Redes avançam na avaliação do clima escolar
Boletim Aprendizagem em Foco - ed.105 | Setembro 2025
Questionários e escuta ativa são ferramentas principais
Avaliação deve envolver toda a comunidade escolar
Dados permitem identificar pontos de melhoria
O clima escolar sempre foi considerada uma dimensão importante para a aprendizagem e bem-estar, por impactar na qualidade do convívio, das relações interpessoais e no senso de pertencimento de uma comunidade. Esse aspecto tem ganhado ainda mais relevância diante da intensificação de episódios de violência, que expõem, em muitos casos, a fragilidade das relações interpessoais no ambiente escolar e a ausência de mecanismos institucionais capazes de promover uma cultura de paz. Diversas edições do boletim Aprendizagem em Foco já trataram do tema (veja em Para Saber mais), destacando sua importância para a melhoria da qualidade e bem-estar.
Nos últimos anos, diversos países têm adotado estratégias estruturadas para combater a violência nas escolas e melhorar a convivência e, consequentemente, contribuir para um ambiente mais favorável a um bom clima escolar. No Chile, por exemplo, é obrigatório que cada escola tenha um profissional responsável exclusivamente pelas ações de convivência. Na Colômbia, iniciativas que integram ferramentas socioemocionais com ações preventivas mostram resultados promissores e inspiram políticas em outros países da América Latina.
Recentemente, o Ministério da Educação promoveu a Semana Nacional da Convivência Escolar no âmbito do programa Escola que Protege, criado para fortalecer as políticas públicas de prevenção e enfrentamento às violências no ambiente escolar. A ação envolveu a realização de um evento de lançamento e de uma série de webinários, além da disponibilização de materiais de apoio para professores, gestores e familiares com o objetivo de mobilizar as comunidades escolares em torno da questão.
Nos estados, algumas secretarias têm investido em políticas focadas na escuta ativa, protagonismo juvenil, no envolvimento da comunidade e na criação de indicadores para mensuração do clima em cada estabelecimento. Por meio desses índices, é possível “ter um termômetro” de como andam as relações e obter pistas de que aspectos podem ser trabalhados.
Iniciativas nas redes de ensino
A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) foi uma das pioneiras no desenvolvimento de um indicador de clima escolar. A iniciativa é parte do Projeto Socioemocional, lançado em 2024 pela Subsecretaria de Desenvolvimento da Educação Básica, que visa fortalecer relações interpessoais e promover competências socioemocionais entre estudantes, professores e gestores. O indicador é calculado por meio de um questionário abrangente, desenvolvido pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral da Unesp e da Unicamp (GEPEM), respondido por estudantes, professores e gestores.
Por meio do Painel do Clima Escolar, uma plataforma interativa, a equipe gestora e o corpo docente pode acompanhar os dados da sua escola e acessar ferramentas para diagnóstico e planejamento de ações. Ao todo, o indicador contempla 18 dimensões, incluindo autoestima, motivação, convivência, segurança, infraestrutura e práticas pedagógicas.
Segundo Wagner Costa, superintendente de Avaliação Educacional da SEE/MG, a partir dessas dimensões é possível entender com muito mais clareza o que precisa ser melhorado em cada escola. Ele também ressalta que o objetivo não é comparar escolas, mas que cada uma entenda suas fragilidades, acompanhe a evolução do seu índice a partir de suas especificidades. “Cada escola é única. Há casos de escolas no mesmo bairro, até na mesma rua, mas com perfis completamente diferentes. A gestão interfere muito nos resultados; mas, mesmo em regiões semelhantes, comparar escolas pode ser injusto”, afirma.
No Espírito Santo, a Secretaria de Educação (SEDU) elaborou um índice de clima escolar baseado nas respostas de estudantes ao questionário contextual da Prova da Rede Básica de Educação do Espírito Santo (Paebes), com apoio técnico do Instituto Unibanco. A ação integra o programa Educar para a Paz, lançado em abril de 2024, com foco na prevenção e enfrentamento de todas as formas de violência e microviolência nas escolas.
O programa se estrutura em quatro eixos: valores e direitos; gestão de conflitos; vivências e convivências; e ecoformação. Com base nos dados, cada escola recebe um boletim eletrônico com um índice geral de clima escolar e por dimensão (“regras, sanções e segurança na escola”, “relações sociais e conflitos na escola” e “relações com o ensino e a aprendizagem”), além de sugestões de ações com foco em cada um desses aspectos. A proposta é que o boletim instigue uma reflexão sobre como andam as relações no ambiente e que ações podem ser incluídas no plano de ação para melhoria do clima escolar.
Para Aleide Cristina de Camargo, Gerente de Currículo da Educação Básica da SEDU, o sentimento de acolhimento e pertencimento transforma o processo de ensino-aprendizagem: “Estar em um lugar no qual você se sente acolhido e com a sensação de pertencimento faz toda a diferença na vida das pessoas. Você aprende melhor, se sente mais feliz e é desafiado a fazer coisas que promovam o bem ou, pelo menos, minimizem os conflitos”. Ela explica que lidar com conflitos é uma habilidade essencial que a escola deve desenvolver. “Conflitos sempre vão existir, mas o que melhora o clima escolar é a capacidade de escutar, falar, questionar e seguir adiante. Essa habilidade acaba promovendo qualidades que a pessoa vai levar para a vida toda, nas relações profissionais, familiares, num contexto muito além da escola”, ressalta.
Diálogo amplo nas escolas
O diagnóstico do clima escolar deve ir além das práticas em sala de aula, envolvendo escuta, empatia, respeito às diferenças e disposição para construir um projeto pedagógico comum com toda a comunidade escolar. E é importante ressaltar que o clima escolar não diz respeito apenas às relações entre alunos.
Por exemplo, um dos desafios enfrentados pela gestão da Escola Estadual Pedro Gardés, em Mato Grosso, era justamente a convivência entre servidores, marcada por conflitos relacionais. A solução encontrada foi criar espaços de escuta ativa, com reuniões quinzenais onde os trabalhadores podiam trazer incômodos e buscar resoluções coletivas. Também foram promovidos encontros individuais, sempre que solicitados, para que cada profissional se sentisse ouvido e acolhido. “Quando a gente dá essa oportunidade de fala para o outro a gente acaba entendendo algumas questões que não estão aparentes. Costumamos dizer na escola que nem o servidor e nem o aluno são dados estatísticos; somos pessoas dotadas de desejos, vontades, frustrações e nós precisamos falar sobre isso”, explica Marcia de Andrade, diretora da escola (veja o relato completo aqui, no Banco de Soluções do Observatório de Educação do Instituto Unibanco, junto com outros 40 depoimentos de gestores sobre ações que melhoraram o clima escolar).
Semana Nacional da Convivência Escolar, MEC. bit.ly/4lRhUTy
Clima escolar (Boletins Aprendizagem em Foco), Instituto Unibanco. bit.ly/45etKRz
Gestão das redes de ensino e clima escolar: mapeamento das ações e uma proposta de matriz avaliativa sensível à equidade, NuPeDE/UFMG, 2024. bit.ly/45etKRz
Benchmarking Políticas de Convivência Escolar, Instituto Unibanco, 2025.
Manual de orientação para a aplicação dos questionários que avaliam o clima escolar, Unesp/Unicamp, 2017. bit.ly/4kQyRw1
Aprendizagem em Foco é uma publicação periódica produzida pelo Instituto Unibanco. Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.
Produção editorial: Redação Raphael Preto Pereira; Edição Antonio Gois e Fabiana Hiromi;
Projeto gráfico e diagramação Estúdio Kanno; Edição de arte Fernanda Aoki