Análise de Imprensa - Novembro e Dezembro de 2022

Cobertura da transição se sobrepõe às demais no último bimestre de 2022; Enem e intolerância nas escolas também foram destaques

Passado o segundo turno das eleições gerais de 2022, o noticiário sobre educação no Brasil voltou-se às pautas relacionadas à transição de governos. No período novembro/dezembro, cerca de um terço das 270 inserções de clipping tabuladas pelo Radar de Imprensa enfocava prioridades para as políticas educacionais nacionais neste momento de troca de poder, bem como a composição da equipe ministerial que as comandará.

Em novembro, a formação do Grupo Técnico (GT) de Educação no âmbito do Gabinete de Transição da Presidência da República deu o tom à cobertura. O trabalho do GT povoou as páginas dos veículos e alimentou a produção de notícias e reportagens sobre perspectivas e diagnósticos da educação, além de balanços da gestão Jair Bolsonaro (PL):

As prioridades da educação ganharam espaço, ainda, em artigos assinados por educadores e especialistas:

O posicionamento dos jornais sobre a agenda educacional, por sua vez, foi capturado em 16 editoriais na amostra estudada pelo Radar de Imprensa em novembro e dezembro. Destes, nove faziam referência direta ao contexto das eleições; oito apontavam atrasos e retrocessos; quatro cobravam atitudes do poder público e nenhum reconhecia avanços e progressos:

    • Em “Lula precisa dar prioridade a resgate da educação” (08/11), o jornal O Globo afirmou que “poucas áreas foram tão devastadas pelo bolsonarismo como a educação. Talvez a necessidade mais urgente seja a adoção de um novo programa de formação de professores e do tempo integral em toda a rede pública”.
    • Em “Vida nova ao Enem” (11/11), a Folha de S.Paulo lembrou a importância do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como porta de entrada à universidade para pretos, pardos e indígenas e convocou o novo governo federal a “recuperar a função social do exame, desprezada pela atual gestão”.
    • Em “Alfabetizar ajuda a matar a fome” (27/11), O Estado de S.Paulo relacionou a prioridade de erradicar a miséria verbalizada pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com a urgência da alfabetização na idade certa. “Não é mais possível postergar o enfrentamento de um desafio que corrói as possibilidades de desenvolvimento da nação.”

De Izolda a Camilo

O nome da então governadora do Ceará Izolda Cela (sem partido) foi um dos primeiros a despontar na imprensa como ministeriável para a pasta da Educação. A indicação ganhara força com a sinalização negativa do ex-ministro Fernando Haddad em assumir o Ministério da Educação (MEC), mas enfraquecera devido à sua proximidade com o mundo das fundações empresariais, visto com reserva por algumas alas do Partido dos Trabalhadores (PT), e com a manifestação do desejo de ocupar a posição pela senadora Simone Tebet (MDB-MS). Terceira colocada na corrida à Presidência da República, a senadora deu apoio relevante à candidatura de Lula no segundo turno e sua presença em algum posto-chave da Esplanada dos Ministérios era tida como certa.

Os debates na imprensa sobre os ministeriáveis e a composição da nova equipe do MEC intensificaram-se em dezembro, amparando-se em informações dos bastidores da política e apurações em off realizadas por jornalistas veteranos. Outros nomes vieram à tona, como os do deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), do ex-governador do Ceará e senador eleito Camilo Santana (PT-CE) e o do superintendente do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques.

Diante dos diversos fatores que influenciavam a decisão – político-partidários, gênero, raça, representatividade geográfica etc. –, Camilo Santana foi o escolhido. O anúncio de seu nome ocorreu em 22 de dezembro, depois de um período de intensa especulação:

Depois da oficialização de Camilo, Izolda continuou sendo citada, agora para ocupar a Secretaria de Educação Básica. Em 27 de dezembro, a então governadora do Ceará foi nomeada para liderar a secretaria executiva do ministério, posto considerado o número 2 da pasta.

A condução da dupla Camilo e Izolda ao MEC foi alavancada pelo desempenho do Ceará na educação básica a partir da experiência do município de Sobral. No início dos anos 2000, Izolda foi secretária de Educação de Sobral e uma das responsáveis pela implementação das políticas públicas que transformaram o município em referência internacional na área. Em 2007, ela se tornou secretária estadual de Educação e em 2014, quando Camilo Santana elegeu-se governador do Ceará, foi alçada ao cargo de vice-governadora.

As credenciais de Camilo e Izolda foram resgatadas pela imprensa ao longo e, sobretudo, depois do processo de definição dos dois representantes do MEC. Foram produzidos perfis sobre suas trajetórias (exemplos aqui e aqui), reportagens sobre práticas e resultados (aqui), notícias sobre histórias de transformação (aqui) e análises sobre fatores de sucesso (aqui).

A fórmula do Enem

À parte as grandes pautas sobre a transição do governo Bolsonaro para o de Lula, em novembro e dezembro pouco se falou sobre propostas concretas de ação para questões da ordem do dia, como a recomposição das perdas de aprendizagem devido à pandemia, a implantação do novo ensino médio, o avanço do ensino integral e a revisão da Lei de Cotas (a Lei no 12.711/2012).

A classificação dos temas mais presentes no clipping confirmou dois tópicos intimamente relacionados – gestão (31,5% do total de inserções tabuladas) e estrutura organizacional e políticas públicas (30,4%) – no topo da lista, o que era esperado dentro do contexto da transição. A avaliação despontou como o terceiro assunto mais presente (26,3%) e isso se deveu à cobertura da realização do Enem.


Amostra total: 270 respostas (RM)

De modo geral, o noticiário sobre o Enem 2022 seguiu a fórmula tradicional: informações de serviço, dicas de estudo, clima entre os participantes, número de inscritos, abstenções, gabaritos, a importância do exame e como remarcá-lo em caso de doença. Três pontos mereceram tratamento diferenciado pela imprensa:

O Dia da Consciência Negra e a busca de boas histórias

Pelo segundo ano consecutivo, esta análise de clipping não detectou a publicação de um número expressivo de matérias em torno do Dia da Consciência Negra, observado nacionalmente em 20 de novembro.

A constatação reforça a tendência de as questões raciais serem abordadas de forma cada vez mais permanente na pauta diária dos jornais, contrapondo-se à produção de matérias pontuais e restritas a efemérides. Esta é, por exemplo, a linha editorial adotada pela Folha de S.Paulo, conforme explicou a editora de diversidade, Flavia Lima, em um congresso recente de jornalismo.

Segundo ela, o veículo tem como diretriz tratar questões de raça, gênero, religião, classe social, habilidades ou geografia como centrais em todas as matérias. “Tentamos escapar da armadilha de cobrir questões relevantes em datas especiais”, observou a editora, referindo-se especificamente à cobertura de questões raciais em novembro.

“Por muito tempo, a mídia no Brasil tem retratado as comunidades de baixa renda por meio de estereótipos, linguagem vulgar e também racismo, ou tem ignorado como contar boas histórias dessas comunidades”, complementou. “Já é hora de mudar isso.”

Intolerância e violência nas escolas

Mas se o Dia da Consciência Negra não mudou o perfil da cobertura do último bimestre do ano, não se pode dizer o mesmo dos vários episódios de intolerância e racismo ocorridos em escolas e refletidos no noticiário:

O período também foi marcado por três ataques, a tiros e facadas, em escolas – dois em Aracruz (ES), no dia 25 de novembro, associados à apologia ao nazismo (leia mais aqui, aqui e aqui), e um em Ipaussu (SP), em 14 de dezembro (aqui). O clipping sobre os ataques na amostra estudada foi da ordem de 3% do total de inserções tabuladas, o que, pela gravidade dos eventos, poderia ser considerado modesto.

Sabe-se, porém, da série de cuidados que cercam a cobertura deste tipo de assunto, devido à linha tênue que separa a informação de interesse público da propagação de violência. Assim, para embasar esta análise, alguns profissionais ligados às grandes mídias foram consultados e a resposta obtida é a de que se busca um equilíbrio entre o dever de informar e a responsabilidade que esse tipo de caso exige.

Entre as regras não escritas que orientam a atuação da imprensa estão a de que os veículos não deem muitos detalhes sobre o agressor, impedindo sua identificação completa, ainda que seja maior de idade, para evitar que seja idolatrado por grupos de ódio; a não publicação de manifestos de agressores na íntegra, de modo que não sejam usados como peça de propaganda por esses mesmos grupos; que não haja identificação das vítimas menores de idade sem o consentimento dos pais; e que não seja realizada cobertura em vídeo ao vivo de possíveis ataques, para evitar o efeito contágio.

Em 2019, por ocasião do massacre em uma escola de Suzano (SP), que resultou em dez mortes, a Jeduca – Associação de Jornalistas de Educação também elaborou um conjunto de orientações com base em literatura nacional e internacional para o trabalho dos jornalistas nesse tipo de situação. O documento da Jeduca pode ser conferido aqui.