Educação na pandemia: adiamento do Enem, ensino remoto e Abraham Weintraub dominam cobertura de maio

Os efeitos da pandemia de Covid-19 sobre a educação brasileira continuaram servindo de moldura para a cobertura jornalística da área educacional no mês de maio. Na amostra de 201 textos republicados pelo Radar de Imprensa no período, mais de 80% dos conteúdos trataram do assunto.

Entre as pautas abordadas, a discussão sobre o adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) reinou absoluta, transbordando para dois tópicos correlatos que também se destacaram: os desafios do ensino remoto e a desigualdade educacional.

No âmbito político, declarações e posicionamentos absurdos e antidemocráticos do ministro da Educação Abraham Weintraub, assim como inação da pasta, foram objeto de quatro editorias ao longo do mês.

Olhos voltados para o Enem
A cobertura sobre o Enem cumpriu o papel de noticiar de forma pragmática informações sobre as inscrições para a edição 2020 da prova. Porém ganhou maior relevância ao denunciar, sob a percepção de atores variados e nos diferentes tipos de veículo, as consequências que a manutenção do calendário do exame traria aos 5,8 milhões de estudantes inscritos confirmados – principalmente para os estudantes das redes públicas de ensino e os que enfrentam situações de maior vulnerabilidade.

Estudantes do ensino médio, professores, membros do Executivo, parlamentares e ativistas da educação ouvidos pela imprensa desde o início do mês deram a dimensão do clima que se instalou quanto à data de realização do Enem.

Em 4 de maio, deu no Correio Braziliense: “Ubes e Une lançam campanha para adiamento do Enem 2020”. Em 5 de maio, UOL, Folha de S.Paulo e Veja registraram as pressões do Tribunal de Contas da União (TCU), de senadores e deputados pelo adiamento da prova. Um dia depois, o portal Rede Brasil Atual também repercutiu: “Governo mantém Enem e não considera estudantes pobres, diz UNE”. Em 13 de maio, o presidente Jair Bolsonaro mencionou pela primeira vez que o Enem poderia ser adiado, no que a Veja publicou: “Enem: Centrão e redes sociais estão por trás da fala de Bolsonaro”.

Nas páginas de blog e opinião, articulistas não pouparam críticas à postura inicial do Ministério da Educação (MEC) de manter o calendário original da prova, desconsiderando as condições injustas de participação em que a pandemia jogou os candidatos da rede pública. Foram identificados 15 artigos publicados sobre o exame, 35% do conjunto de 42 textos opinativos que trataram de educação no mês. A Folha de S.Paulo abriu mais espaço, veiculando oito textos de articulistas sobre o Enem. A tensão na cobertura só arrefeceu a partir do dia 20 de maio, quando o governo federal finalmente anunciou o adiamento da prova.

Como pauta mais importante do mês, vale a pena registrar que professores e alunos figuraram como porta-vozes na cobertura do Enem reproduzida pelo Radar de Imprensa em apenas 6% e 7% dos casos, respectivamente, dentro da amostra capturada pelo Observatório da Educação. Em regra, as fontes participaram das matérias trazendo visões sobre os obstáculos ao aprendizado que a prática do ensino remoto impõe ao estudante da rede pública.

No cômputo das figuras públicas consultadas para a cobertura do Enem prevaleceram o ministro da Educação Abraham Weintraub; o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Alexandre Lopes, responsável pelo exame; o presidente da República Jair Bolsonaro; o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ); e a deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP).

No campo das organizações da sociedade civil, destacaram-se o movimento Todos pela Educação (presente em quatro conteúdos sobre o Enem), nas vozes de João Marcelo Borges e Priscila Cruz; o Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, na voz de Claudia Costin (presente em três conteúdos), e o Instituto Unibanco (presente em dois), com Ricardo Henriques.

Do lado da representação estudantil, a União Nacional dos Estudantes (UNE) foi a fonte mais consultada (presente em três), nas vozes do presidente, Iago Montalvão, da vice-presidente, Élida Elaine, e da diretora Ingrid Guzeloto. Dentro da amostra analisada, 62 conteúdos noticiosos abordaram o exame.

Ensino remoto e equidade
As dificuldades do ponto de vista de implementação e eficiência do ensino remoto, assim como a desigualdade de acesso – que já era um problema conhecido no Brasil, mas que se acentuou e ficou mais explícito com a crise sanitária da Covid-19 –, também marcaram presença na cobertura de maio em textos desvinculados do Enem.

Foram quase 20 matérias abordando diretamente os desafios e os riscos enfrentados desde a interrupção abrupta das aulas no mês de março. Alguns exemplos demonstram abordagens adotadas: “Sem internet, merenda e lugar para estudar: veja obstáculos do ensino a distância na rede pública durante a pandemia de Covid-19”, publicada no G1 no dia 5 de maio; e “Aula a distância ameaça direito à educação e aprendizagem”, veiculada no portal Rede Brasil Atual em 10 de maio.

Na mesma direção, colunistas e articulistas de educação – que responderam por mais de um quarto do clipping reproduzido pelo Radar de Imprensa em maio – não se furtaram a emitir posicionamentos sobre equidade. Foi o caso de Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna, no artigo “Covid-19 potencializa desigualdades na educação”, divulgado na Folha de S.Paulo em 10 de maio.

“No Brasil, onde o ambiente familiar possui forte influência nos resultados educacionais, haverá diferentes desfechos para os 48 milhões de alunos da educação básica”, escreveu Viviane. “As perdas certamente serão coletivas, mas não há dúvidas de que os mais prejudicados serão aqueles que, mesmo antes do coronavírus, já eram vulneráveis: os alunos mais pobres.”

E o ministro...
Na cena política, o ministro da Educação Abraham Weintraub despontou como foco da crítica dos grandes veículos. Entre os quatro editoriais capturados pela seleção de textos do Radar de Imprensa em maio, três demonstraram consenso nas críticas.

Ainda sobre as declarações de Weintraub, no dia 22 de maio, houve a divulgação do vídeo da reunião ministerial em que o ministro da Educação proferiu a frase: “Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”. Às voltas desde abril com um inquérito que investiga suposto crime de racismo contra os chineses, Weintraub passou a ser visto, agora, como uma ameaça à honra do Supremo Tribunal Federal. Mesmo aliados políticos do governo passaram a defender a demissão do ministro, de modo que a polêmica mudou um pouco o foco da cobertura de educação no período final do mês.

Secos e molhados
A pesquisa do clipping de maio também revelou que 83,6% das matérias analisadas (ou 168 textos) vieram de jornais/portais da grande imprensa e que a Folha de S.Paulo respondeu por cerca de um terço dessa produção (55 textos). O estudo abrange mensalmente as matérias publicadas, nas temáticas de interesse do Observatório de Educação, em 20 veículos representativos – grandes jornais e revistas, imprensa especializada em educação e também alguns portais de organizações sociais que se notabilizaram pela boa produção jornalística sobre educação.

Quanto à profundidade da cobertura, 41,8% da amostra era formada por textos com mais de oito parágrafos, inclusive pautas especiais, combinando conteúdos factuais e analíticos. Do ponto de vista de esforço de reportagem, 43,8% das matérias demonstraram ter ouvido mais de cinco fontes, dentre documentos oficiais, pesquisas e entrevistas.

Além de ser o veículo que mais abriu espaço para a opinião de articulistas dentro do clipping reproduzido pelo Radar de Imprensa, como já apontado, a Folha de S.Paulo também dedicou mais editoriais à educação. Entre os textos de reportagem, predominam no veículo matérias com mais de oito parágrafos. Quase metade das matérias indica a busca de diferentes fontes de informação para a composição das histórias, com a consulta de cinco ou mais referências.