Gestão

Gestão pedagógica: nenhum aluno a menos

Cada rede à sua maneira, gestores e professores têm reinventado suas ações em busca de garantir a aprendizagem dos alunos perante os desafios da Covid-19. E, ainda que todas as respostas não estejam dadas, algumas certezas já existem: cumprir o papel de ensinar e conter o avanço das desigualdades educacionais passam, neste momento, por esforços de planejamento, readequação curricular, monitoramento das aulas e ações e avaliação.

“Temos que olhar para essa geração que está vivendo o ano de 2020 com muita atenção e muita cautela para, nos anos seguintes, fazer um trabalho diferenciado para que ela não saia da escola sem oportunidades de aprendizagem”, ressaltou o educador Rogers Mendes, secretário executivo do ensino médio e profissional da Secretaria Estadual de Educação do Ceará.

O alerta de Mendes integrou sua fala recente no webinar “Desafios da gestão pedagógica”, realizado pelo Instituto Unibanco na série de debates on-line “Gestão da educação em tempos de crise”. O planejamento da ação pedagógica foi lembrado pelo gestor como um dos obstáculos a serem vencidos. Tanto assim que, em todos os cantos do Brasil, o que se viu no início da pandemia foi uma parada técnica nas redes de ensino para a reorganização.

“Repetir o planejamento presencial para o ambiente remoto é um grande equívoco e as escolas ainda estão, obviamente, em processo de construção disso [replanejamento]. Porque isso não se dá de forma imediata e a tendência é sempre você querer replicar no remoto aquilo que tinha imaginado para o presencial”, destacou.

Mendes observou que o ensino remoto, independentemente da ferramenta que se utilize, cria uma dinâmica diferente na interação professor-aluno, que já não pode ser vista na mesma intensidade com que se estabelecia no ensino presencial. “A partir disso, você necessariamente precisa redimensionar expectativas”, explicou o secretário. Em outras palavras, é preciso rever o currículo.

Rumo aos objetivos de aprendizagem

No que tange à readequação curricular, as secretarias de Educação, os diretores escolares e os professores foram surpreendidos pela suspensão das aulas exatamente no momento de início da implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a educação infantil e o ensino fundamental e de sua regulamentação para o ensino médio.

Apesar desta sobreposição de elementos novos para os profissionais da educação, do ponto de vista conceitual, a BNCC tem se mostrado central para balizar os trabalhos. O exemplo mais nítido é a articulação e praticamente integração dos anos letivos de 2020 e 2021, de modo a “reordenar a trajetória escolar reunindo em continuum o que deveria ter sido cumprido no ano letivo de 2020 com o ano subsequente”, como preconizou o Parecer 05/2020 do Conselho Nacional de Educação (CNE).

Segundo Maria Helena Guimarães de Castro, conselheira do CNE e relatora do Parecer 05/2020, a ideia de continuum tem como ponto de partida os objetivos de aprendizagem da BNCC, de tal modo que as redes de ensino possam fazer os ajustes que acharem necessários, vinculando os objetivos de aprendizagem essenciais aos conteúdos contidos na proposta curricular das escolas ou sistemas de ensino.

“A partir daí, pode-se desenvolver atividades não presenciais para serem computadas no currículo, ou até presenciais”, afirmou Maria Helena, em participação no webinar sobre reestruturação curricular 2020-2021, realizado em 11 de setembro pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

“Estamos falando de um contínuo curricular com o objetivo principal de dar um suporte às escolas, professores, sistemas de ensino, para que encarem esta situação tão excepcional e imprevisível, de modo que seja possível garantir os aprendizados dos alunos”, complementou a conselheira.

Além da focalização de determinados objetivos de aprendizagem, os gestores públicos e escolares devem criar condições para que os educadores revejam suas práticas e planejamentos e potencializem as ações pedagógicas que dialogam com o contexto atual, recomendou a dirigente da Comunidade Educativa Cedac, Tereza Perez, outra participante do debate da Undime. “A ‘base’ é bastante estruturante, sendo tanto as competências gerais como as de área os verdadeiros orientadores para a reflexão sobre planejamento”, adicionou.
Nesta direção, a rede de ensino do Espírito Santo, por exemplo, organizou uma série de objetivos de aprendizagem com foco em habilidades e conhecimentos estruturantes, definidos como o conjunto de habilidades introdutórias que possuem papel essencial para garantir a progressão das aprendizagens e o desenvolvimento de competências específicas de uma determinada área de conhecimento.

“Demos novas orientações às escolas, para que pudessem olhar para o seu plano de ação e fizessem as adaptações necessárias”, disse Andréa Guzzo Pereira, subsecretária de educação básica e profissional da Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo, que também participou do debate do Instituto Unibanco.

Em Goiás, além das competências ligadas às áreas de conhecimento da BNCC, foram priorizadas outras tidas como relevantes para a formação cidadã e a inserção dos estudantes no mundo pós-pandemia, explicou Osvany da Costa Gundim Cardoso, superintendente do ensino médio da Secretaria Estadual de Educação do estado no webinar do Instituto Unibanco. Entre estas novas competências estão o desenvolvimento de conhecimentos voltados à autorregulação, ao autoconhecimento e ao autocuidado.

Acompanhamento vai do coletivo ao individual

Orientado pelo propósito de garantir a aprendizagem, o tema do monitoramento das aulas e ações cresceu de importância em tempos de ensino remoto, com o acompanhamento do acesso às aulas e aos conteúdos pelos alunos. As constatações colhidas nesse processo geram medidas práticas e retroalimentam o planejamento.

No Ceará, o monitoramento dos alunos é feito pelo projeto Diretor de Turma, uma estratégia de atenção que já existia antes da pandemia, na qual cada sala de alunos conta com um professor tutor. Por meio do projeto, os professores acompanham a história de vida e a história acadêmica dos estudantes, oferecendo acompanhamento individualizado aluno a aluno.

No caso do Espírito Santo, o acompanhamento do acesso dos alunos às atividades não presenciais se dá pelo Projeto Todos na Escola. “Estamos monitorando os estudantes que não retornaram neste novo momento e a gente já vai informar às escolas aqueles estudantes em risco de abandono para que elas façam uma busca ativa”, relatou a subsecretária Andréa.

Em Goiás, a superintendente Osvany contou que o trabalho de monitoramento tem observado o nível de acesso às plataformas eletrônicas disponibilizadas, bem como a participação e o envolvimento dos estudantes para analisar perdas pedagógicas.

Avaliação é ressignificada

Igualmente atrelada ao processo de planejamento – e com efeito sobre a readequação curricular –, a avaliação formativa e diagnóstica dos estudantes também ganha novos contornos diante do período de ensino remoto provocado pela pandemia.

Embora a prática ainda não seja recorrente – apenas 47% dos professores conseguiram realizar atividades avaliativas com os alunos durante a pandemia, diz estudo concluído em agosto pelo Instituto Península –, a principal tarefa da avaliação hoje, nas palavras do secretário Mendes, do Ceará, é “subsidiar a tomada de decisões, inclusive verificar a necessidade de se agrupar estudantes para ter tratamento diferenciado”.

Para a conselheira Maria Helena, do CNE, a avaliação neste momento não deve ter função de nota, e deve ser feita “no sentido de que a escola possa identificar quais os aprendizados, dificuldades e lacunas do processo de aprendizagem a escola deverá enfatizar no retorno às atividades presenciais, mesmo sabendo que será gradual”. No Espírito Santo, a avaliação diagnóstica está sendo aplicada de forma on-line justamente com o objetivo de orientar a ação pedagógica na reabertura das escolas.

Em Goiás, a avaliação diagnóstica e formativa já caminhava num crescente na Secretaria de Educação antes da pandemia. Ela foi estruturada de modo a considerar conhecimentos prévios e pontos de ancoragem, para fomentar a aprendizagem significativa e as habilidades de pensamento de cada estudante.

“Sempre estamos preocupados em fazer as seguintes perguntas: o que está sendo avaliado é o que estamos ensinando? O que estamos ensinando é o que está sendo avaliado? O que a sociedade exige é o que estamos ensinando?”, salientou a superintendente Osvany.

Liderança e comunicação

Para enfrentar o rol de desafios vindos da suspensão das aulas presenciais, é consenso entre os gestores públicos a importância do amplo entendimento e diálogo entre os atores envolvidos. Nesta direção, a liderança compartilhada surge como ponto crucial.

Na rede goiana, acrescentou Osvany, a liderança compartilhada se concretiza via dois elementos: a equipe e a comunicação estratégica. A comunicação é vista como vetor tanto para a cooperação quanto para a corresponsabilização dentro das redes.

“A participação de toda a equipe no processo educacional é fundamental para que haja coerência e legitimidade nas ações”, disse. “E, nesse sentido, a comunicação – planejada e orgânica – é o elo essencial entre as lideranças em todas  instâncias, seja nas escolas, nas regionais e na Seduc”, completou.

Ainda no assunto da liderança, outro ponto a ser considerado pelos gestores públicos é garantir a autonomia das escolas. “Nós encaminhamos materiais [atividades] às escolas em caráter suplementar à prática pedagógica, uma vez que cada estabelecimento tem autonomia de utilizar ou não, de adequar, desde que contemple as realidades da sua unidade escolar”, disse Osvany.

No Ceará, a experiência é semelhante. “A Seduc não ocupou um espaço que foi construído historicamente e nos é caro, que é o espaço de autonomia da escola”, disse Mendes.