Governança de Dados na Educação: saiba como gerar valor a partir dos dados
Entenda o que é um programa de governança de dados, para que serve e como implementar
Introdução
Em outros especiais, abordamos a relevância dos dados para a gestão educacional e melhoria na aprendizagem e ensino. No entanto, para que os dados possam ser efetivamente transformados em conhecimento aplicável, subsidiando a tomada de decisão orientada por evidências, é fundamental que eles sejam de alta qualidade, relevantes e estejam acessíveis. A governança de dados contribui para que isso aconteça e ainda colabora com ações relacionadas à segurança e à privacidade dos dados que são considerados sensíveis.
Mas o que é governança de dados? Para que serve? Como as políticas e os guias de governança de dados são usados na educação? Como a governança de dados pode criar valor para as escolas e secretarias de educação? Este especial - que integra o projeto Ciência de Dados na Educação do Instituto Unibanco em parceria com o CRIE (Centro de Referência em Inteligência Empresarial, da COPPE/UFRJ) - é dedicado à governança de dados e pretende responder a essas e outras questões relacionadas à temática.
Para uma experiência ainda mais profunda sobre o tema, compartilhamos uma série de links para materiais do Observatório de Educação - Ensino Médio e Gestão ao longo do conteúdo. Utilize-os para uma leitura mais rica e completa sobre o uso de governança de dados na educação e conheça inúmeras oportunidades para serem exploradas.
O que é governança de dados, para que serve e como implementar
Governança de dados pode ser definida como um processo organizacional que estabelece diretrizes para aquisição, manutenção, segurança, armazenamento, controle e gestão dos dados, a fim de criar valor para a organização – seja uma empresa, uma escola, uma ONG, etc. Gwen Thomas, responsável pelo Data Governance Institute, organização com foco em compartilhar boas práticas e guias sobre o tema, argumenta que governança de dados é "um sistema de direitos e responsabilidades para processos relacionados à informação, executado em concordância com modelos que descrevem quem pode realizar quais ações, com qual informação, quando, sob que circunstâncias, e usando quais métodos".
Na definição da associação independente e sem fins lucrativos Data Management Association (DAMA), governança de dados é o "exercício de autoridade, controle e tomada de decisão compartilhada (planejamento, monitoramento e fiscalização) sobre o gerenciamento de ativos de dados". De acordo com o DAMA-DMBOK®V2, framework de boas práticas de gestão de dados publicado pela DAMA, existem 11 funções principais de gerenciamento de dados, sendo a governança de dados o componente central, como demonstra a figura abaixo. Isso quer dizer que a governança de dados integra e organiza todas as funções ou áreas de conhecimento para fazer uma gestão de dados mais eficiente.
Em geral uma estrutura de governança é composta por:
1. Um escritório central de gerenciamento de dados (DMO - Data Management Office) que define políticas, normas, treinamentos, assim como garante a coordenação e a consistência do ciclo de vida dos dados.
2. Responsáveis por funções de governança organizadas por domínio de dados, que estabelecem e executam a estratégia do domínio, assim como gerenciam os dados e participam do conselho de governança de dados.
3. Um conselho de governança de dados que reúne líderes de domínio e o DMO para conectar a estratégia e as prioridades de dados à estratégia corporativa, aprovar financiamento e resolver problemas.
A governança de dados ajuda a resolver questões como duplicação, inconsistência e redundância dos dados; armazenamento e acesso às informações; desenvolvimento de silos de dados e integração de sistemas; monitoramento e avaliação; processos de melhoria e estratégia de dados. Traz ainda benefícios como maior transparência, eficiência e redução de custos devido à capacidade de reutilizar processos e dados, assim como uso compartilhado de infraestrutura.
Para Bergson Lopes, vice-presidente da DAMA Brasil e autor dos livros “Gestão e Governança de Dados” (2013) e “Simplificando a governança de dados” (2020), a governança de dados é responsável pela “orquestração das pessoas e ações necessárias para que os dados estejam aptos às necessidades estratégicas de cada organização” e, assim, “apoia a transformação de dados em sabedoria corporativa”. Com isso, os dados passam a ser mais valorizados dentro da organização.
De acordo com a Pesquisa Global de Transformação de Dados de 2019 da empresa de consultoria McKinsey, em média 30% do tempo total das empresas entrevistadas, foram gastos naquele ano em tarefas sem valor agregado (como processamento e limpeza de dados), devido à baixa qualidade e disponibilidade de dados. Isso acaba frustrando os funcionários, limitando a escalabilidade e gerando mais custos.
Ainda segundo a McKinsey, a governança de dados é uma das três principais diferenças entre as empresas que capturam valor dos dados e as empresas que não. Isso sem mencionar a questão dos riscos regulatórios por descumprimento a leis, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que pode ocasionar multas caras, riscos que muitas vezes não são bem gerenciados em empresas sem governança de dados.
A consultoria aponta que os casos mais bem sucedidos na implementação de uma boa governança foram aqueles que não ficaram restritos a departamentos de Tecnologia da Informação (TI), fazendo parte de uma estratégia mais ampla de transformação analítica de toda a organização. Essas empresas adotaram estratégias de treinamento e inclusão da alta liderança na equipe de governança de dados. Ao perceberem o valor da governança de dados, as líderes e os líderes acabavam adotando postura de defesa a essa gestão e propondo multiplicá-la cada vez mais.
Confira as seis práticas recomendadas pela McKinsey para garantir que uma governança de dados crie valor:
1. Garanta a atenção da alta direção e/ou liderança
Primeiramente, é importante entender as necessidades da direção, destacar os desafios e as limitações de dados atuais e explicar o papel da governança de dados. Recomenda-se, ainda, formar um conselho de governança de dados envolvendo a alta administração para orientar a estratégia de governança alinhada às diretrizes organizacionais.
2. Integre a governança com ações em andamento
Quando os esforços de governança são vinculados a outros em andamento na organização, como os de transformação digital, há mais possibilidade de agregar valor a eles. Entretanto, a integração vai depender da disponibilidade e da qualidade dos dados.
3. Priorize ativos de dados
Em vez de olhar para todos os ativos de dados de uma vez, com um grande escopo, opte por priorizar os ativos de dados por domínios (ou seja, grupos de áreas ou temas de interesse dentro da organização) e por dados dentro de cada domínio, se possível a partir de níveis de criticidade. De acordo com a McKinsey, dados críticos representam, em geral, não mais do que 10% a 20% dos dados de toda a organização.
4. Aplique o nível adequado de governança
Adote uma abordagem baseada nas necessidades da sua organização, segundo o nível de rigor para atender à legislação, por exemplo. Ainda, ajuste o nível de acordo com cada conjunto de dados.
5. Adote uma implementação com foco e iterativa
No dia a dia da governança, use uma abordagem iterativa para se adaptar rapidamente às mudanças. Por exemplo, se houver uma lista de problemas conhecidos de qualidade de dados, analise-os e priorize-os frequentemente.
6. Gere entusiasmo pelos dados
Faça as pessoas vibrarem e estarem comprometidas pelos dados. Isso contribui para que elas garantam a segurança e a qualidade dos dados.
Como começar? Confira recomendações de especialistas
Os consultores da McKinsey Bryan Petzold, Matthias Roggendorf, Kayvaun Rowshankish e Christoph Sporleder sugerem que sejam feitas as seguintes perguntas para dar início a uma governança de dados:
Carlos Barbieri, consultor em governança e gestão de dados, professor da PUC-MG, PUC-RJ e FGV-RJ, e autor do livro "Governança de Dados, práticas, conceitos e novos caminhos (2019)", destaca algumas ferramentas, dentre elas o framework do DAMA-DMBOK apresentado anteriormente, e a 5W2H, sigla que se refere às iniciais em inglês das perguntas: o quê? (what), por quê? (why), onde? (where), quando? (when), quem? (who), como? (how) e quanto? (how much), inspirado no framework do Data Governance Institute. A figura abaixo resume os pontos a serem debatidos.
Especificamente em relação ao setor educacional público, Barbieri acredita que o desafio é um pouco maior com relação aos dados, quando comparado com o setor privado. “O governo, no fundo, forma uma grande organização espalhada em diversas unidades funcionais díspares, com conexões distantes ou fracamente estabelecidas. Esses elementos (os dados), por vezes estão relacionados e se interconectam semanticamente, mas são gerados dentro de uma óptica separada, concorrendo para a produção de ativos cuja integração e interoperabilidade é bem mais desafiadora”, pondera, em entrevista para este especial.
Ele recomenda iniciar um programa de governança de dados com um plano de comunicação sobre os movimentos de governança/gestão de dados, com a exposição dos ganhos e dos desafios (que não são pequenos). “A comunicação deve vir no sentido de alavancar mudanças culturais, desarmando o ‘proprietarismo’ dos dados e cultivando a cooperação entre as unidades. Para isso há a necessidade de um patrocínio forte e presente, um dos P's fundamentais da governança de dados, apoiando mudanças nas pessoas e papéis (outros P's importantes)”, aponta.
Além disso, o levantamento dos dados de cada unidade, bem como os metadados que os definem são fatores críticos iniciais. “Lembre-se que você somente gerencia o que conhece. Aqui começam a surgir as necessidades de recursos de ferramentas e especialistas. A visão dos dados e metadados de cada unidade (ou daquelas áreas pilotos num programa de governança de dados) deverá servir de alinhamento para as outras, nesse caminhar que deve ser um passo a passo planejado evitando-se arroubos, gigantismos e modismos”, conclui.
O Data Governance Institute recomenda sete etapas para se iniciar um programa de governança de dados, que devem ser revistas anualmente. São elas:
A primeira etapa contempla a justificativa de um programa de governança de dados e a identificação da macro visão da governança. A seguinte, de preparação, deve elencar etapas que vão justificar os esforços e listar os benefícios que a governança de dados alavancará. Na etapa de planejamento de ações e recursos financeiros, é preciso identificar o escopo e os dados que serão contemplados na governança de dados. No desenho do programa devem ser articuladas as preocupações a serem focadas e as mudanças que a governança ajudará a organização a fazer. Na etapa 5, de implementação do programa, são identificados os objetivos e as métricas. Depois, é feita efetivamente a governança dos dados. Por fim, é importante monitorar, medir e reportar, sempre alinhando expectativas.
Bergson Lopes estabelece quatro etapas em um programa de governança de dados: 1. motivação, 2. avaliação/diagnóstico (ou assessment), 3. estruturação e 4. melhoria, detalhadas na figura abaixo. Ele ressalta a importância das duas primeiras etapas, de motivação e avaliação para garantir a sustentabilidade do programa.
Na motivação, é feita a conscientização da relevância de um programa de governança de dados e é neste momento que muitas pessoas se dão conta de que a origem de diversos problemas organizacionais está na ausência de governança. A etapa de avaliação/diagnóstico (ou assessment) faz uma análise do cenário atual e, de acordo com os problemas identificados e expectativas, traça um plano de ação com recomendações de melhorias. A fase seguinte, de estruturação, implementa as ações recomendadas – o programa de governança de dados começa então a rodar. Após o primeiro ciclo, a etapa de melhoria é iniciada e ambas rodam em conjunto, com as iniciativas sendo acompanhadas por meio de indicadores. Vale lembrar que enquanto houver ações indicadas na etapa de avaliação/diagnóstico ou de melhoria, a etapa de estruturação contínua, em ciclos.
GLOSSÁRIO DE TERMOS DA CIÊNCIA DE DADOS
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Repositório de dados estruturados, semiestruturados e não estruturados acessível para uso por toda a organização. Pode ser usado para guardar imagens, vídeos e áudios, logs, atividades de redes sociais e seus metadados.
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Subdivisão de dados de um data warehouse, geralmente direcionado a um processo ou departamento de negócios, ou seja, a um determinado grupo de usuários de uma organização.
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Processo de publicação dos dados da organização para apoio à tomada de decisão. São construídos, normalmente, a partir de bases de dados relacionais com dados selecionados e estruturados. De acordo com a Escola Nacional de Administração Pública (Enap), os data warehouses "permitem que as organizações integrem dados de sistemas diferentes em um modelo de dados comum, a fim de suportar funções operacionais, requisitos de conformidade e atividades de Business Intelligence (BI)".
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De acordo com a Associação Brasileira de Ciência de Dados (ABCD), são aqueles responsáveis pela qualidade de um ou mais conjuntos de dados. Segundo Bergson Lopes, "é um profissional da área de negócio responsável por representar formalmente um conceito de dados perante a empresa e o público externo, incluindo órgãos reguladores, fornecedores e a comunidade em geral".
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De acordo com Bergson Lopes, refere-se a profissionais que "viabilizam o cumprimento da premissa da gestão de dados compartilhada entre as áreas de TI e negócios nas empresas". Segundo a Escola Nacional de Administração Pública (Enap), esse profissional "trabalha e atua como o principal curador dos dados, representando os interesses da área de negócios, atuando com responsabilidade e autoridade sobre o conjunto de dados do seu escopo de negócio."
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De acordo com o Dicionário de Governança de Dados DAMA, “é o local onde os termos e definições comerciais e/ou técnicos são armazenados. Normalmente, os dicionários de dados são projetados para armazenar um conjunto limitado de metadados concentrados nos nomes e definições relacionadas aos dados físicos e objetos relacionados”.
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De acordo com a Escola Nacional de Administração Pública (Enap), metadados representam os significados dos dados, que podem corresponder ao conteúdo técnico do dado (como estrutura, tamanho, formato, etc.) ou a definições, conceito, relevância e regras de negócio dos dados envolvidos.
Como a governança de dados contribui para a implementação da LGPD
A governança de dados não está restrita apenas a dados pessoais ou sensíveis - e, portanto, é conceitualmente diferente da governança da privacidade. Assim, a governança de dados não é, de acordo com Bergson Lopes, a estrutura organizacional responsável por implementar a adequação à Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD. No entanto, ela pode contribuir para facilitar a implantação de um programa de governança de privacidade.
Conforme abordado no especial sobre Big Data na Educação, a LGPD requer o tratamento correto dos dados pessoais dos estudantes e de qualquer pessoa que tenha seu dado coletado em formato físico ou digital – como pais, professores e funcionários. Isso requer uma série de procedimentos, rotinas, políticas e adaptações na coleta, utilização, acesso, transferência, modificação, análise, armazenamento e eliminação de dados pessoais por parte de gestores escolares, especialmente com o uso mais frequente de tecnologias educacionais para ensino-aprendizagem e gestão escolar.
Como ressalta o Manual de Proteção de Dados para Gestores e Gestoras Públicas Educacionais, desenvolvido pelo Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB) e a UNESCO, dados pessoais são aqueles que identificam ou permitem identificar os chamados titulares dos dados, que no contexto educacional seriam estudantes, representantes legais, docentes, servidoras e servidores públicos da escola, equipe de coordenação, diretores e diretoras escolares, entre outros.
Já os dados pessoais sensíveis são aqueles sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural. Esses últimos necessitam de um tratamento diferenciado, pois podem implicar em tratamentos discriminatórios. Além deles, os dados pessoais de crianças e adolescentes também requerem um cuidado especial, tendo requisitos específicos na LGPD.
Assim, o titular dos dados pessoais tem o direito de confirmação da existência do tratamento, de acesso, de correção, de anonimização, bloqueio e correção de dados, de receber informações sobre o compartilhamento de dados, de portabilidade, de receber informações sobre a possibilidade de não oferecer o consentimento, de revogação do consentimento, de informação sobre as entidades com os quais os dados foram compartilhados, e de revisão de decisões automatizadas.
Vale lembrar que há bases legais para tratamento ou uso compartilhado de dados pessoais por escolas e secretarias. Alguns exemplos de permissão para tratar os dados no âmbito da educação pública, sem ter necessariamente o consentimento, são para fins de cumprimento de obrigação legal ou regulatória (como publicação de salários de docentes), execução de políticas públicas (como compartilhamento de dados para transporte escolar), execução de contrato, pesquisa (desde que com consentimento e dados anonimizados), exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral, e atendimento ao legítimo interesse do controlador.
Em entrevista para este especial, Patrícia Peck, advogada especialista em Direito Digital e Conselheira Titular do Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD), afirma que o estágio de governança de dados é mais maduro, em que se trabalha os próprios princípios da LGPD, tais como transparência, qualidade da informação e segurança. "Quem já trabalha a governança de dados tem uma compreensão maior sobre o perfil da sua base de dados, consegue entender o ciclo de vida de seus dados, tem controles desde a entrada dessa informação até a sua eliminação. Eu só consigo atender à LGPD com uma estrutura de governança de dados. Por exemplo, para atender a um pedido de um titular de dados para eliminar uma informação, eu vou ter que localizá-la, apagá-la e garantir que não estou mais usando-a. Isso exige governança. Se eu ainda não tenho, vou precisar ter. Se eu já tenho, já tenho parte do caminho andado para conseguir atender à LGPD. É muito difícil e desafiador atender a uma legislação de proteção de dados pessoais sem criar uma estrutura de governança de dados", alega.
Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade – ITS, comenta que até 2018, quando a LGPD foi sancionada, o setor de educação não estava avaliando como poderia utilizar os dados provenientes das diferentes atividades que compõem o princípio educacional de maneira a aperfeiçoar justamente as dinâmicas de ensino e de aprendizado. "Na medida em que a LGPD foca nos dados que são especificamente os dados pessoais, ela acende um foco sobre este tema, fazendo com que diferentes profissionais de educação precisem se mobilizar em relação a esse assunto - seja para entender como podem proteger os dados pessoais dos alunos, dos pais, dos funcionários envolvidos nas diferentes atividades de educação, e também como podem, a partir desses dados, conseguir uma comunicação e uma eficiência muito maiores nas atividades que são desempenhadas", afirma.
Checklist para que a governança de dados auxilie na adequação à LGPD
Confira as recomendações dos especialistas Patrícia Peck e Carlos Affonso Souza para que unidades educacionais possam disseminar a relevância da governança de dados e implementar programas que contribuam para atender à LGPD.
1. Investir em capacitação: "Um primeiro passo é buscar uma capacitação para estar atualizado em governança de dados e trabalhar um framework, uma metodologia que permita isso. Assim como você tem frameworks que apoiam estabelecer um ambiente com mais segurança de dados, como o Dama-DMBOK, você também pode aplicar um modelo como a ISO 27001 e a ISO 27002 [de Gestão de Segurança da Informação] e a ISO 27701 [de privacidade], que orientam um framework para segurança e privacidade", recomenda Patrícia.
2. Criar comitês ou grupos de trabalho: Patrícia sugere para quem quer sair do estágio inicial a criação de comitês ou grupos de trabalho a fim de organizar as atividades relacionadas à adequação da LGPD.
3. Fazer um mapeamento ou estudo do inventário: para Carlos Affonso, o mapeamento é considerado essencial para começar um processo de governança de dados. Ele aponta que é preciso primeiramente entender quais são os dados pessoais tratados, como eles são coletados e para quais finalidades são utilizados. "Um processo de governança de dados começa com um entendimento por parte da organização sobre quais dados ela trata, como e de que maneira, quais são os fluxos de dados. Isso leva um tempo e demanda um conhecimento mais amplo das operações de uma dada entidade, mas me parece que não fazer bem essa primeira etapa é criar um processo de governança de dados com pés de barro, e isso pode ser muito prejudicial no futuro", avalia. Patrícia corrobora, afirmando que isso permite entender se o inventário de dados envolve dados pessoais e dados pessoais sensíveis. "A LGPD exige finalidades específicas. Não é mais uma regra única aplicada igual para todo mundo na gestão da base de dados. Por isso eu tenho que categorizar, para conseguir discernir e separar", diz.
4. Criar políticas: "A política de governança de dados, a política de segurança de dados e a política de privacidade de dados são essenciais para construir uma documentação que vai servir como guia, como orientação da conduta para todos os profissionais no manuseio dos dados", recomenda Patrícia. Ela ainda explica que é preciso deixar muito claro, por exemplo, que no recurso online há captura de imagem e de voz, que são dados pessoais e necessários para verificação de presença e permanência em sala de aula a distância. Além disso, a política deve informar por quanto tempo os dados são armazenados para cumprimento de obrigações legais.
5. Definir um canal: Patrícia lembra da necessidade de definir o canal e quem vai cuidar dele a fim de recepcionar os contatos dos titulares de dados que podem vir a perguntar ou a questionar como estão sendo tratados os seus dados pessoais junto à entidade. "Em muitas das instituições públicas, muitas vezes vai ser o próprio canal que já era utilizado de contato, de SAC, de ouvidoria ou de denúncias, que acaba sendo adaptado para também se tornar um canal que recepciona atendimento de direitos de titulares", conta. "No ambiente educacional, você lida com comunidade, você está o tempo inteiro de alguma maneira capturando dados. Então, há grande possibilidade de alguém questionar como está sendo o atendimento da legislação. Por isso, o preparo desse canal é uma das prioridades."
6. Vislumbrar a LGPD como parte integrante da organização: "A adequação à LGPD não é uma corrida em que a gente tem uma linha de largada e uma linha de chegada que uma vez cruzada esse tema inexiste porque esse desafio foi superado", alerta Carlos Affonso. "É importante que educadores e profissionais da educação nos diferentes níveis, de diferentes naturezas, possam entender que a governança de dados que surge a partir das demandas criadas na LGPD vieram para ficar. Mesmo que uma secretaria ou que uma unidade educacional possa dizer que está plenamente adequada à LGPD nesse momento, isso não significa que o dever está cumprido e ponto final. É importante entender que a necessidade de adequação é uma dinâmica perene dentro das atividades de governança, para que se possa entender como esses dados são coletados, como são armazenados e para que finalidades são utilizados. A governança de dados não é uma solução episódica, ela não é uma situação que vai resolver um problema pontual de uma dada organização, ela é uma solução de longo prazo. Ela vai se tornar parte integrante de como roda a organização."
Confira webinar de apresentação do Manual de Proteção de Dados para Gestores e Gestoras Públicas Educacionais, publicação do CIEB e da UNESCO.
Da governança de dados à inteligência de dados
Como usar os dados para efetivamente gerar valor? Na opinião de Patrícia, a governança de dados nos traz para um novo patamar, possibilitando gerar a chamada inteligência de dados. Ela destaca que a LGPD é para proteger, e não para proibir. "Ela é viabilizadora para que a gente possa usar dados, desde que de forma transparente, legítima e segura. Não está proibido usar informação, ao contrário. Ela tem princípios, como da anonimização, para nos permitir usar mais inteligência de dados", comenta.
No caso da educação, por exemplo, os dados podem contribuir para o aperfeiçoamento do ensino e da aprendizagem. "Qual é a diferença de você ler um livro em papel e de você ler um livro eletrônico (um reader)? É que o livro eletrônico lê você. O livro de papel não te lê. Um livro eletrônico é capaz de mandar informações para aquele que é o detentor desse reader", compara. "Ele diz o que você leu, qual a sua velocidade de leitura, se você leu o livro todo, se você lê só o final. Ele consegue passar uma série de hábitos relacionados à leitura que se a gente pudesse analisar essas informações, talvez a gente conseguisse trabalhar de uma forma direcionada esse comportamento de leitura para melhorar o ensino e a aprendizagem. Com certeza existem muitos jovens que têm dificuldade na escola porque não conseguem aperfeiçoar o seu hábito de leitura. A gente só saberia mais sobre o hábito de leitura se a gente tivesse realmente analisando as informações que só os livros eletrônicos conseguem capturar a respeito dos seus leitores. Uma sociedade que consegue trabalhar de forma sustentável e ética a análise de dados consegue também aprimorar e aperfeiçoar políticas públicas de desenvolvimento social. Você tem isso no campo da educação, da saúde, do transporte e da mobilidade urbana".
As tecnologias educacionais, como realidade virtual, realidade aumentada e o metaverso podem contribuir para mais rastros digitais. Como o setor educacional pode aproveitar de maneira mais eficiente esses novos recursos digitais? "A possibilidade de uso de dados estruturados e dados não-estruturados (vídeo, imagem, som, etc.), alavancados por usos de inteligência artificial, poderá mudar a rota do aprendizado convencional. E para tudo isso, só há um caminho: os dados entendidos e controlados com seus verbos fundamentais de Find (descoberta), Understand (entendimento do seu significado), Trust (confiabilidade no seu conteúdo de qualidade) e Protect (proteção no nível de segurança, envolvendo privacidade e ética). Essa última (a ética) se tornará um balizador importante no equilíbrio entre tratamento de dados e respeito", afirma Carlos Barbieri.
Na opinião de Carlos Affonso, a aceleração da digitalização das relações, ocasionada pela pandemia, acelerou a percepção de que as atividades educacionais geram dados. "A internet serve aqui como uma forma de acelerar a percepção de que nós estamos tratando dados pessoais em uma infinidade de relações que nós desempenhamos ao longo de um dia. Mas é importante entender que os dados pessoais fazem parte da dinâmica educacional há muito tempo. Isso é óbvio quando se pensa nas fichas, nos arquivos, nas notas, nos cadastros", exemplifica. " O que eu espero para o futuro é que isso incentive a criação de políticas públicas de um maior entendimento sobre como esses dados pessoais serão tratados e não gere uma corrida pelo ouro, como se essa ideia de que quanto mais dados pessoais com relação à educação eu puder tratar, seja lá de que forma for, eu terei acesso a uma inteligência maior sobre a atividade que uma determinada unidade educacional desempenha. A percepção da relevância dos dados pessoais deve ser sempre acompanhada da igual percepção da relevância de um processo de governança de dados pessoais que permita enxergar soluções que são criativas, inovadoras e que possam ser replicadas no setor de educação".
Saiba mais sobre os princípios da LGPD e recomendações para instituições de ensino acessando este link.
Aplicações práticas de governança aplicada aos dados da educação
Para inspirar gestores de educação a implementarem programas de governança de dados, fizemos uma seleção de casos que vêm usando a governança de dados para criar valor na educação. Confira nossa curadoria abaixo.
Escolas públicas de Paterson, em New Jersey (EUA)
De acordo com um estudo de caso do Centro de Pesquisas em Políticas Educacionais, da Universidade de Harvard, muitos distritos escolares americanos adotam uma abordagem “em silos” para a governança de dados. Isso quer dizer que diversos departamentos gerenciam a coleta, armazenamento e relatório de dados, muitas vezes sem se comunicarem e com políticas, regras e procedimentos distintos. O distrito escolar de Paterson, que atende 30 mil alunos em New Jersey, queria medir o nível de acesso, treinamento, uso e comodidade com cada sistema a fim de criar uma política de governança que respondesse às necessidades do distrito.
Os dois sistemas mais usados eram o Infinite Campus e o Performance Matters. O Infinite Campus, baseado na web, hospeda dados de alunos e professores. Ele foi adotado por consolidar múltiplos sistemas em um único, de modo a melhorar o fluxo e a transferência de informações entre o corpo docente, pais e alunos. Nesse processo de consolidação de sistemas, foram encontrados diversos alunos com o mesmo número de identificação e ainda o mesmo aluno com vários números de identificação.
Já o Performance Matters é um sistema de gerenciamento de dados que usa os resultados da avaliação estadual de Paterson e outras de referência para criar relatórios codificados por cores fáceis de interpretar. Esses relatórios permitem que a equipe veja os pontos fortes e fracos do distrito, professores, classes, subgrupos e alunos. Embora o Performance Matters forneça dados estatísticos em um em tempo hábil, a mão de obra necessária para inserir as informações e garantir a precisão e o uso desses dados era muito grande. Os resultados da pesquisa de governança mostraram que os professores identificam a necessidade e a relevância de mais formação nesses dois principais sistemas distritais.
Sala de Gestão e Governança da Educação Básica
O projeto Sala de Gestão e Governança da Educação Básica do Brasil é um projeto da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC) em parceria com a Universidade de Brasília (UnB). O objetivo é oferecer um sistema de gestão e governança de fácil entendimento por todos os servidores, a ser implementada em prefeituras que aderirem ao projeto. O sistema - chamado de Sistema de Informação de Governança Baseado em Custos (SICGESP) - tem o intuito de apoiar a tomada de decisão do(a) secretário(a) de educação municipal e de toda sua equipe. Ele resulta da pesquisa do Laboratório de Inteligência Pública (PILab) da Universidade de Brasília (UnB) e oferece ao gestor público uma medida geral de avaliação, baseada em evidências, denominada Nível de Serviço Comparado, que permite identificar as melhores práticas desenvolvidas pelo(a) secretário(a) municipal e disseminá-las para os demais gestores, detectando as melhores práticas de governança na educação municipal.
A meta é atender 3200 municípios e apoiar a implementação de modelos de informação que sejam capazes de acompanhar e apoiar os gestores e secretários de educação no contexto da pandemia. O projeto oferece um processo de comunicação direto entre os gestores e a Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC), fazendo com que os diversos programas possam se comunicar de forma mais rápida para apoiar os municípios e especialmente as Secretarias de Educação nesse momento de pandemia.
Aprofunde seus conhecimentos sobre governança e gestão de dados
Ao longo deste especial, apresentamos várias definições, conceitos e razões para implementar um programa de governança de dados para criar valor e contribuir para aprimorar a gestão escolar. Se você quer adquirir um conhecimento ainda mais profundo sobre o tema para aplicá-lo em seu trabalho, deixamos abaixo uma série de referências importantes que estão disponíveis aqui no Observatório de Educação. Confira:
Manual de Proteção de Dados para Gestores e Gestoras Públicas Educacionais
Manual desenvolvido pelo Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB) e a UNESCO com o objetivo de apoiar gestores e gestoras educacionais a compreender a natureza e a abrangência da LGPD e, principalmente, quais procedimentos são necessários para se adaptar a ela. O Manual tem o apoio das organizações Fundação Lemann e Imaginable Futures e seu conteúdo foi produzido com a participação dos escritórios Rennó Penteado Sampaio Advogados e Pereira Neto | Macedo Advogados.
Governança de Dados: Práticas, conceitos e novos caminhos
Livro escrito por Carlos Barbieri (Alta Books, 2019) no qual ele explica o conceito de Governança de Dados, os fatores críticos de sucesso e as dificuldades e desafios na sua implementação. Informações sobre a publicação e links para palestras no blog do autor.
Simplificando a Governança de Dados: Governe os dados de forma objetiva e inovadora
Livro escrito por Bergson Lopes Rêgo sobre o desafio de implementar um programa de governança de dados. Mais informações sobre o livro, assim como links para palestras e artigos no blog do autor.
Governança de dados no Governo Federal
Página sobre governança de dados do governo federal, com link para eventos de governança de dados, informações do Comitê Central de Governança de Dados (CCGD), Catálogo de Bases de Dados, dentre outros.
Curso Governança de Dados da ENAP
Arquivos do curso Governança de Dados, desenvolvido pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) em parceria com a Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia, em 2019, com foco na apresentação dos fundamentos relacionados à importância da governança de dados especialmente na Administração Pública Federal. O conteúdo foi estruturado em quatro módulos: Módulo 1 - Contexto da Governança de Dados na Administração Pública; Módulo 2 - Princípios, importância e desafios do Gerenciamento de Dados; Módulo 3 - Gestão inteligente de Dados; e Módulo 4 - Gerenciamento de Metadados e da Qualidade dos Dados.
A LGPD aplicada ao cenário da educação
Artigo escrito por Patrícia Peck, advogada especialista em Direito Digital e Proteção de Dados, no qual apresenta cuidados que o setor da educação deve tomar para se adequar à LGPD e para, assim, ensinar aos jovens mais sobre a importância da privacidade e os riscos da superexposição no mundo atual.
Fluxo de aquisição de tecnologias educacionais
Ferramenta desenvolvida pelo CIEB para auxiliar na seleção e aquisição de tecnologias educacionais, com orientações e referências para ajudar gestores nesse processo.
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