Currículo

Educação socioambiental: conceitos e políticas públicas

A necessidade de preservação do meio ambiente é uma das discussões mais importantes e urgentes da atualidade. O tema, hoje pauta constante da agenda internacional, começou a ser abordado mais diretamente somente a partir de 1972, ano da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em Estocolmo, na Suécia.

Vinte anos após a conferência de Estocolmo, foi realizada, na cidade do Rio de Janeiro, a Rio-92. O objetivo central dessa edição da conferência era o de informar que, se todos os países em desenvolvimento buscassem alcançar os mesmos padrões e índices de produção dos países mais ricos, chamados de desenvolvidos, os recursos naturais não seriam suficientes, o que causaria graves e irreversíveis danos ambientais. O encontro, que reuniu 62 chefes de Estado, 43 primeiros-ministros e 8 vice-presidentes, entre outras lideranças mundiais, ganhou o sugestivo título de "Cúpula da Terra".

Desde 1995, vem sendo realizada anualmente pela ONU a Conferência das Partes (COP, do inglês Conference of the Parties). Durante esses encontros, ao longo dos anos, foram criadas iniciativas ambientais relevantes, como, na COP 3, o Protocolo de Kyoto (com propostas de metas para a contenção das emissões de gases de efeito estufa), e na COP 21, o Acordo de Paris (mobilização global para limitar o aquecimento global em até 1,5ºC), entre outras.

Em novembro de 2023, acontecerá nos Emirados Árabes Unidos a 28ª edição da conferência, a COP28. Para Majid Al Suwaidi, diretor do evento, transição energética, finanças, mitigação das desigualdades sociais e adaptação são os quatro temas que nortearão as negociações dos países, por serem considerados essenciais para a garantia de um futuro limpo e sustentável.

Ainda segundo Majid, o Brasil tem uma posição de protagonismo na conferência, em razão dos esforços do país para se reinserir na agenda ambiental global, com ações como: a recuperação do Fundo Amazônia, com captação de recursos para o combate ao desmatamento e a promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal, além do apoio ao desenvolvimento de sistemas de monitoramento e controle do desmatamento no restante do Brasil e em outros países tropicais; a correção da meta climática brasileira, com redução nas emissões de 48% até 2025 e de 53% até 2030; a reformulação do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), que busca reestruturar a política climática brasileira; entre outras.

O Brasil também sediará a 30ª edição da conferência, a COP30, em novembro de 2025, em Belém, no Pará. A candidatura foi apresentada pelo presidente Lula logo após ser eleito em 2022, e a confirmação aconteceu em maio deste ano.

Para além dessa importante reinserção do país na agenda internacional sobre o tema, é de grande relevância que o assunto esteja presente no dia a dia da sociedade. É nesse sentido que entra como alicerce fundamental para a temática a educação socioambiental.

Educação socioambiental: conceitos e políticas públicas

A palavra socioambiental é um neologismo que visa abordar questões relacionadas ao meio ambiente e à sociedade. Segundo o Dicionário Ambiental, desenvolvido pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo, a ideia de unir sociedade e meio ambiente é “abordar os problemas de uma nova maneira, pois, historicamente, a humanidade fez uma divisão entre natureza e cultura, natureza e homem”.

O texto, de autoria de Rozélia de Medeiros e edição de Rachel Azzari, menciona ainda que

abordar uma questão de maneira socioambiental vai muito além de cumprir as leis referentes ao meio ambiente, resíduos, preservação de biomas, é entender que a sociedade está no planeta e faz parte dele e que a qualidade de vida, incluindo a dos animais e vegetais, deve ser pensada de forma global.


Segundo Sheila Ceccon, responsável pela dimensão socioambiental de projetos e assessorias no Instituto Paulo Freire, educação socioambiental é aquela que forma sujeitos comprometidos com a valorização da vida, em todas as suas formas, e que respeitam os outros, o mundo e a si mesmos:

Sujeitos cujas práticas diárias são intencionais, impregnadas de sentido. Percebem a inter-relação existente entre as atitudes individuais e os impactos socioambientais locais, regionais e planetários. Cidadãos que não se contentam em agir individualmente de forma responsável, mas ocupam os espaços de participação social buscando contribuir para a transformação de atitudes de tantos outros sujeitos. Homens e mulheres que exercem ativamente sua cidadania, acreditando na possibilidade de transformar a realidade tornando-a mais justa e mais feliz.


A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), estabelecida pela Lei nº 9.795, de 1999, a menciona em seu artigo primeiro:

Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.


O segundo artigo da PNEA define ainda que “a educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente em todos os níveis e modalidades do processo educativo”. Assim, o meio ambiente passou a ser um tema obrigatório dos currículos escolares, pensado para ser abordado de forma interdisciplinar e contínua.

A educação socioambiental, portanto, não é tema de uma disciplina específica, deve ser tratada de forma transversal nas escolas. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que regulam e descrevem os procedimentos a serem adotados pelas instituições escolares para promover a educação socioambiental, o tema pode ser trabalhado sob uma perspectiva interdisciplinar e contextualizada.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), assim como a LDB e os PCNs, indica a inserção da educação socioambiental nos currículos escolares:


Cabe aos sistemas e redes de ensino, assim como às escolas, em suas respectivas esferas de autonomia e competência, incorporar aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas contemporâneos que afetam a vida humana em escala local, regional e global, preferencialmente de forma transversal e integradora.


Esse tema voltou à pauta recentemente em razão da reinserção do Brasil na agenda internacional ligada às mudanças climáticas e entrou em debate novamente no Congresso Nacional. Em audiência pública na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, realizada em junho de 2023, especialistas defenderam que a educação climática deve continuar integrada às demais disciplinas do currículo escolar e não ser oferecida como conteúdo isolado.

Suelly Araújo, conselheira do Observatório do Clima – rede de organizações não governamentais que atuam em mudanças climáticas no Brasil –, que participou desse debate desde a época da elaboração da Lei de Educação Ambiental (Lei nº 9.795/99), lembrou que já ocorreu uma ampla discussão com especialistas em Pedagogia e em políticas ambientais para decidir se a educação socioambiental deveria ser inserida nos currículos como uma nova disciplina. Ao final, optou-se pela não criação dessa disciplina.

Para Suelly, inserir o tema como uma nova disciplina agora pode gerar uma reação negativa por parte dos estudantes. “Eu acho que o mais forte é quando nós conseguimos espalhar a questão ambiental em toda a formação do aluno nos diferentes níveis de ensino”, disse.

Educação socioambiental nas escolas

E como isso tem se dado nas escolas? Apesar de bastante difundida, e do consenso sobre a urgência do tema na sociedade, a educação socioambiental ainda enfrenta desafios.

A publicação O que fazem as escolas que dizem que fazem educação ambiental?, lançada em 2007 pelo Ministério da Educação e pela Unesco, apresenta os resultados de uma pesquisa realizada sobre a realidade dessa questão nas escolas de Ensino Fundamental brasileiras.

Iniciada em 2005, a pesquisa partiu da constatação da universalização da educação ambiental. Dados do Censo Escolar mostravam que, em 2001, somente 61,2% das escolas declararam trabalhar com essa questão, mas, em 2004, esse percentual já era de 95%. Então, foi realizada uma análise qualitativa com 418 escolas para buscar responder como a educação ambiental estava sendo desenvolvida naquele momento; quais eram seus objetivos, os atores envolvidos e o grau de participação na implementação; e como se dava a integração entre a unidade escolar e a comunidade.

Entre os principais achados da pesquisa está o fato de que a maioria dos projetos relacionados ao tema foram iniciados por motivação de um professor ou de um grupo de professores, por conta dos parâmetros estabelecidos pelo governo, por problemas ambientais na comunidade ou por interesse dos alunos. Apesar de ser um levantamento mais antigo, alguns dos desafios mapeados na ocasião ainda persistem.

Um deles certamente refere-se à formação dos professores para abordarem o tema em suas disciplinas. Na matéria “Os desafios da educação ambiental”, Luiz Marcelo de Carvalho, professor do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro e coordenador do grupo de pesquisas Temática Ambiental em Processo Educativo, afirma que, além da ausência de um treinamento adequado para trabalhar o assunto, há a ausência de um projeto pedagógico que auxilie os professores na tarefa.

Carvalho afirma ainda que, embora existam pesquisas sobre educação ambiental, pouco se sabe sobre o que ocorre, efetivamente, nas escolas. É possível citar desde a realização de ações comemorativas, como o Dia do Meio Ambiente, até a inclusão de disciplinas sobre o tema em suas grades curriculares. “Agora, uma perspectiva que me parece mais concreta, eficiente, é o desenvolvimento do tema por meio de projetos. Isso é interessante porque permite uma multiplicidade de experiências e vivências a partir de diferentes áreas curriculares, o que dá uma compreensão muito mais ampla da questão”, afirma.

Entender essa interdisciplinaridade e conseguir aplicá-la em sala de aula são desafios que esbarram, muitas vezes, justamente na formação dos professores de diferentes disciplinas. E pelo fato de a educação ambiental apresentar temas e problemas em diferentes contextos e esferas de interação, por não ser uma disciplina específica, é necessário que os estudantes tenham contato com toda a complexidade dessa área, que envolve aspectos culturais, políticos, econômicos e sociais.

Segundo Elza Neffa, professora da Faculdade de Educação e coordenadora do Núcleo de Referência em Educação Ambiental da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), em seu artigo para a revista Desenvolvimento e Meio Ambiente, só é possível dar conta da complexidade socioambiental a partir de uma “perspectiva inter e transdisciplinar, considerando o meio ambiente em sua totalidade e a interdependência entre o meio natural, o econômico e o social, sob o enfoque da sustentabilidade”.

Além da formação docente e da importância de se trabalhar de forma inter e multidisciplinar, ela aponta ainda uma questão relacionada às diferentes vertentes que podem existir sobre a educação socioambiental. Neffa menciona a existência de três macrotendências como modelos político-pedagógicos no Brasil: a conservadora, a pragmática e a criativa.

Segundo ela, a vertente conservadora está vinculada ao que a pesquisadora cita como “pauta verde”, “pois se baseia nos princípios da ecologia, na relação afetiva entre ser humano e natureza, e na mudança de comportamentos individuais”. A vertente pragmática relaciona-se a uma “pauta marrom”, ou seja, está ligada a questões como consumismo, consumo sustentável, economia de energia e de água, mercado de carbono, ecotecnologias, redução da pegada ecológica. A vertente crítica parte da ideia de que a educação socioambiental “não encontra respostas em soluções reducionistas; incorpora questões culturais e subjetivas que surgem com as transformações das sociedades, com a ressignificação da noção de política e com a politização da vida cotidiana e da esfera privada”.

Alguns exemplos de experiências relacionadas à educação ambiental nas escolas podem ser encontrados no Banco de Soluções, no presente Observatório de Educação, em depoimentos de gestores, professores, alunos e familiares que relatam práticas unindo aprendizagem e ações socioambientais. O que é comum a todas as experiências relatadas é que não houve a atuação de apenas um professor em sala de aula, mas o envolvimento de docentes de diferentes disciplinas, em conjunto com a gestão escolar, para a promoção das iniciativas.

As experiências relatadas estão associadas a atividades concretas e práticas, tanto na escola quanto na comunidade ao redor.

Destacamos do banco um exemplo, o dos Projetos interdisciplinares para consciência ambiental, realizados pelos alunos do colégio Desembargador Dilermando Meireles, no município de Novo Gama (GO). Nessa iniciativa, um trabalho conjunto entre os professores de Biologia, Química, Física e Matemática, foi criada uma proposta pedagógica multidisciplinar com foco no incentivo à iniciação científica, aliando conhecimento, consciência ambiental e sustentabilidade. A ação deu origem a uma horta que fornece alimentos para a própria escola.

Educação socioambiental: desastres e racismo ambiental

A tese de doutorado de Patrícia Matsuo, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), cujo texto original transformou-se no livro Práticas escolares de educação em redução de riscos e desastres socioambientais, indica também que a educação ambiental nas escolas pode contribuir para a prevenção de desastres socioambientais.

A pesquisadora destaca que metodologias inovadoras nas escolas podem formar a consciência de bons cidadãos. Em sua tese, cita atividades educativas que incluem trabalhos práticos, como o monitoramento da precipitação de chuvas nas áreas das escolas, realizado pelos alunos com pluviômetros feitos com garrafas PET.

Matsuo aponta ainda o fato de os exercícios e práticas terem sido desenvolvidos de forma multidisciplinar nas escolas. “O trabalho é uma forma de reconhecimento desses professores e professoras pelas ações que estão desenvolvendo em torno da escola. Eles estão construindo conhecimentos em redução e prevenção de riscos e desastres, além de serem agentes ativos no desenvolvimento de metodologias educativas inovadoras”, afirma.

Outro ponto importante sobre educação ambiental é o seu papel no combate ao racismo ambiental. O jornalista Jefferson Barbosa, integrante do coletivo Voz da Baixada e editor do Perifa Connection, apresentou uma perspectiva da juventude periférica brasileira na cobertura da 25ª COP: “O debate climático não pode ser mais um reprodutor das desigualdades que a sociedade brasileira cristaliza.”

A questão levantada por Jefferson vai ao encontro da concepção de racismo ambiental, que vem sendo cada vez mais utilizada pelo movimento negro no Brasil para discutir os impactos da mudança climática e das decisões dos governos sobre a vida da população negra e periférica. O termo racismo ambiental foi cunhado por Franklin Chavis, líder afro-americano de direitos civis, na década de 1980:


O conceito surgiu nos Estados Unidos em um contexto de manifestações do movimento negro contra injustiças ambientais. O termo faz referência às formas desiguais pelas quais etnias vulnerabilizadas são expostas às externalidades negativas e a fenômenos ambientais nocivos como consequência de sua exclusão dos lugares de tomada de decisão.


Porém, quando o assunto é clima, é pouco usual encontrar estudos nas universidades que relacionam questões ambientais e desigualdades sociais, conforme afirma Huri Paz, mestrando em Sociologia na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e pesquisador do núcleo Afro/Cebrap. Paz, em seu artigo “Racismo ambiental e mobilidade urbana na cidade do Rio de Janeiro: estudo de caso sobre a Perifa Connection, busca compreender as relações entre as atividades ligadas ao racismo ambiental e a mobilidade urbana na cidade do Rio de Janeiro.

Segundo ele, “esse conceito passa por transformações para a gente conseguir interpretar outros fenômenos que também são associados ao racismo ambiental”. Por exemplo, é possível entender como racismo ambiental a existência de áreas de risco suscetíveis a enchentes e deslizamentos de terra. De acordo com Paz,

você não necessariamente precisa colocar um lixão ao lado da favela para que ela sofra racismo ambiental. Mas a partir do momento que você tem uma cidade e um estado que joga a população negra para as periferias, que têm risco de isso acontecer, você também está provocando racismo ambiental.


Nesse sentido, apesar de todos os desafios de trabalhar temas relacionados ao meio ambiente nas escolas, a educação socioambiental claramente tem um papel central para o desenvolvimento de um país que se preocupa com as mudanças climáticas, com a interação dos seus cidadãos com o meio em que vivem e, especialmente, com o combate às desigualdades.