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Educação integral: tempo, qualidade, desafios e oportunidades

Entre as prioridades para a área da educação anunciadas desde o início do atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está a educação integral. Em maio de 2023, o governo federal lançou o Programa Escola em Tempo Integral, – instituído oficialmente pela Lei nº 14.640, sancionada em 31 de julho –, com o objetivo de ampliar em 1 milhão de matrículas a oferta dessa modalidade de ensino na Educação Básica de todo o Brasil. De acordo com o governo, a meta é alcançar 3,2 milhões de matrículas até 2026 e, para tal, serão disponibilizados 4 bilhões de reais nos próximos anos.

Reportagem da Agência Brasil aponta que, na primeira etapa do programa, o Ministério da Educação (MEC) vai estabelecer as metas de matrículas em tempo integral junto aos estados e municípios. Estes precisam aderir ao programa para receber os recursos destinados às novas vagas, que serão transferidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) levando em conta as matrículas pactuadas, o valor do fomento e critérios de equidade.

A ampliação da oferta da educação em tempo integral já era meta do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 (Lei nº 13.005/2014). O PNE indica que, em dez anos, a educação em tempo integral – com jornadas diárias de 7 horas ou mais – deve ser ofertada em 50% das escolas públicas de todo o país, de forma a atender pelo menos 25% dos alunos da Educação Básica.

Porém, o Brasil ainda está bastante longe dessa meta. De acordo com dados do Censo Escolar de 2022, a média de alunos brasileiros matriculados em tempo integral é de 14,4%. Nas creches das redes municipais, esse índice chega a 56,8%. Já na pré-escola, a taxa é de 12,2%. Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, os estudantes matriculados em tempo integral representam 11,4% e, nos anos finais, 13,7%.

O estado com mais alunos matriculados em tempo integral na rede pública de Ensino Fundamental é o Ceará (41%), seguido por Piauí (38,8%) e Maranhão (38%). No outro extremo, estão Amapá (2,1%), Rondônia (2,8%) e Roraima (4,6%).

 

Já no Ensino Médio, 20,4% dos estudantes da rede pública estavam matriculados em tempo integral em 2022. O estado com mais alunos matriculados nesse nível de ensino é Pernambuco, com 62,5%, seguido por Paraíba (57,8%) e Ceará (42,1%). No outro extremo, estão Paraná (4,4%), Rio Grande do Sul (4,7%) e Pará (5,2%).

Gráfico 2.png

 

Como apontam os dados, o Ceará é hoje um dos estados que mais se destacam na oferta de educação integral, tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio. No caso das escolas de Ensino Médio, o modelo de educação integral foi adotado apenas em 2016, e, depois de 6 anos, o estado já é o terceiro do Brasil na proporção de alunos matriculados na rede pública nessa modalidade.

Educação em tempo integral e educação integral

Algo importante a ressaltar quando falamos em educação integral é a diferença de conceitos que podem norteá-la: o da ampliação da jornada em número de horas – educação em tempo integral, com carga horária de 7 horas por dia nos 5 dias da semana, como determina o Conselho Nacional de Educação (CNE) , e o que tem o foco no pleno desenvolvimento intelectual, físico, social, cultural e emocional das crianças e dos jovens – educação integral. A jornada ampliada pode acontecer, ou não, a partir da concepção de educação integral.

O professor Miguel Arroyo, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que educação integral não é a mesma coisa que escola em tempo integral:

Educação integral é uma concepção de que o ser humano é sujeito integral enquanto sujeito de conhecimento, de cultura, de valores, de ética, de memória, de imaginação. Portanto, a educação tem que dar conta de todas essas dimensões da formação de um ser humano. A própria LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional], no artigo segundo, aponta a função da educação de garantir o pleno desenvolvimento do ser humano, essa seria a ideia de educação integral. A ideia da educação em tempo integral em parte coincide com isso, pois para poder dar conta de todas essas dimensões humanas é preciso de mais tempo, mas não só mais tempo na escola. A gente se educa no trabalho, na família, no convívio... A formação humana não se dá só na escola, mas a escola tem que garantir tempo de formação humana.

De acordo com Jaqueline Moll, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, uma das idealizadoras do Programa Mais Educação e responsável pela Diretoria de Currículos e Educação Integral da Secretaria de Educação Básica do MEC no período de 2007 a 2013:

 A confusão que se faz é muito grande, fala-se de escola de tempo integral quase como um nome fantasia. O tempo pode ser ampliado, a corda do tempo pode ser esticada sem que se faça educação integral, focando-se no reforço de determinadas disciplinas escolares a serem avaliadas, em um círculo vicioso que retira da escola a perspectiva de sua função social e cidadã. [...] Sabemos que o tempo das 4 horas diárias é insuficiente. Portanto, a ampliação do tempo é uma condição, mas não pode ser o marcador da educação integral, assim como a ampliação dos espaços. Deseja-se uma escola para além dos espaços das salas de aula, na perspectiva de salas ambiente, de oficinas, de laboratórios, espaços de arte, hortas, jardins e espaços para além dos muros escolares.

A publicação Avaliação na Educação Integral: elaboração de novos referenciais para políticas e programas, desenvolvida pela Associação Cidade Escola Aprendiz em parceria com a Move Social, com apoio da Fundação Itaú Social, traz a contextualização do tema no Brasil:

A construção do sentido de educação integral no Brasil remonta ao Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 e, ao longo das décadas seguintes, vem se solidificando em experiências no território brasileiro [...] e ganha força, ao final da década de 1990, como uma concepção que se propõe a constituir políticas e práticas educativas inclusivas e emancipatórias. Ao posicionar o estudante e seu desenvolvimento no centro do processo educativo, reconhecendo-o como sujeito social, histórico, competente e multidimensional, a educação integral tem contribuído para reconectar o sentido da escola e da educação com sua vida.

De acordo com a publicação, uma política de educação integral deve permitir e garantir o pleno desenvolvimento das crianças e dos jovens e zelar por ele, assegurando que a multidimensionalidade esteja contemplada em todos os aspectos dos processos de ensino e aprendizagem e reconhecendo o papel ativo dos estudantes:

Assim, a estruturação e implementação de uma política de educação integral se dá a partir de três pilares – currículo, avaliação e formação – e deve ser orientada por quatro princípios fundamentais.

Equidade: reconhecimento do direito de todos e todas de aprender e acessar oportunidades educativas diversificadas, a partir da interação com múltiplas linguagens, recursos, espaços, saberes e agentes.

Inclusão: reconhecimento da singularidade e diversidade dos sujeitos, a partir da construção de projetos educativos pertinentes para todos e todas.

Sustentabilidade: compromisso com processos educativos contextualizados, sustentáveis e com a integração permanente entre o que se aprende e se pratica.

Contemporaneidade: compromisso com as demandas do século 21, com foco na formação de sujeitos críticos, autônomos e responsáveis consigo mesmos e com o mundo.

Pesquisas conduzidas por Julia Dietrich, doutoranda da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), que estuda os impactos do tempo na escola na proficiência de estudantes latino-americanos do 3º e do 6º anos da Educação Básica, mostraram que ampliar o tempo diário na escola de 4 para 5 horas já traz ganhos expressivos, embora a faixa de 6 a 7 horas tenha sido considerada como ideal. Porém, de acordo com a pesquisadora, essa ampliação só faz diferença se combinada com outros fatores estruturantes, como a infraestrutura escolar, a rede de proteção e fatores pedagógicos – ou seja, de fato, numa concepção de educação integral.

Outro estudo, o Cada Hora Importa, realizado pelo Itaú Social, apontou também para a importância de se oferecer mais exposição ao aprendizado, especialmente às crianças e aos jovens de famílias de baixa renda. A pesquisa buscou identificar as diferenças entre as horas de exposição a oportunidades de aprendizagem de crianças e jovens de faixas de renda distintas, incluindo aprendizagem em família, atividades extracurriculares e aprendizagem na internet, por exemplo.

Com base em diversas fontes de dados, o estudo revelou que, ao final do 9º ano do Ensino Fundamental, a diferença entre estudantes de famílias de alta e baixa renda pode chegar a 7.124 horas de aprendizado, o equivalente a 7,9 anos de uma escola regular. Se essas horas fizessem parte da carga horária de uma escola em tempo integral, as crianças mais ricas teriam estudado 3,9 anos a mais que as mais pobres.

Impactos da educação integral no Ensino Médio 

Assim como os estudos de Dietrich, pesquisas realizadas nos últimos anos apontam para os impactos – especialmente em relação ao combate às desigualdades – de uma maior exposição, em tempo e qualidade, dos alunos à aprendizagem. A maior parte delas está relacionada à expansão da educação integral no Ensino Médio, que foi a mais impulsionada nos estados e, hoje, conta com um percentual mais alto de matrículas na modalidade.

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)/MEC de 2019, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do ensino integral no Ensino Médio (4,7) foi superior ao do ensino regular (4,0) e à meta geral prevista para esse nível de ensino (4,6). Ou seja, o Ensino Médio Integral (EMI) teve um desempenho 17,5% maior que o do ensino regular. Na maioria dos estados brasileiros, o EMI também obteve um Ideb mais alto que o do ensino regular.

A publicação Mais integral, mais oportunidades - Um estudo sobre a trajetória dos egressos da rede estadual de ensino de Pernambuco, do Instituto Sonho Grande, analisou dados da experiência dos egressos das escolas estaduais de Pernambuco do Ensino Médio entre 2009 e 2014. O estado, que, como mostra o gráfico 2, é o que tem o maior percentual de alunos do Ensino Médio com tempo ampliado, começou a investir em educação integral em 2004. Hoje, todos os seus municípios têm ao menos uma escola integral.

De acordo com os dados analisados pela publicação:

  • a probabilidade de ingressar no Ensino Superior é 17 pontos percentuais maior para alunos formados em escolas integrais;
  • estudantes formados na educação integral têm salário médio mensal 18% maior que os egressos do Ensino Médio regular;
  • o ensino integral elimina a diferença salarial (13%) entre egressos negros e brancos;
  • a probabilidade de entrar no mercado de trabalho é 8 pontos percentuais maior para as mulheres formadas nas escolas integrais;
  • os egressos do ensino integral trabalham mais frequentemente em setores com alta qualificação e têm maior presença nas áreas educacional e de saúde.

Em 2019, foi realizada, pelo Instituto Sonho Grande uma pesquisa com os professores da rede estadual de Pernambuco para coletar informações sobre as percepções dos docentes de Ensino Médio, tanto de tempo integral como de ensino regular. De acordo com os dados, os professores das escolas integrais estavam mais satisfeitos com a carreira e com o trabalho, se sentiam mais valorizados profissionalmente e tinham uma melhor opinião sobre suas condições de trabalho.

Outro estudo, Efeitos da escola de tempo integral em homicídios - O caso do Ensino Médio Integral em Pernambuco, realizado pelo Instituto Natura com jovens de 15 a 19 anos ao longo de 15 anos, concluiu que houve uma redução de aproximadamente 51% na taxa de homicídios nos municípios onde foi implementado o EMI em comparação aos que não o fizeram.

Já de acordo com a publicação Percepção da violência no ambiente escolar: análise das escolas integrais e regulares, a ampliação da jornada, aliada a um modelo pedagógico integral, aparece relacionada a menores índices de violência na escola, conforme percepções de gestores e professores registradas no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2019.

Em 2022, foi lançado o Centro de Evidências da Educação Integral, apoiado pelos institutos Natura e Sonho Grande, com o objetivo de sistematizar e gerar conhecimento sobre educação integral. Na ocasião, foram apresentados os resultados preliminares de uma pesquisa que estima os impactos da educação integral de médio e longo prazo no Brasil. Essa pesquisa envolveu o levantamento e a sistematização de estudos nacionais e internacionais, inclusive de alguns citados anteriormente, e avaliações de impacto.

Entre as experiências analisadas está a do Ensino Médio Integral em Tempo Integral (EMITI) em Santa Catarina (SC). Nessa avaliação, 24 escolas foram divididas em dois grupos – com e sem educação em tempo integral – e observadas ao longo de dois anos. A análise dos resultados foi extrapolada para três anos para permitir a comparação do desempenho dos alunos. De acordo com Ricardo Paes de Barros, coordenador geral do Centro:

O impacto da educação integral foi um aumento de 20 pontos na escala de proficiência do Saeb, ou seja, o equivalente a tudo que se aprende no Ensino Médio. Podemos então dizer que, com a educação em tempo integral, o aprendizado dos alunos dobra em comparação com o aprendizado dos alunos do ensino regular.

O estudo aponta ainda que, em termos monetários, esse aumento de 20 pontos na escala do Saeb pode significar, para os jovens que cursam o Ensino Médio em tempo integral, um acréscimo de 10% na remuneração do trabalho ao longo de toda a vida.

Além desse ganho decorrente do aumento de aprendizado, há também os benefícios resultantes da maior chance de o aluno em tempo integral concluir a Educação Básica e a educação superior. Com isso, o ganho total na remuneração pode chegar a 15%, de acordo com o estudo.

A avaliação também mapeou os benefícios gerados para a sociedade. No total, estima-se que o valor dos ganhos em geração de renda para cada jovem estudante adicional que tenha acesso a uma educação integral no Ensino Médio é de 145 mil reais. Uma vez que o custo para assegurar uma educação integral a esse jovem é de cerca de 24 mil reais, a conclusão dos pesquisadores é que os benefícios individuais e sociais com a educação integral representam seis vezes o seu custo. “Qualquer que seja a conta que se faça, educação vale a pena. Educação integral significa mais educação de qualidade na vida das pessoas. E mais educação de qualidade na vida das pessoas é sempre um bom negócio”, afirmou Paes de Barros.

Desafios

Entre os principais desafios da oferta de educação integral está, certamente, o investimento financeiro. Estima-se que uma escola em tempo integral precise de, pelo menos, o dobro do investimento que uma escola regular. Entre os custos adicionais estão adaptação de escolas, mais refeições diárias, contratação e capacitação de um maior número de profissionais e aquisição de materiais adicionais.

Renê Silva, em artigo para o Centro de Referências em Educação Integral, destaca, especialmente, dois fatores que precisam ser levados em consideração no que se refere ao investimento financeiro: a extensão territorial dos municípios, que tem impacto nos recursos necessários para manutenção da rede, e o nível de formação dos professores, que repercute nos recursos necessários para pagamento salarial. De acordo com Silva, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) não leva em consideração esses dois fatores no repasse de seus recursos, o que não contribui para a diminuição das desigualdades socioeducacionais:

Mesmo na atual configuração, os recursos destinados pelo fundo para a ampliação de tempo dos estudantes não cobrem os investimentos necessários, uma vez que preveem apenas um aporte de 30% a mais por estudante que for matriculado como estudante de educação integral. O fator de ponderação de 1,3 passa longe de considerar as verdadeiras necessidades de investimento para a educação integral. Não há lógica que justifique a manutenção do cálculo desse fator de ponderação, que minimamente deveria ser 2.

Além da necessidade de contratação de profissionais para dar conta do período integral, também há a questão da formação desses profissionais. De acordo com Gabriela Moriconi, pesquisadora do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas:

A maioria das escolas contrata professores em tempo parcial, muitas vezes vistos como fornecedores de aula. Dessa maneira, é muito difícil conhecer os estudantes e fazer um planejamento adequado. [...] Esses professores precisam ter bastante repertório e experiência para vivenciar o que vão fazer lá na frente. Sem isso, vai ser muito difícil formar um professor com essa visão mais ampla para formar o aluno integralmente.

Em seu artigo, Silva também destaca que mais horas na escola,

além de exigir a ampliação de carga horária de profissionais que já estão atuando, também exige a contratação de novos profissionais, sobretudo que atuam no campo das artes, da cultura popular, da música, das atividades corporais e esportivas, das tecnologias da informação e de campos diversos das ciências.

E, junto com todas as contratações, vem também o desafio da remuneração digna e adequada e os diferentes tipos de contratação que são oferecidos para esses profissionais.

Para ele, a curto prazo, a formação continuada dos professores também é estratégica e urgente, não somente para os novos, mas para todos os profissionais da escola:

Precisamos de uma política de formação continuada que potencialize o papel formador da coordenação pedagógica da escola quanto às questões do campo do planejamento, da didática, das metodologias e da avaliação, e que também possibilite o aprofundamento de estudos sobre as especificidades da educação integral e as especificidades de cada área do conhecimento.

As pesquisas de Julia Dietrich, citadas anteriormente, também apontam para o desafio pedagógico e demais fatores estruturantes. Segundo a pesquisadora, o tempo importa, mas só se condicionado a fatores como: infraestrutura escolar, rede de atenção ou proteção ao estudante e fatores pedagógicos, como formação docente inicial e continuada e retroalimentação de práticas, com coordenação pedagógica atuante e espaços de diálogo e acompanhamento da atividade dos professores em sala de aula. Quando esses fatores não estão condicionados, mais tempo na escola pode, inclusive, ser prejudicial à proficiência. Ela aponta também para a importância de se olhar o modelo com cuidado para que ele, contrariamente ao seu potencial de combater as desigualdades, não ajude a aprofundá-las:

Mais tempo na escola tende a beneficiar todas as camadas sociais, porém os menos vulneráveis (e mais ricos) se beneficiam mais, criando possíveis ilhas de excelência. Essas escolas, comumente, estão em territórios menos violentos, possuem maior infraestrutura e têm menor rotatividade de professores(as) e maiores oportunidades de formação docente. Ao mesmo tempo, as e os estudantes apresentam em seus contextos familiares e de vida externa à escola maiores oportunidades para acessar diferentes repertórios culturais, linguagens e conhecimentos.

Corroborando essa reflexão, uma pesquisa do Cenpec mostrou que a implementação de educação integral que não considera progressivamente toda a rede ou não prioriza escolas mais vulneráveis acirra as iniquidades. Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Cenpec, explica os motivos:

Isso acontece porque acabam indo para as escolas de educação integral os estudantes com mais recursos sociais, culturais e econômicos, bem como professores com maior formação e tempo de carreira, e isso precariza as escolas do entorno, com alunos que sofrem com a cultura do fracasso escolar. Então é preciso um cuidado importante da gestão para olhar o todo da rede. A política de educação integral tem o potencial de combate das desigualdades e deve existir por isso, mas não pode virar política de exclusão.

Entre os desafios do dia a dia da educação integral também está tornar o ambiente da escola mais interessante, acolhedor e que atenda às especificidades dos alunos. Nesse sentido, Silva fala sobre a importância de, antes de se ampliar o currículo, dialogar com estudantes e seus familiares, assim como com os professores, para que eles participem da construção da proposta, desejem as mudanças, entendam a nova dinâmica e se encantem por ela:

Não basta dizer que a escola passará a funcionar dois turnos e dizer que isso é bom para os estudantes, pois nesse espaço educativo temos várias realidades, e com o diálogo, a gente vai percebendo que o que a gente acha que é bom para todo mundo nem sempre pode ser. A vida dos estudantes não é apenas a escola. Muitas vezes ela se coloca como se fosse a centralidade da vida deles, como se esse estudante não tivesse vida fora da escola. Em razão das diferentes realidades de vida que ali se encontram, é preciso muita sensibilidade para acolher essas diferenças.

Um exemplo de iniciativa que se mostrou eficiente nesse sentido foi destacado pela diretora Antônia da Silva Lima e pela professora Daisy Samara, do C.E.T.I. São João Batista, de São João da Fronteira (PI), que desde 2014 oferece educação em tempo integral. A escola, diante do desafio de ampliação da carga horária, propôs um espaço às segundas-feiras no qual os estudantes são recebidos com mensagens acolhedoras preparadas por cada turma sob a orientação de um professor. Essas mensagens dispararam importantes conversas sobre temas que fazem sentido para os alunos – uma vez que são propostos e escolhidos em comum acordo por eles mesmos. A iniciativa contribuiu para a redução do índice de evasão dos alunos de 14,8%, em 2010, para 4,24% em 2017.

Além da questão do interesse e do protagonismo do jovem, também há a necessidade de promover políticas públicas que viabilizem a permanência na escola, como programas de bolsas, especialmente para aqueles de período integral no Ensino Médio, pois muitos jovens precisam trabalhar para ajudar a compor a renda familiar. No Brasil, cerca de 20% dos estudantes não terminam a Educação Básica por necessidade de trabalho, dificuldade de aprendizado, falta de interesse ou gravidez na adolescência. Um estudo do Insper aponta que pagar para os alunos se manterem na escola durante o Ensino Médio pode reduzir em 7 pontos percentuais, em média, a evasão de jovens.

Pensar a educação integral no Brasil, assim como as políticas para a área, requer importantes cuidados, especialmente com as profundas desigualdades existentes entre as redes de ensino e, inclusive, dentro de uma mesma rede. Investimento financeiro, vontade política e coordenação do governo federal são fatores muito importantes para impulsionar essa modalidade, mas ela certamente demandará projetos customizados e capazes de envolver e dar protagonismo aos principais atores responsáveis por sua implementação na ponta: escolas, professores e alunos.