Inteligência geográfica: como dados geoespaciais contribuem com a gestão educacional.
Saiba o que é inteligência geográfica e como ela pode beneficiar a gestão educacional.
Introdução
Usamos serviços de geolocalização o tempo todo: seja em aplicativos de entregas, de transporte ou de planejamento de rotas. Características geográficas nos ajudam, todos os dias, a tomar decisões sobre em qual restaurante ir ou qual caminho tomar, por exemplo.
O que a maioria das pessoas não sabe é que, na área da gestão educacional, este tipo de informação pode ser muito útil.
Por isso, vamos abordar aqui o que é inteligência geográfica e apresentar alguns casos que podem servir de inspiração para escolas e secretarias de educação.
Para garantir a você uma experiência profunda sobre o tema, compartilhamos links para outros materiais do Observatório de EducaçãoAbre em uma nova guia ao longo do texto.
Utilize-os para uma leitura ainda mais rica e completa sobre maturidade analítica e conheça inúmeras oportunidades a serem exploradas.
Este é um especial que integra o projeto Ciência de Dados na Educação do Instituto Unibanco em parceria com o CRIE (Centro de Referência em Inteligência Empresarial, da COPPE/UFRJ).
O que é inteligência geográfica
A inteligência geográfica, ou GeoAnalytics, envolve o estudo de componentes e variáveis de natureza espacial ou geográfica, que são capazes de explicar e traduzir fenômenos de ordem social, econômica ou ambiental. A definição é de Eduardo de Rezende Francisco, professor de Data Science e GeoAnalytics da FGV EAESP.
Ele relembra que o termo "inteligência geográfica" passou a ser usado para se referir ao uso da perspectiva geográfica nas tomadas de decisão nas empresas. "Aproximadamente 70 a 80% das informações relevantes nos processos decisórios, pessoais ou profissionais, têm caracterização espacial", comenta o professor.
Por intermédio do grupo de estudos de Big Data e Geoinformação (GisBI), ele e seus colegas optaram por renomear o termo: GeoAnalytics, em especial pela disseminação do Big Data e analytics.
Essa análise do contexto espacial pode apontar padrões e gerar visualizações de dados sob uma abordagem territorial. Insights que podem passar despercebidos em uma enorme planilha são revelados em imagens e padrões visuais fáceis de reconhecer.
Isso pode tornar as previsões mais rápidas, fáceis e precisas, assim como trazer maior equidade na distribuição de recursos e melhor adaptação desses recursos às necessidades das comunidades locais.
"A perspectiva territorial ajuda a compreender questões centrais, seja na saúde, educação, políticas públicas, marketing, entre outros", avalia o professor da FGV.
Nesse sentido, o uso de dados geolocalizados e a combinação com outros disponíveis, como socioeconômicos, por exemplo, são extremamente relevantes na gestão educacional. Isso porque levam em consideração as restrições geográficas, os desafios sociais e as realidades econômicas locais.Abre em uma nova guia
O cruzamento de dados do sistema educacional com informações georreferenciadas permite que gestores educacionais desenvolvam políticas altamente contextualizadas.
Governos podem, por exemplo, ter um mapa das escolas e analisar se elas atendem o território, se estão a uma distância adequada das casas dos alunos ou se as rotas de transporte estão planejadas de modo eficiente.
Impactos da análise geoespacial na educação
A Comissão de Educação Abre em uma nova guiaelencou cinco maneiras pelas quais as organizações estão aproveitando dados e análises geoespaciais para visualizar e resolver alguns desafios da educação. Veja a figura abaixo:
De acordo com Amélie A. Gagnon, Diretora de Desenvolvimento do Instituto Internacional de Planejamento Educacional da Unesco, o uso de dados geoespaciais é uma maneira muito eficiente de visualizar dados e comunicar desafios políticos que, de outra forma, seriam difíceis de entender.
"Bons mapas são excelentes ferramentas para compartilhar, entender, convencer e também informar sobre os diferentes investimentos em educação", relatou. No vídeo abaixo, ela responde a quatro questões sobre o uso de dados geoespaciais no setor educacional (em inglês).
Na experiência de Amélie, os melhores planejamentos que utilizaram análise geoespacial foram aqueles que contaram com a participação das comunidades nos quais seriam implementados ou que ao menos levaram em consideração as especificidades locais.
"Geralmente os orçamentos anuais são limitados para contratar professores, realizar visitas para avaliações, decidir onde construir novas escolas ou reformar as existentes. Por isso é preciso direcionar as intervenções e hierarquizar os programas", explicou.
"A geografia está no centro do planejamento educacional porque é a única variável que pode garantir que os recursos certos sejam alocados nos contextos certos. A utilização de dados geoespaciais permite desenhar políticas e programas que respondam a realidades específicas, e que não seriam eficientes se fossem aplicados a nível nacional. Por exemplo, em áreas onde a insegurança alimentar dificulta o aprendizado, programas de alimentação escolar podem ser implementados, mas podem não ser relevantes onde o maior desafio é outro, como livros didáticos desatualizados".
Hoje em dia, existem diversas tecnologias que oferecem esses dados, possibilitando o desenvolvimento de políticas educacionais mais adequadas aos contextos específicos.
"Uma das análises que gosto de fazer é comparar o tempo de deslocamento até a escola com a distância percorrida. Historicamente, e especialmente durante o período anterior à generalização dos dados geoespaciais e das ferramentas de processamento, as áreas de influência em torno das escolas foram identificadas com buffers [funções de proximidade]: esperava-se que as pessoas que viviam em um determinado raio em torno de uma escola frequentassem aquela escola específica e não outra. Isso faz sentido, claro, e permite ao governo garantir que todos os lugares povoados sejam cobertos por uma rede escolar", exemplifica Amélie.
"À medida que a quantidade e a qualidade dos dados geoespaciais aumentam, conseguimos examinar as diferentes rotas que as pessoas estão percorrendo para chegar à escola. Isso nos permite comparar a área teórica ao redor de uma escola com a distância real a ser percorrida e o tempo estimado de viagem".
O professor Eduardo Francisco acrescenta que a lógica geoespacial ajuda não apenas na alocação dos alunos e na distribuição dos recursos, mas também no engajamento da comunidade com os professores.
Apesar dos grandes benefícios da inteligência geográfica, o uso de dados geoespaciais ainda é incipiente pelas organizações, em parte por conta de questões culturais e da falta de pensamento geográfico por parte das lideranças.
"Alexandre Humbolt já falava no século retrasado que a geografia é uma ciência integrativa. Na década de 1940, as escolas de Ciências Sociais Aplicadas, de maneira geral, tinham na sua formação uma disciplina ligada à geografia. A Universidade de Harvard na época fechou o departamento de Geografia, pois tinham a impressão de que ela já fazia parte do currículo de todos os cursos e não precisava ter um departamento específico. Vários outras universidades do mundo também o fizeram em seguida. As escolas brasileiras seguiram Harvard e geografia saiu do currículo. Como consequência, a maioria dos líderes que estão ocupando posições nas empresas de tomada de decisão, de liderança de impacto, viram geografia até o ensino médio, e de maneira muito pouco convidativa, mais de decorar e menos de experimentar", explicou ele.
Movimentos recentes podem reverter essa situação, como a criação de salas de decisão implantadas pelo poder público em esfera municipal e estadual, que contam com dashboards apresentando mapas do território de atuação como plataforma de visualização e análise, e disseminam a linguagem.
"Também vale mencionar que o Brasil tem uma organização de informações geográficas superior a muitos países. O Brasil e a Austrália hoje são benchmarks na produção e organização de dados geográficos no mundo. Ninguém tem um setor censitário, que é a menor unidade de publicação de dados do censo, tão detalhado como nós. Os outros censos do mundo têm a mesma lógica, mas com polígonos bem grandes. O do Brasil é muito rico em informação, 100% gratuito. Isso possibilita um apoio à gestão pública e um uso por universidades bastante abrangente, permitindo pesquisas excepcionais", comentou o professor.
Conheça alguns casos na educação
A inteligência geográfica tem se mostrado uma poderosa ferramenta para aprimorar a gestão educacional.
Selecionamos casos nos quais ela foi aplicada na gestão educacional, proporcionando uma abordagem mais estratégica e informada para melhorar a qualidade da educação. Confira.
Implantação do turno único nas escolas municipais do Rio de Janeiro:
O Planejamento Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro previa que 35% das matrículas deveriam estar em Turno Único em 2016.
O desafio era, assim, saber onde e quantas escolas precisariam ser construídas para a implementação do Turno Único.
Para chegar a uma solução na época, foram organizadas as bases geográficas e desenvolvida uma metodologia de cálculo da demanda por escola e déficit de salas.
Além disso, foram desenvolvidas aplicações web baseadas em ArcGIS Server para manutenção das bases de dados necessárias e realizadas análises espaciais para geração de soluções por microáreas da cidade, inclusive para estimar a população por faixa etária com abordagem espacial.
Foram utilizadas imagens georreferenciadas para identificar terrenos e imóveis para construção de novas unidades, assim como áreas impróprias à ocupação. Na sequência, foram priorizadas microáreas e enviadas à RioUrbe para finalização do projeto físico e licitação das obras.
A integração e o compartilhamento de informação geográfica entre órgãos foram essenciais para a execução eficiente de políticas públicas municipais.
Uma legislação sancionada em 2022 determina que o município deverá oferecer turno integral de, no mínimo, 7 horas, a todos os alunos da rede pública, até 2031. Saiba mais aqui Abre em uma nova guia.
Acesso ao ensino remoto durante a COVID-19:
Dois dos maiores distritos escolares dos EUA na Filadélfia e Palm Beach, na Flórida, examinaram a exclusão digital para fornecer recursos a estudantes de baixa renda quando foram forçados a estudar em casa na pandemia.
Por meio de mapas e análises espaciais, os distritos analisaram as necessidades das crianças em idade escolar forçadas a estudar em casa, recorrendo ao mapeamento e aos dados para determinar onde as necessidades eram maiores.
Os dados analisados continham informações demográficas relacionadas a cada aluno, que foram exibidas como camadas em um mapa mostrando onde a renda era mais baixa.
Também foi analisado quem já havia acessado o portal de estudantes online. Isso ajudou a identificar onde colocar pontos de acesso Wi-Fi em postes para que alunos próximos pudessem acessar com um receptor especial. Saiba mais aqui Abre em uma nova guia (em inglês).
Combate ao absenteísmo:
O ArcGIS serviu como uma ferramenta de suporte à decisão para administradores e formuladores de políticas do Oakland Unified School District para tratar de absenteísmo.
Para entender melhor o absenteísmo dos alunos em Oakland, os dados sobre todos os alunos foram geocodificados e depois processados com o ArcGIS para determinar quantos dias de escola cada aluno perdeu e onde os alunos ausentes crônicos vivem.
Os 38.000 pontos de dados que representam os alunos foram agregados para que os indivíduos não pudessem ser identificados. Os dados foram mapeados para examinar variações dos ausentes no distrito escolar.
Isso foi sobreposto aos dados do censo para determinar se algumas áreas geográficas e/ou grupos populacionais eram mais propensas a absenteísmo do que outros e, se sim, por quê.
Além disso, esses dados foram examinados ao longo do tempo para verificar se as áreas com absenteísmo crônico histórico estavam melhorando ou piorando. Saiba mais aqui Abre em uma nova guia (em inglês).
Visualização de dados geoespaciais para a comunidade escolar:
O Departamento de Educação da Califórnia possui uma plataforma aberta à comunidade para visualizar e explorar informações sobre as escolas e os distritos escolares a partir de uma perspectiva geográfica, usando os mapas interativos da Web do Geo Hub e os arquivos de dados para download. Acesse aquiAbre em uma nova guia.
Mapa da conectividade das escolas:
O Project Connect, da Unicef, é um projeto para mapear, em tempo real, escolas e sua conectividade.
Isso servirá como base para trabalhar com governos e provedores de serviços para conectar todas as escolas à internet.
Até o momento, já foram localizadas no mapa mais de 2 milhões de escolas em mais de 130 países e, dessas, mais de 300 mil tiveram sua conectividade mapeada. ConfiraAbre em uma nova guia.
Dicas de ferramentas e softwares
A tecnologia tem desempenhado um papel cada vez mais relevante na educação, possibilitando tomadas de decisões informadas.
Listamos abaixo uma série de ferramentas e software que podem ajudar na análise geoespacial e serem úteis para profissionais da educação.
a) Mapa da população em idade escolar
Um dos objetivos mais importantes do planejamento educacional, principalmente no nível da educação básica, é garantir que todas as crianças frequentem a escola, preferencialmente na idade adequada.
Portanto, ter um método confiável para estimar o número de crianças e jovens por faixa etária relevante é crucial para o planejamento educacional.
A ferramenta estima a população em idade escolar por áreas, mapeando territórios. O código está disponível no GitHub. Em inglês. AcesseAbre em uma nova guia.
b) Cálculo das distâncias a pé das escolas
A acessibilidade física à escola é considerada condição indispensável para a garantia do direito à educação. Certas características do terreno podem tornar inacessível uma escola teoricamente próxima.
O tempo de viagem é, portanto, um indicador melhor e mais preciso da facilidade de acesso a uma escola. Isso exige o uso de isócronas (tempo igual para acessar uma escola, independentemente da distância) em vez de isodistâncias (distância igual de uma escola, independentemente do tempo de viagem) para determinar áreas de abrangência e se uma escola é acessível a partir de um determinado local.
A ferramenta possibilita calcular o tempo de viagem a pé. As isócronas podem revelar, analisadas em conjunto com a densidade populacional, como os alunos estão acessando as oportunidades de aprendizagem.
Além disso, podem ajudar a orientar estratégias para melhorar o acesso às escolas existentes ou a construção de novas instalações para atender populações de corte.
O código está disponível no GitHub. Em inglês. AcesseAbre em uma nova guia.
c) Identificação de áreas de risco
Novas escolas precisam ser construídas nos locais mais adequados para resistir aos perigos naturais. Por outro lado, as infraestruturas existentes precisam ser mantidas, reformadas ou realocadas.
Os departamentos de planejamento precisam de insights claros sobre a adequação do terreno e a presença de riscos naturais para antecipar investimentos em instalações e infraestrutura de educação.
Esta ferramenta utiliza análise de decisão multicritério para encontrar as áreas mais adequadas para instalações educacionais e identificar áreas de risco rapidamente.
O código está disponível no GitHub. Em inglês. AcesseAbre em uma nova guia.
Glossário de termos da ciência de dados
Dados geoespaciais: geralmente combinam informações de localização e informações de atributos com informações temporais. A localização fornecida pode ser estática a curto prazo ou dinâmica. De acordo com Amélie A. Gagnon, Diretora de Desenvolvimento do Instituto Internacional de Planejamento Educacional da Unesco, dados geoespaciais são informações que são geolocalizadas na Terra. Podem ser muito específicas, com um sistema de coordenadas, ou mais genéricas, como um bairro ou um estado.
Polígono: um polígono é um espaço fechado feito de pontos conectados por linhas. Os polígonos são usados para representar elementos que possuem uma área, como regiões, edifícios ou fronteiras de países. Por serem formados por pontos e retas, são considerados um tipo de vetor, podendo ser descritos por meio de coordenadas e funções.
Sistemas de Informação Geográfica (GIS, na sigla em inglês, e SIG em português): são sistemas automatizados usados para armazenar, analisar e manipular dados geográficos, ou seja, dados que representam objetos e fenômenos em que a localização geográfica é uma característica inerente à informação e indispensável para analisá-la.
Visualização geoespacial: ocorre quando usamos dados geoespaciais para criar visualizações (como mapas, modelos 2D e 3D). A visualização geoespacial desenvolve uma compreensão de alto nível sobre temas, padrões e tendências específicas na superfície terrestre.
Aprofunde seus conhecimentos sobre inteligência geográfica
Ao longo deste especial, apresentamos várias definições, casos e reflexões sobre inteligência geográfica.
Se você quer adquirir um conhecimento ainda mais profundo sobre o tema para aplicá-lo em seu trabalho, deixamos abaixo uma série de referências importantes que estão disponíveis aqui no Observatório de Educação. Confira:
Dados geoespaciais no planejamento e na gestão educacional
Página do Instituto Internacional de Planejamento Educacional (IIEP – na sigla em inglês) da Unesco, sobre uso de dados geoespaciais no planejamento e na gestão educacional. Em inglês.
Acesse aquiAbre em uma nova guiaPor que os líderes deveriam aprender Geografia e Estatística?
Artigo escrito por Eduardo de Rezende Francisco, professor de Data Science e GeoAnalytics da FGV EAESP, e Rubens de Almeida, engenheiro e jornalista, sobre a relevância da geografia e estatística para líderes.
Acesse aquiAbre em uma nova guiaEndereço da cidadania ou cidadania do endereço?
Artigo escrito por Eduardo de Rezende Francisco, professor de Data Science e GeoAnalytics da FGV EAESP, e Rubens de Almeida, engenheiro e jornalista, sobre endereçamento precário.
Acesse aquiAbre em uma nova guiaCinco maneiras pelas quais a análise geoespacial pode ajudar a visualizar e resolver alguns dos maiores desafios da educação
Artigo sobre os benefícios da análise geoespacial para a educação. Em inglês.
Acesse aquiAbre em uma nova guiaWebinar sobre uso de dados geoespaciais para planejamento educacional
Evento realizado pelo IIEP da Unesco sobre o tema, em fevereiro de 2021, que explica algumas das ferramentas apresentadas neste especial. Em inglês.
Acesse aquiAbre em uma nova guiaGisBI
Think tank e grupo de estudo de Big Data geoespacial, do qual a FGV EAESP, mais especificamente o Departamento de Tecnologia e Data Science, faz parte. Em português.
Acesse aquiAbre em uma nova guia