Recomposição de aprendizagem: lições internacionais

Boletim Aprendizagem em Foco - ed.106 | Outubro 2025

Recomposição e Avanço das Aprendizagens foi o tema do V Seminário Internacional de Gestão Educacional, do Instituto Unibanco

Priorizar de forma criteriosa habilidades fundamentais no currículo é um primeiro passo para avançar

Tutorias em pequenos grupos, formação docente e novas tecnologias são outras ações destacadas

Agrupamento temporário de estudantes por nível de aprendizagem é estratégia comprovadamente eficaz 

Durante a pandemia, uma expressão ganhou destaque nos debates educacionais em todo o mundo: recomposição da aprendizagem. Era nítido, naquele contexto, que a suspensão das aulas presenciais por longos períodos agravaria problemas já existentes e demandaria soluções para garantir, com equidade, o direito dos estudantes. Mesmo com o fim da pandemia, o entendimento de que a recomposição de aprendizagens não se restringe a períodos emergenciais se consolidou. Identificar lacunas, priorizar de início aquilo que é fundamental para que o estudante possar avançar, e adotar as estratégias eficazes para reconectá- -lo em sua trajetória escolar são necessidades permanentes, especialmente em contextos de alta desigualdade.

Essa foi uma das mensagens do V Seminário Internacional de Gestão Educacional, organizado em agosto pelo Instituto Unibanco, com o tema “Recomposição e Avanço das Aprendizagens”. A inclusão da palavra “avanço” explicita algo que foi enfatizado por diversos palestrantes: o objetivo principal é reconectar o estudante em sua trajetória de aprendizagem.


Ainda no contexto da pandemia, em 2022, um grupo de organizações internacionais – entre elas Banco Mundial, Unesco e Unicef – desenvolveu um modelo para apoiar redes educacionais em suas estratégias de recomposição da aprendizagem. Intitulado RAPID, ele serviu de referência pedagógica na elaboração de um dos guias que compõem o Pacto Nacional pela Recomposição das Aprendizagens, instituído pelo Ministério da Educação. O quadro acima, adaptado do guia oficial do MEC, explica o que significa cada uma das letras que representam etapas do acrônimo RAPID.


Em 2023, o Banco Mundial produziu novo relatório (veja referência na seção Saiba Mais), já a partir das experiências implementadas em vários países. Alonso Sánchez, pesquisador da instituição e um dos autores do documento, destacou em sua fala no V Seminário Internacional de Gestão Educacional que os parâmetros do RAPID servem também para o avanço das aprendizagens, e não apenas para a recomposição. “Níveis de aprendizagem eram baixos mesmo antes da pandemia, e muitos países também apresentavam patamares de desigualdade muito fortes. Precisamos, portanto, de reformas estruturais, que passem da recomposição para a aceleração no ritmo de aprendizagem”, afirmou.


Kátia Smole, diretora-executiva do Instituto Reúna e ex-Secretária de Educação Básica do MEC, lembrou no evento que países que já possuíam estratégias mais consolidadas de  dequação curricular antes da pandemiaeram aqueles que enfrentavam com frequência  atástrofes naturais, caso do Chile e do Japão. Ela enfatizou, porém, que a priorização do currículo não pode ser feita de forma aleatória: “As escolhas precisam ser baseadas em critérios, por isso é importante ter referenciais, para identificar qual é a habilidade chave que está faltando para destravar as aprendizagens dos ciclos seguintes. (...) Por exemplo, se você identifica que um aluno do sétimo ano não está aprendendo um aspecto específico daquele ano, pode ser que a raiz desse problema esteja muito mais para trás, como a base não visível de um Iceberg.”

"Se você identifica que um aluno do sétimo ano não está aprendendo
um aspecto específico daquele ano, pode ser que a raiz desse problema
esteja muito mais para trás, como a base não visível de um Iceberg.
”. 

 

Kátia Smole, diretora-executiva do Instituto Reúna e ex-Secretária de Educação Básica do MEC

 

 

A especialista enfatizou ainda que a priorização no currículo no contexto da recomposição de aprendizagem não significa negação de direitos. Para ela, negar direitos seria deixar o currículo ser implementado de qualquer jeito, com escolhas aleatórias de cada professor ou desconsiderando que há uma progressão das aprendizagens. “Essa aprendizagem acontece em espiral. É certo que uma espiral não tem fim, mas tem sempre um começo.”

Phil Lambert, especialista que liderou importantes revisões e reformas educacionais em vários países, também destacou a importância de definir quais conteúdos geram entendimento conceitual fundamental para a progressão da aprendizagem, e lembrou que crianças já ingressam desde os primeiros anos no sistema educacional com desigualdades na aprendizagem. “Algumas vão progredir mais rápido, outras levarão mais tempo, mas todas, uma vez na escola, têm o mesmo direito. E lidar com essa diversidade é um desafio imenso para os professores, mas, quando não atentamos para isso, vemos que algumas avançam enquanto outras ficam para trás”, disse Lambert.

Ele mencionou também algumas estratégias eficazes para lidar com esse desafio. Uma delas é a tutoria para pequenos grupos de estudantes, com dificuldades similares de aprendizagem, como foco nas habilidades essenciais. “Esse modelo é poderoso, entre outras razões, porque as crianças se dão conta que não estão sozinhas”. Lambert ainda citou a importância da formação docente e se mostrou otimista com o uso adequado de novas tecnologias no apoio aos professores, para identificarem lacunas personalizadas de aprendizagem nos alunos e definirem uma estratégia, passo a passo, para avançarem.

Outra dimensão essencial da recomposição é a avaliação. Denis Alonzo, pesquisador da Universidade de New South Wales, trouxe aprendizados do contexto australiano, especialmente no Estado de Nova Gales do Sul. Uma estratégia bem-sucedida por lá é a formação dos professores para interpretarem os dados de avaliações nacionais e elaborarem, a partir daí, planos de trabalho para recompor ou avançar na aprendizagem dos alunos. “Sabemos que muitos professores têm dificuldade para analisar esse tipo de dado, e é neste ponto em que os gestores escolares podem apoiá-los na interpretação dos resultados e na escolha de práticas mais eficazes em sala de aula”.

Alonzo afirma que essas avaliações nacionais não substituem a observação dos professores em sala de aula, mas podem ser trabalhadas de forma complementar. Outro aspecto relevante do sistema de avaliação australiano é a clareza sobre a expectativa de aprendizagem, o que permite identificar de maneira mais precisa quais são as dificuldades de cada estudante.

A avaliação diagnóstica inicial é também um dos pilares de uma das experiências mais bem-sucedidas em nível mundial na recomposição de aprendizagens: o programa Teaching at the Right Level (Aprendizagem em Nível Adequado), criado pela ONG indiana Pratham e apresentado no Seminário por Meera Tendolkar, diretora de Conteúdo e Treinamento da instituição. A partir da avaliação individual, os estudantes são agrupados por níveis de dificuldade (e não por idade ou série) durante uma parte do tempo em que ficam na escola, e os professores recebem formação e materiais pedagógicos que focam no domínio de habilidades básicas. O progresso dos estudantes é constantemente monitorado, para que possam avançar de grupo até que as habilidades fundamentais estejam consolidadas.

O prestigioso laboratório de pesquisas J-PAL, onde trabalham dois economistas vencedores do Nobel em 2019 (Abhijit Banerjee e Esther Duflo), avaliou o impacto do programa em diferentes países em desenvolvimento, e classificou o Teaching at the Right Level como uma abordagem eficaz e eficiente para avançar na aprendizagem.

O V Seminário Internacional de Gestão Educacional debateu também aprendizagens e aprimoramentos vindos da prática no contexto brasileiro, tema que foi abordado na edição 103 (março/2025) deste Boletim Aprendizagem em Foco. Veja, na lateral desta página, os links para todas as mesas do seminário e alguns materiais de referência.

 

Lições da recomposição das aprendizagens. Boletim Aprendizagem em Foco/Instituto Unibanco, 2025: bit.ly/46OI3x6

Guia para implementação da recomposição das aprendizagens, MEC, 2024: bit.ly/3WE6eZ4

Learning Recovery to Acceleration: A Global Update on Country Efforts to Improve Learning and Reduce Inequalities, Banco Mundial, 2023: bit.ly/3J8H2a2

 

Mesas do V Seminário Internacional de Gestão Educacional:

Abertura com Ricardo Henriques - Recomposição e avanço das aprendizagens: bit.ly/4n5pHNc

A natureza da Recomposição e seu lugar como orientadora das Políticas Públicas: bit.ly/4nQGoNq

O desenho das Políticas Públicas: só Recomposição basta?: bit.ly/4n9cDqa

Implementando a Recomposição: da Teoria à Prática: bit.ly/4nRi9Pq

Caminhos para a melhoria das Políticas Públicas: bit.ly/491ojro

 

Aprendizagem em Foco é uma publicação periódica produzida pelo Instituto Unibanco. Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

Para fazer algum comentário, envie um e-mail para: instituto.unibanco@institutounibanco.org.br

Para ler as edições anteriores, acesse: bit.ly/BoletimAprendizagemFoco

Produção editorial: Redação Antônio Gois; Edição Antonio Gois e Carolina Fernandes
Projeto gráfico e diagramação Estúdio Kanno; Edição de arte Fernanda Aoki