Análise de Imprensa - Novembro de 2021
Imerso em crises, Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) reinou absoluto na cobertura da educação em novembro
É esperado que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) receba mais atenção da imprensa no mês em que é realizado, mas o que aconteceu em novembro foi excepcional e há explicação para isso. Implicada numa escalada de conflitos envolvendo o Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a avaliação ganhou os cadernos de política, fez vários editoriais e chamadas de primeira página e quase virou notícia de polícia.
A análise de uma amostra de 358 inserções de clipping capturadas pelo Radar de Imprensa demonstrou que o assunto foi a pauta de educação mais trabalhada no período. Esta constatação também justifica o gráfico a seguir, sobre os temas mais presentes no noticiário de novembro.
Presença de temas de interesse do Observatório de Educação
358 respostas
Fonte: Análise de clipping Radar de Imprensa
A cobertura abarcando questões ligadas ao Enem jogou luzes sobre o tema da avaliação (69,8%), do ensino médio (69%) e das políticas públicas educacionais (57,3%). Em contrapartida, a tradicional variável dos fatores extraescolares, em que se insere o noticiário sobre educação na pandemia, caiu ao menor nível de 2021 (12,6%).
Em relação à pesquisa sobre as regiões geográficas de interesse das pautas, a abrangência nacional predominou. Dada a importância da educação na agenda social do Brasil, é comum que os textos informativos e opinativos indicados pelo Observatório de Educação por meio do Radar de Imprensa tenham apelo nacional. Também é verdade, porém, que 87,4% das inserções enquadradas nessa categoria foram um recorde no ano e a cobertura do Enem teve muito a ver com isso.
Fonte: Análise de clipping Radar de Imprensa
Linha do tempo
Para compreender por que a cobertura do Enem 2021 foi tão marcante, é preciso repassar os principais fatos geradores das notícias – dos triviais aos bombásticos. É uma lista extensa:
- 01 a 03/11 – Novembro começou com matérias amenas sobre os participantes, a preparação dos estudantes e as clássicas notas de serviço sobre a prova – como “Inep libera cartões de confirmação para inscritos no Enem” (Veja).
- 04/11 – Funcionários do Inep, autarquia ligada ao MEC que é responsável pela realização da avaliação, organizaram um ato público: “Servidores do Inep denunciam ‘falta de comando técnico’ no planejamento do Enem e clima de insegurança” (G1).
- 08/11 – A 13 dias da realização do Enem, um grupo de lideranças do Inep pediu afastamento do cargo, alegando fragilidade técnica e administrativa da atual gestão máxima do órgão, além de assédio moral. A notícia foi amplamente divulgada. Alguns exemplos: “Enem: 35 servidores do Inep pedem exoneração coletiva” (O Estado de S.Paulo), “Representante dos estudantes quer audiência pública com ministro sobre Enem” (UOL) e “Presidente do Inep é chamado na Câmara para explicar debandada de servidores” (Folha de S.Paulo).
- 09/11 – O assunto teve grande repercussão, como na matéria “’Estamos ferindo de morte o órgão diretor da educação brasileira. Isso é muito grave’, diz primeiro presidente do Inep na gestão Bolsonaro” (O Globo). Na Folha de S.Paulo, a repórter Angela Pinho, que cobre educação desde 2006, publicou a análise “Alvo de desmonte na gestão Bolsonaro, Inep ganhou papel central em FHC e Lula”. A entrega de cargos cresceu e os veículos passaram a discutir as possíveis consequências disso: “Inep: entenda a crise que levou à saída de 37 servidores do órgão responsável pelo Enem e como isso pode impactar o exame” (G1) e “Debandada do Inep pode afetar aplicação do Enem e até atrasar gabarito” (O Globo).
- 10/11 – Em audiência na Câmara dos Deputados, Danilo Dupas, presidente do Inep, prestou esclarecimentos sobre a crise. A audiência gerou uma avalanche de matérias, entre elas: “Presidente do Inep diz que data do Enem será mantida e rebate acusações de servidores” (O Estado de S.Paulo); “Em meio a mais uma crise, presidente do Inep diz que Enem está garantido” (G1); e “Presidente do Inep diz que data do Enem será mantida e rebate queixas” (UOL).
- 11/11 – Pausa para mais dicas sobre como se sair bem na prova: “Aplicativo e simulados grátis ajudam a se preparar para o Enem” (Veja). Mas, nesse mesmo dia, o UOL publicou matéria aprofundando uma denúncia antecipada também por Veja: “PF vai ao Inep para vistoriar Enem; instituto diz que é ‘esperado’” (UOL). O veículo apurou que, segundo servidores, um agente da Polícia Federal teria ido ao Inep sem o conhecimento das pessoas responsáveis pelo Ambiente Físico Integrado Seguro (Afis) – que definem as questões e fazem a segurança do exame. Em outra frente de reportagem, O Globo publicou: “Em ofício interno, diretor responsável pelo Enem apoia servidores e critica gestão do órgão”.
- 14 a 20/11 – Inúmeros fatos vieram à tona na semana que antecedeu o primeiro dia de provas do Enem 2021. Um resumo: “Servidores do Inep detalham censura em questões da história recente no Enem” (UOL); “Bolsonaro garante Enem e diz que prova ‘começa a ter a cara do governo’” (O Estado de S.Paulo); “Criadora do Enem cobra investigação após fala de Bolsonaro sobre provas” (UOL); “Mourão diz que o ‘governo não mexeu em nenhuma questão do Enem’” (G1); “Convocação dos supervisores de provas do Enem está atrasada” (O Estado de S.Paulo); “Presidente do Inep nega interferência no Enem e sugere que servidores reagiram a mudanças nas gratificações” (O Globo); “’Enem tem a cara do governo no sentido de honestidade’, diz ministro” (UOL); “PF foi ao Inep para vistoriar sala reservada, e não Enem, diz Ribeiro” (UOL); “Senado aprova pedido de auditoria do TCU no Inep, responsável pelo Enem” (UOL); “Inep impõe sigilo a processo que trata de entrada de PF em sala segura do Enem” (Folha de S.Paulo); “TCU abre processo para investigar irregularidades no Enem” (Carta Capital).
- 21/11 – O dia do exame deu vazão às tradicionais pautas de balanço, como: “Primeiro dia do Enem teve surpresa com redação e ‘questões difíceis’, avaliam candidatos” (G1) e “Enem 2021: primeiro dia de prova tem 26% de abstenção, diz Inep”. Mas a crise não terminou: “Ex-ministros criticam Inep e pedem mudança na autarquia: ‘insustentável’” (Veja).
- 22 a 27/11 – Entre o primeiro e o segundo dia de provas, a imprensa ouviu especialistas para analisar o Enem 2021. Uma das conclusões foi que “a prova com a ‘cara do governo’ que o presidente Jair Bolsonaro afirmou que seria não se concretizou” (O Globo). No UOL, a chamada sobre este gancho foi: “Processo técnico impede Bolsonaro de deixar Enem com a cara do governo”. Ainda em O Globo, pôde-se ler: “Aplicação do Enem sem intercorrências dá fôlego a presidente do Inep”. Mas também uma nova denúncia: “Banco de questões do Enem, que deveria ser atualizado todo ano, não recebe novos itens no governo Bolsonaro e está perto do fim”. Na mesma toada, o UOL publicou: “Com banco de questões esgotado e sem coordenadores, Enem 2022 corre risco”.
- 28 a 30/11 – Nos últimos dias do mês, os destaques foram para o segundo dia de provas – “Enem tem questões sobre desastre de Mariana, Copa do Brasil e carros elétricos” (UOL, com conteúdo do Estadão) –, a desistência do ministro Milton Ribeiro de acessar previamente os exames – “Enem 2021: Ministro diz que ‘abriu mão’ de direito de acessar a prova” (O Estado de S.Paulo) – e para questões ligadas à conclusão desta temporada anual da avaliação – “MEC anuncia resultado do Enem em 11 de fevereiro” (UOL) e “Começa prazo para pedido de reaplicação do Enem” (Agência Brasil).
Em tempo: em manifestação similar à dos servidores do Inep, cientistas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ligada ao MEC, decidiram deixar seus cargos no fim de novembro: “Pelo menos 52 pesquisadores da Capes que atuam em avaliação renunciam coletivamente” (O Globo, 29/11).
Interpretações e pontos de vista
Existiram os fatos, que, como se viu, foram numerosos, e existiram as opiniões sobre os fatos. Os exemplos mencionados na cronologia acima correspondem a textos essencialmente informativos – notas, notícias e reportagens –, mas o clipping sobre o Enem também foi recheado de peças opinativas. Na amostra do Radar de Imprensa, foram contabilizados quase 30 artigos e sete editoriais devotados ao contexto polêmico que envolveu a realização da avaliação.
No reduto dos artigos, a presidência da República e o MEC receberam críticas diretas pela crise no Inep e seus reflexos sobre o Enem:
- No UOL (19/11), “Bolsonaro leva a bagunça ao Enem com método”, por Josias de Souza, colunista.
- Em O Estado de S.Paulo (16/11), “Bolsonaro se apossou do Enem e avisou”, por José Nêumanne, colunista.
- Na Folha de S.Paulo (18/11), “Um Enem com a cara do governo”, pela escritora Tati Bernardi; em 19/11, “Crime contra o Enem”, por Cristina Serra, jornalista.
- Na Carta Capital (/11), “Isso tem nome. Chama-se fascismo”, por Camilo Aggio, pesquisador.
Alguns articulistas enfrentaram com ironia a insensatez dos acontecimentos. Foi o caso da jornalista Laura Mattos, na Folha de S.Paulo, com “Sobre a crise em torno do Enem, assinale a alternativa correta” (11/11); do colunista Chico Alves, no UOL, com “Desmonte do Enem é mais uma obra de Bolsonaro, especialista em destruição” (14/11); e do escritor Marcelo Rubens Paiva, em O Estado de S.Paulo, que propôs uma espécie de simulado em “O novo Enem” (19/11).
Quanto aos editoriais, o Estadão foi o veículo que mais assinou posicionamentos na cobertura do Enem, agregando ao debate perspectivas mais amplas nos campos da política, da equidade e da justiça social.
Em O Estado de S.Paulo, destacaram-se os seguintes textos: “A educação no fundo do poço” (10/11), “O Enem, na visão de Bolsonaro” (17/11), “Bagunça do Enem é ‘a cara do governo’” (19/11), “A razão venceu, por ora” (23/11) e “O preocupante balanço do Enem” (30/11). Na Folha de S.Paulo, a menção fica para os editoriais “Inépcia no Inep” (09/11) e “Questão mal resolvida” (27/11).
Todos os editoriais criticavam a gestão desastrosa do governo Bolsonaro na área educacional, sendo que apenas o do dia 23/11, no Estadão, trazia algum tipo de reconhecimento positivo – neste caso, aos técnicos do Inep que conseguiram formular um exame equilibrado, apesar da pressão do presidente da República para interferir na prova.
Outras pautas
Não sobrou muito fôlego para a imprensa cobrir com profundidade outros assuntos, além do Enem, em novembro. Dentro do tema da equidade, a Folha de S.Paulo preparou o editorial “Menos desigual” (02/11), sobre um novo estudo do Insper que constatou redução da desigualdade social entre 2002 e 2017 graças ao impacto positivo de políticas públicas.
Os efeitos do aumento da fome no Brasil depois da pandemia foram abordados em uma matéria da BBC News reproduzida pelo UOL em 17 de novembro: “Minha aluna desmaiou de fome: professores denunciam crise urgente nas escolas brasileiras”. O pesquisador Alexandre Schneider revisitou o assunto em seu artigo para a Folha de S.Paulo no dia seguinte: “Uma criança desmaiada sobre a carteira escolar”. Dias antes, na Carta Capital, a nutricionista Patrícia Gentil escreveu sobre merenda escolar: “A quem realmente serve a alimentação escolar?” (08/11).
Em contraste com o que se vê anualmente, a observação do Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, não gerou muitas pautas. Na amostra estudada pelo Radar de Imprensa, o destaque ficou para a reportagem multimídia “Universidades incluem mais alunos negros, mas só 3% têm igualdade racial entre professores” (O Estado de S.Paulo). O trabalho é uma bela produção de jornalismo de dados capitaneada pelas repórteres Mariana Hallal e Júlia Marques, com design de Bruno Ponceano.
Em tópico correlato, o Estadão publicou em 22 de novembro a matéria “Com revisão prevista para 2022, Lei de Cotas enfrenta polarização no Congresso e pode excluir negros”. E o advogado Hector L. C. Vieira escreveu para os Blogs do Estadão o artigo “Cotas raciais: entre a revisão e o compromisso ético e constitucional”. Além disso, houve inserções sobre educação antirracista aqui, aqui e aqui.
Por fim, na seara dos veículos especializados, fica a dica sobre o lançamento do podcast realizado pelo portal Porvir, em parceria com o Instituto Unibanco: “O Futuro se Equilibra”, sobre equidade na educação. Acompanhe os episódios apresentados em novembro aqui: “O Futuro se Equilibra #001 – o que é equidade na educação?” (17/11) e “O Futuro se Equilibra #002 – Interseccionalidade na educação”.