O que está em jogo na PEC urgente do novo Fundeb
Publicado em 13 de julho de 2020,
Atualizado em 18 de agosto de 2020
A Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 21 de julho, a proposta de emenda constitucional (PEC) do novo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) – que financia cerca de dois terços de toda a educação básica pública do Brasil. O fundo expira no final deste ano. Agora segue para o Senado, onde também tem de ser aprovada com maioria qualificada em dois turnos. De acordo com a Agência Senado, o relator da proposta, senador Flávio Arns (Rede-PR), afirmou que a votação deve acontecer ainda em agosto. Se o texto for aprovado no Senado, tornará o Fundeb permanente e promoverá mudanças importantes no financiamento e na distribuição de recursos para a educação pública básica do país.
Criado em 2007, com prazo de vigência até 31 de dezembro de 2020, o Fundeb é o principal mecanismo de financiamento da educação básica pública no Brasil. Em 2019, movimentou cerca de R$ 165 bilhões, que foram empregados para viabilizar a escolarização de quase 39 milhões de alunos matriculados nas redes públicas de ensino, da creche ao ensino médio, incluindo a educação de jovens e adultos (EJA).
O Fundeb é um fundo especial, de natureza contábil e âmbito estadual, formado pela junção de fundos dos 26 estados da Federação e do Distrito Federal. Com função redistributiva, é composto quase que na íntegra por recursos oriundos de impostos e transferências dos entes federativos e seus municípios, recursos estes vinculados constitucionalmente à educação.
O fundo também conta com a complementação da União, com repasses hoje limitados a 10% da contribuição dos estados e municípios. Os montantes do governo federal entram em cena sempre que, na esfera de cada estado, seu próprio fundo não é capaz de cobrir o valor mínimo por aluno definido a cada ano, como referência nacional, por uma comissão intergovernamental. Em 2020, este valor anual mínimo corresponde a R$ 3.643,16. Os estados que recebem contribuição complementar do Fundeb atualmente são Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí.
Na nova versão, serão 23%. Pela PEC, a contribuição da União para o Fundeb crescerá de forma gradativa de 2021 a 2026. Assim, em 2021 a complementação da União começará com 12%; passando para 15% em 2022; 17% em 2023; 19% em 2024; 21% em 2025; e 23% em 2026.
A previsão, segundo agenda divulgada pela Presidência do Senado, é que os senadores votem a PEC na próxima semana, provavelmente em 25 de agosto. A matéria já recebeu parecer favorável do senador Flávio Arns (Rede-PR) que decidiu manter o texto aprovado pela Câmara dos Deputados.
Assista à entrevista da deputada Dorinha Seabra Rezende em 01/07/2020 à TV Câmara.
No formato atual, os recursos do Fundeb devem ser destinados à manutenção e ao desenvolvimento da educação básica pública, obedecendo à rubrica de pelo menos 60% para a remuneração dos profissionais do magistério na ativa – professores e também profissionais que exercem atividades de suporte pedagógico, como direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão, coordenação pedagógica e orientação educacional. A ampliação de 60% para 70% desta subvinculação, destinada a pagamento de salários, é um dos pontos de debate mais intenso.
De acordo com um levantamento realizado pelo movimento Todos pela Educação, os recursos do Fundeb representavam, em 2015, mais da metade do que se investiu em educação em 90% dos municípios brasileiros naquele ano. Em entrevista recente à TV Câmara, a deputada Dorinha situou que o Fundeb cobre 63% do financiamento da educação básica pública no Brasil.
Risco de fechamento
Nas palavras da relatora, a possibilidade de extinção do Fundeb, que também atua na redução das diferenças do investimento em educação entre os municípios dentro de um mesmo estado, traria um cenário de “caos” ao setor. “Se o Fundeb deixar de existir, muitos municípios vão fechar suas escolas”, assinala a parlamentar.
Alexandre Soares Gomes, presidente da seccional da União dos Dirigentes Municipais de Educação no Rio Grande do Norte (Undime-RN), divulgou uma carta, no último dia 29 de junho, que mostra o tamanho do risco no estado se a PEC do Fundeb não prosperar.
“No Rio Grande do Norte, dos 167 municípios potiguares, mais da metade não conseguiria pagar os profissionais da educação sem a complementação dos recursos do Fundeb”, escreveu o educador. Ele confirma que, sem o fundo, muitas escolas do estado teriam que fechar suas portas, “pois não haveria condições de sobrevivência”.
Assista ao painel “Financiamento da educação e o novo Fundeb”, realizado pelo Todos pela Educação em 24/06/2020.
A urgência da votação do projeto tornou-se ainda maior no contexto atual de pandemia. Completados mais de 100 dias de isolamento social em razão da Covid-19 – o que significa, em média, mais de 70 dias letivos com alunos fora das instituições de ensino –, a situação de insegurança das comunidades escolares fica cada vez mais evidente.
Para um futuro próximo, de retomada das atividades, a preocupação com o gasto das redes aumenta em escalada diante do desafio de acolher os alunos segundo os protocolos de segurança sanitária necessários, assim como de lhes fornecer atendimento educacional adequado, sem contar os recursos que já estão sendo utilizados para viabilizar o ensino remoto.
Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, ressaltou, durante o painel “Financiamento da educação e o novo Fundeb”, promovido pelo Todos pela Educação, que o contexto traz enorme responsabilidade para os atores envolvidos, ao mesmo tempo que pode se configurar como oportunidade. “Oportunidade do ponto de vista do valor da educação. Precisamos ter um acordo da sociedade, em um amplo espectro político, querendo uma inserção do país mais adequada aos desafios do século XXI.”
Neste sentido, o processo de construção do texto do novo Fundeb que será apresentado, segundo relato da deputada Dorinha, durante o mesmo painel, mostra elementos dessa convergência de esforços. “O novo Fundeb tem muitos autores que ajudaram a escrever o texto possível”, salientou ela. “E é um exercício do pacto federativo, a União pode e deve contribuir mais e é essa a perspectiva do texto.”
Por dentro da PEC 15/2015
De autoria da então deputada Raquel Muniz (PSC-MG), a PEC 15/2015 estabelece, além da perenidade do Fundeb, o aumento do percentual de complementação da União ao fundo dos atuais 10% para até 30%.
Durante o período de tramitação, o projeto foi debatido em 46 audiências públicas com a participação de parlamentares, representantes do Poder Executivo nas três esferas de governo, especialistas e lideranças de movimentos sociais em prol da educação. Nessa trajetória, também ganhou força a ideia de que o novo Fundeb seja um indutor mais potente de equidade social.
As discussões trouxeram muitas sugestões de alteração ao texto, sendo cogitado, em minuta feita pela deputada Dorinha, que a contribuição da União chegasse a 40% até 2031. Todavia, em março de 2020, o parecer da relatora da PEC estabeleceu a complementação da União em no mínimo 20% até 2026, partindo de 15% no primeiro ano após a aprovação do fundo, chegando ao teto em cinco anos.
Com o impacto crescente da Covid-19 sobre a economia e a arrecadação, a deputada revisou sua posição e passou a trabalhar com o patamar de 12,5% de complementação para o primeiro ano de vigência do novo Fundeb, e não mais 15%.
No quesito da equidade, o substitutivo da PEC caminha para a adoção de novos mecanismos de cálculo do valor aluno/ano que refletirão, por sua vez, um novo modelo de distribuição dos valores de complementação da União.
Em vez de esses repasses acontecerem apenas na esfera do Distrito Federal e dos estados que apresentarem valor aluno/ano inferior ao mínimo definido para o país, serão também favorecidas as redes públicas de ensino municipal, estadual ou distrital que sofram com a mesma questão. A medida visa corrigir distorções como cidades ricas em estados pobres recebendo o reforço do governo federal, enquanto municípios mais vulneráveis, em estados ricos, não são elegíveis a ele.
Para saber mais sobre alocação de recursos no Fundeb, leia o Estudo Técnico nº 24/2017, de Claudio Riyudi Tanno.
A deputada Dorinha vem destacando o empenho do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na mobilização dos deputados para a votação e aprovação da proposta. Em pronunciamentos recentes, a relatora mencionou o envolvimento concomitante do Senado Federal para que o projeto seja aprovado em definitivo no Congresso Nacional o quanto antes.
Por se tratar de uma emenda constitucional, serão necessários dois turnos de votação em cada uma das casas do Congresso, com três quintos dos votos favoráveis. Uma vez aprovada, a PEC precisará ainda ser regulamentada para ganhar efeito já nos primeiros dias de 2021.
O Todos pela Educação defende que as regulamentações precisam ser feitas com bastante cuidado, pois há muito a ser especificado – o novo modelo, para ser mais redistributivo, é também mais complexo e sofisticado que o atual. Para que não sejam feitas às pressas, poder-se-ia aprovar o novo Fundeb mantendo-se as regras atuais em 2021, para regulamentar as mudanças, que passariam então a valer a partir de 2022.
Vale ressaltar que no Senado Federal também correm PECs no mesmo sentido (ver tabela com todas as propostas abaixo). Porém a orientação é a de que, se a PEC 15/2015 for aprovada na Câmara, ela seja priorizada no Senado.
Propostas de Emenda Constitucional |
Relatoria |
Proposições |
Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO) |
Complementação da União de 20%, partindo de 12,5% no primeiro ano |
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José da Cruz Marinho (PSC-PA) |
Complementação da União de 30%, partindo de 12% no primeiro ano |
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Flávio Arns (Rede Sustentabilidade- PR) |
Complementação da União de 40%, partindo de 20% no primeiro ano |
Conheça o posicionamento de organizações sociais e associações sobre o novo Fundeb
Ministério da Educação (MEC)
Em ofício mencionado no parecer da deputada Dorinha, o Ministério da Educação (MEC) se posicionou a favor de um aumento da contribuição da União de até 15%, sendo que, no primeiro ano, o aporte deve permanecer limitado a 10%, aumentando 1% ao ano até atingir o teto.
Todos pela Educação
O movimento Todos pela Educação trata o novo Fundeb como “oportunidade propulsora de equidade socioeconômica no país”, defendendo o aumento da contribuição da União de 10% para 15% e a adoção do modelo VAAT (Valor Aluno/Ano Total) como referência para orientar a distribuição dos recursos complementares da União. Em vez de a complementação seguir aos estados que não atingiram o valor aluno/ano médio do Fundeb, como ocorre hoje, os recursos da União devem beneficiar os entes federativos com os menores VAATs do país. Isso corrigiria distorções como a impossibilidade de municípios pobres receberem o auxílio por estarem situados em estados ricos. Saiba mais aqui.
Campanha Nacional pelo Direito à Educação
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação defende o aumento da contribuição da União de 10% para 40% e que a distribuição desses recursos considere de forma combinada os referenciais atuais do valor aluno/ano do Fundeb e o VAAT. Porém, no contexto de urgência atual, a organização apoia a aprovação do substitutivo da PEC conforme encaminhou a relatora, desde que “seja retirado o Salário-Educação da complementação da União” (Art. 11 no texto do substitutivo). O Salário-Educação é uma contribuição social realizada por empresas públicas e privadas que também financia a educação básica, geralmente utilizada em programas suplementares, como o de alimentação escolar. No Fundeb atual, esse recurso não é contabilizado como parte da contribuição da União. Saiba mais aqui.
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime)
A Undime defende a elevação do percentual de complementação da União para 20% no primeiro ano de vigência do Fundeb, aumentando progressivamente em 2% ao ano até atingir os 40%. Também apoia a retirada do Salário-Educação como parte da contribuição da União e a adoção de parte da distribuição de recursos pelo modelo VAAT. Saiba mais aqui.
Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed)
Em nota técnica assinada com a Undime, o Consed também propõe um mínimo de 20% de complementação da União para o Fundeb em seu primeiro ano de vigência, com incrementos anuais progressivos de 2% até chegar a no mínimo 40%. O posicionamento do Consed foi ampliado com a Nota Técnica 7/2019, que defende um Fundeb mais redistributivo, porém sem perdas para os estados que hoje recebem complementação da União, mediante um modelo de transição. Saiba mais aqui.
Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca)
Além da constitucionalização permanente do Fundeb, a associação pleiteia, entre outros aspectos, a elevação dos recursos de complementação da União à casa dos 40%, para garantir imediatamente a implementação do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) e do Custo Aluno Qualidade (CAQ) até 2024. Assim como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a Undime, a Fineduca refuta o uso dos recursos do Salário-Educação como fonte financeira para a complementação da União. Saiba mais aqui.