Avanços e desafios da gestão escolar em 100 edições do Aprendizagem em Foco

Boletim Aprendizagem em Foco - ed.100

Políticas de formação, seleção e apoio aos gestores ainda precisam de aperfeiçoamento

Avanços na redução das desigualdades não foram suficientes nos últimos dez anos

Tecnologias, crise climática e saúde mental ganharam mais relevância no período

O que fazem bons diretores para melhorar o desempenho dos alunos? Esta foi a pergunta do primeiro Boletim Aprendizagem em Foco, lançado pelo Instituto Unibanco em novembro de 2015, e que hoje chega à 100ª edição. Desde então, novas evidências ampliaram o conhecimento sobre essa e tantas outras questões relacionadas à gestão escolar, tema principal da publicação. Nesses nove anos desde a primeira edição, avançamos no conhecimento sobre as condições de trabalho e características dos gestores escolares brasileiros. O Censo Escolar de 2019, por exemplo, foi o primeiro a trazer a informação sobre o percentual de diretores que possuíam formação continuada em gestão escolar com, no mínimo, 80 horas. Naquele ano, o percentual era de 10%. Em 2023, aumentou para 19%.

 

Esse percentual baixo de gestores escolares com formação específica para a função é mais preocupante considerando que a maioria dos atuais diretores em redes estaduais ocupa o cargo a menos de cinco anos e nunca havia exercido a função. Essas constatações são do estudo Perfil dos(as) Diretores e Desafios da Gestão Escolar nas Redes Estaduais de Educação no Brasil, divulgado neste ano pelo Instituto Unibanco, elaborado pelo pesquisador Breno Reis.

Outro destaque nas políticas de gestão escolar desde o lançamento do Aprendizagem em Foco foi a aprovação, pelo Conselho Nacional de Educação, da Base Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar, tema da edição 61 (maio de 2021). Trata-se de um documento comum em países que avançaram em políticas de liderança escolar, e que é fundamental para dar nitidez ao que se espera dos diretores, facilitando o alinhamento das ações de formação, seleção e suporte a esses profissionais. O documento, mesmo ainda não homologado pelo MEC, já tem servido de referência para a construção de marcos próprios de redes estaduais e municipais.

Apesar desses e outro avanços, há ainda muito a ser feito no aprimoramento das políticas de gestão escolar. As atuais discussões sobre o novo Plano Nacional de Educação podem contribuir para, sem prejuízo da fundamental garantia da gestão democrática, estabelecermos diretrizes capazes de induzir os sistemas também na direção a melhoria da profissionalização e condições de trabalho desses atores.

 

Um olhar amplo sobre as estratégias de formação e apoio aos gestores escolares sempre esteve presente no Aprendizagem em Foco.  Os boletins 34 e 97 (setembro de 2017 e julho de 2024), por exemplo, destacaram a importância de mais ações colaborativas entre pares. Os papéis de supervisores (n. 55, setembro de 2019) e coordenadores pedagógicos (n. 21, novembro de 2016) também mereceram atenção. Outro princípio norteador foi o de que a liderança, quando distribuída de maneira eficaz e envolvendo toda a comunidade escolar, torna-se muito mais potente e democrática, contribuindo inclusive para reduzir a sobrecarga de trabalho desse profissional (n. 53, de julho de 2019).

Da mesma forma que é preciso evoluir no apoio aos gestores escolares, é fundamental destacar o papel essencial que diretores têm no desenvolvimento profissional dos professores. A já citada edição de número 1 destacou esse aspecto da liderança escolar, que voltou a ser abordado em outra edições, como na de número 79 (julho de 2022), baseada em relatório produzido pela Universidade Diego Portales, do Chile, em parceria com o Instituto Unibanco.

O reconhecimento da importância dessa liderança pedagógica, porém, não deve ser interpretado de forma estreita, pois outras dimensões da gestão educacional são também muito relevantes e podem, inclusive, diminuir ou potencializar o impacto da liderança pedagógica na aprendizagem. A atenção com o bem-estar e com a construção de um clima escolar positivo sempre estiveram presentes, em conclusões de pesquisas e relatos de práticas, no Aprendizagem em Foco.

Aprendizagem

Fazendo jus ao título da publicação, ações voltadas à melhoria da aprendizagem, com especial atenção ao ensino médio, foram frequentemente abordadas. Já em seu segundo número (novembro de 2015), o boletim destacava a melhoria nos indicadores de acesso, mas sinalizava preocupação com os níveis de aprendizagem. Quase dez anos depois, o diagnóstico permanece atual. Entre 2015 e 2023, a proporção de jovens de 15 a 17 anos matriculados no ensino médio (ou tendo já concluído esta etapa) aumentou de 68% para 77%. No mesmo período, também houve melhoria, de 80% para 91%, nas taxas de aprovação nas redes estaduais de ensino médio. Mesmo que em patamares ainda insuficientes, isso significa que, proporcionalmente, há mais jovens que conseguem se manter e concluir a última etapa da educação básica.

 

Quando são analisados dados de aprendizagem, porém, a evolução, no caso do ensino médio, foi quase inexistente. O avanço robusto nesta dimensão nos próximos anos demandará esforços que vão além da atuação dos diretores, já que fatores extraescolares (como o nível socioeconômico das famílias) e sistêmicos (caso da atratividade da carreira docente) têm, comprovadamente, impactos significativos no desempenho dos alunos. Gestores escolares, no entanto, também são atores relevantes nesse esforço, e, ao longo das 100 edições do Aprendizagem em Foco, várias foram as edições que trataram do tema sob a perspectiva da gestão. 

Equidade

O avanço na aprendizagem, portanto, é urgente, mas, para um país ainda marcado por profundas desigualdades, precisa acontecer norteado pela equidade. Sempre a partir de evidências, o Aprendizagem em Foco procurou contextualizar o tema por diversos recortes, além de indicar caminhos para a gestão – ora a da escola, ora a da rede – no enfrentamento do problema. Reflexões sobre práticas do cotidiano da gestão escolar que acentuam ou não enfrentam as desigualdades também foram pautas constantes. O boletim número 2 (novembro de 2015), por exemplo, chamava a atenção para o aumento expressivo da presença de estudantes negros no Ensino Médio entre 2001 e 2014 (de 25% para 51%), a um ritmo mais acelerado do que o verificado entre a população branca (que cresceu de 51% para 65%). Porém, a diferença entre os percentuais verificados nos dois grupos se mantinha em patamar elevado (de 14 pontos).

 

Dados da Pnad Educação 2023, divulgada pelo IBGE em março desse ano, mostram que, quase uma década depois, o abismo racial persiste. Enquanto a taxa ajustada de frequência escolar líquida no Ensino Médio de 15 a 17 anos de idade era de 81% entre os jovens brancos e de 72% entre os negros. Embora o problema ainda esteja longe de estar superado, vale destacar que de 2015, quando o Aprendizagem em Foco começou, para cá, o debate sobre enfrentamento do racismo nas diferentes esferas da sociedade, incluindo na educação, vem ganhando cada vez mais força.

 

Um aspecto desse debate é que, à despeito da oferta de materiais e metodologias para implementação da Lei 10.639, que determina o ensino da história e cultura afro-brasileira nos Ensinos Fundamental e Médio, o cumprimento da legislação ainda não é uma realidade na maioria das escolas. Segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Alana e Geledés no ano passado, sete em cada dez secretarias municipais de educação não realizaram nenhuma ação ou fizeram poucas ações de implementação da lei. O estudo ouviu, em 2022, gestores de 1.187 secretarias municipais de educação, o que corresponde a 21% das redes de ensino dos municípios.

 

PANDEMIA DE COVID-19

 

Em março de 2020, por conta da pandemia de Covid-19, as edições do Aprendizagem em Foco foram temporariamente substituídas por conteúdos online (foram 94 ao todo) com reflexões e compartilhamento de soluções relacionadas ao contexto de crise sanitária e fechamento presencial das escolas. A publicação só foi retomada em maio de 2021 com o retorno gradual das atividades presenciais nas redes de ensino.

 

O prolongado período de fechamento das escolas teve impacto significativo na aprendizagem e na socialização dos estudantes e ampliou ou trouxe novos desafios para os gestores. Diversas edições pós-pandemia abordaram temas como acolhimento socioemocional, ensino híbrido e estratégias para lidar com as perdas de aprendizagem.

Outra dimensão relevante da desigualdade brasileira é a de gênero. O boletim número 7 (março de 2016), por exemplo, trouxe levantamento do Todos Pela Educação que indicava que a diferença de desempenho de meninos e meninas em Matemática é praticamente inexistente no 5º ano do EF, mas vai se aprofundando ao longo dos anos. Uma explicação possível para essa disparidade está nos estereótipos de gênero e nas expectativas de pais e professores em relação às crianças - fatores determinantes para aprendizagem.

 

Um estudo publicado em 2019 pela revista “Science of Learning” reforça essa hipótese. Cientistas estadunidenses realizaram exames de ressonância magnética em 104 crianças de 3 a 10 anos, sendo 55 meninas, e confirmaram que não existe diferença na forma com que garotos e garotas processam as habilidades quando expostos a jogos matemáticos. “Os cérebros das crianças funcionam de maneira semelhante, independentemente do sexo, e esperamos recalibrar as expectativas do que as crianças podem alcançar em matemática”, disse Jessica Cantlon, uma das autoras da pesquisa.

 

Por fim, mas não menos importante, a educação inclusiva, o respeito à diversidade sexual e religiosa também figuraram nas páginas do Aprendizagem em Foco, sempre reforçando a garantia do direito à educação para todos e todas como um princípio norteador da gestão. A edição 15 (agosto de 2016), por exemplo, destacava o aumento da inclusão de estudantes com deficiência no Ensino Fundamental no período entre 2007 e 2015, mas apontava também os desafios da permanência escolar desse grupo e o seu acesso ao Ensino Médio. Dados recentes do Portal Diversa (plataforma do Instituto Rodrigo Mendes apoiada pelo Instituto Unibanco) mostram que esse desafio permanece: do total de alunos da educação especial, 35% estão nos anos iniciais do Fundamental, 28% nos finais, e apenas 13% no Ensino Médio, um indicativo de que, ao longo da trajetória, a evasão é maior entre estudantes com alguma deficiência.

Novos e antigos desafios

Se, por um lado, há temas que sempre estiveram no radar das políticas educacionais, por outro, com frequência surgem novos desafios que não estavam previstos, ou que passam a ganhar mais relevância do que no passado. Por exemplo, por mais que a incorporação de novas tecnologias em favor da aprendizagem seja um tema recorrente, há fenômenos novos e recentes que não estavam previstos até bem pouco tempo, como a ampliação do acesso a redes sociais e smartphones e a popularização de instrumentos de inteligência artificial generativa.

 

Sistemas educacionais do mundo todo têm se posicionado em relação ao uso de smartphones em escolas, tópico para o qual ainda não há uma literatura acadêmica consolidada, mas já existem sinais de alerta suficientes para recomendar cautela e políticas que diminuam o uso indiscriminado desses aparelhos. No Aprendizagem em Foco, os possíveis usos de novas tecnologias em favor da aprendizagem foram abordados em diferentes edições, sempre com o cuidado de alertar para a ampliação de desigualdades e atentando para os riscos de um uso não pautado por princípios éticos.

 

Outro debate que se impôs com mais força nos últimos tempos é o da educação socioambiental. O aumento da ocorrência de desastres ocasionados por eventos decorrentes de emergências climáticas é visível e cada vez mais sentido no dia a dia das escolas. Segundo relatório do Banco Mundial divulgado no último mês de setembro, aproximadamente 400 milhões de alunos vivenciaram o fechamento de suas escolas devido a condições climáticas extremas desde 2022. “Uma criança de 10 anos em 2024 experimentará três vezes mais enchentes, cinco vezes mais secas e 36 vezes mais ondas de calor ao longo de sua vida em comparação com uma criança de 10 anos em 1970”.  Choosing Our Future: Education for Climate Action (Banco Mundial, 2024)

 

No Brasil, a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul em abril de 2024 é o exemplo mais recente. Mais de 350 mil alunos foram impactados e mais de 1,1 mil escolas, afetadas pelas chuvas. Em reação, o Presidente Lula sancionou em julho de 2024 a lei que atualiza a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) e determina que as escolas desenvolvam “ações de prevenção, de mitigação e de adaptação relacionadas às mudanças do clima e no estancamento da perda de biodiversidade, bem como na educação direcionada à percepção de riscos e de vulnerabilidades a desastres socioambientais”.

 

No Aprendizagem em Foco, o assunto foi tratado em 2019 a partir de uma perspectiva mais ampla sobre o papel da educação na construção de sociedades sustentáveis. Já nas edições de 2021 e 2024 sobre o tema, a ênfase é na questão das mudanças climáticas e no papel da escola na formação das novas gerações no enfrentamento do problema.

 

O aumento crescente dos casos de violência extrema no ambiente escolar também acendeu o alerta de especialistas, educadores e da sociedade. Segundo o relatório “Ataque às Escolas no Brasil”, realizado pelo Grupo de Trabalho de Especialistas em Violências nas Escolas, do MEC, entre 2002 e outubro de 2023, foram registrados 36 ataques a escolas, que resultaram em 164 vítimas, sendo 49 casos fatais e 115 pessoas feridas. Um outro dado, fornecido pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), reforça a percepção desse crescimento da violência nas escolas: somente entre janeiro e setembro de 2023, mais de 9.500 chamados relacionados ao problema foram feitos através do Disque 100 – um salto de cerca de 50% em relação ao ano anterior.

 

O tema da violência está diretamente relacionado ao da convivência escolar, e que, por sua vez, também está intimamente ligado à questão da saúde mental dos estudantes. O assunto entrou na pauta das escolas especialmente após a pandemia e diante do impacto do prolongado período de isolamento social sobre crianças e adolescentes. No processo de retomada das atividades presenciais das escolas, o acolhimento socioemocional foi uma das principais preocupações e segue como ponto de atenção dos educadores e das famílias. Além dos efeitos da pandemia na socialização e o aumento dos episódios de violência nas escolas (desde insultos verbais até casos extremos que resultaram em mortes), a extensão do bullying também nas redes sociais, os discursos de ódio presente em fóruns e jogos virtuais e a falta de diálogo entre estudantes e pais/responsáveis têm sido apontadas como algumas das razões para o agravamento da saúde mental de crianças e jovens.

 

Todas essas pautas se inserem também numa agenda mais ampla, de educação para a convivência democrática. Mais uma vez, pode-se dizer que este sempre foi um tema relevante para o campo educacional, mas que ganhou ainda mais importância diante de um cenário de recrudescimento de discursos autoritários, que propõem falsas soluções simples para problemas complexos. Esses movimentos, com frequência, e não por acaso, colocam a escola pública como alvo, o que torna ainda mais necessária a agenda de fortalecimento da gestão pública. 

 

Analisadas em retrospectiva, as 100 edições do Aprendizagem em Foco contam, sob a ótica da gestão, uma parte relevante da história recente das políticas educacionais. Projetando cenários futuros, há problemas estruturais que continuarão sendo relevantes por muito tempo no Brasil. Ao mesmo tempo, vivemos numa era de transições aceleradas. Desafios inéditos surgirão. Outros ganharão novas roupagens. Tudo isso demandará dos gestores reflexão constante sobre sua teoria e prática, além da busca contínua pelas melhores evidências disponíveis. Não é uma tarefa simples, e, por isso mesmo, demandará muito apoio a esses profissionais tão fundamentais para a aprendizagem e bem-estar dos estudantes. Essa continuará sendo a principal missão do Boletim Aprendizagem em Foco.

 

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Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco. Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

Produção editorial: Redação Antonio Gois e Fabiana Hiromi; Edição Antonio Gois e Fabiana Hiromi; Projeto gráfico e diagramação Estúdio Kanno; Edição de arte Fernanda Aoki