que acompanhados de um responsável, são medidas que podem dificultar novos ataques com armas de fogo.