Lições da recomposição das aprendizagens
Boletim Aprendizagem em Foco - ed.103 | Março 2025
Avaliações ainda evidenciam perdas de aprendizagem por causa da pandemia
Foco na rotina pedagógica e na formação docente estão no centro das políticas
Redes estaduais investem também em monitorias e protagonismo dos estudantes
A pandemia de Covid-19 teve um impacto profundo na educação brasileira. O fechamento das escolas e a interrupção das aulas presenciais afetaram negativamente a aprendizagem e o desenvolvimento de milhões de estudantes. A adoção do ensino remoto, embora tenha sido uma solução necessária, não foi equitativa e prejudicou principalmente as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e moradores de regiões mais remotas do país.
Cinco anos após a pandemia, o país ainda procura uma maneira eficaz de lidar com o retrocesso significativo no aprendizado de muitos alunos e mitigar as perdas do período. De acordo com os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2023, houve piora no desempenho dos estudantes em todas as etapas de ensino, tanto para Língua Portuguesa quanto para Matemática em relação a 2019 (último Saeb antes da pandemia). Considerando o desempenho dos estados, a maioria apresentou retrocessos no Ensino Médio. Esses dados evidenciam a importância de recompor as aprendizagens perdidas ou desaceleradas durante a pandemia, para garantir a equidade na educação brasileira.
Recomposição vs. recuperação
Ainda é comum haver uma confusão entre os conceitos de recomposição e recuperação das aprendizagens. Porém, eles são processos distintos.
A recuperação visa suprir lacunas de conhecimento que impedem o estudante de seguir adiante no conteúdo programático de determinada disciplina. Ela é direcionada aos alunos que, apesar de terem tido a oportunidade de aprender, por alguma razão não atingiram os objetivos ou competências esperadas durante o processo de aprendizagem. Normalmente, ocorre de forma pontual em momentos específicos do ano letivo.
Já a recomposição das aprendizagens busca apresentar ao aluno conhecimentos que ele já deveria ter aprendido, mas com os quais não teve contato anterior – diferentemente da recuperação, em que o aluno já conhecia o conteúdo e precisa recuperá-lo para seguir para a próxima etapa de ensino. Por isso, a recomposição exige uma ação mais aprofundada e sistêmica, englobando diferentes estratégias para a construção do conhecimento (saiba mais sobre o tema no boletim Aprendizagem em Foco nº 85).
POLÍTICAS DE RECOMPOSIÇÃO DAS APRENDIZAGENS
Com a finalidade de assegurar padrões adequados de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes da Educação Básica, foi lançado em junho de 2024 o Pacto Nacional pela Recomposição das Aprendizagens, que oferece apoio técnico e financeiro a estados e municípios para estimular a implementação de ações e programas com esse foco. Em 2025, o pacto se tornou uma política pública, por meio do Decreto nº 12.391/2025.
Essa política está articulada em cinco eixos:
• Currículo: reorganização curricular, eliminando repetições ou sobreposições e priorizando habilidades essenciais, especialmente em Linguagens e Matemática.
• Avaliação: ciclos de avaliações formativas ao longo do ano para mapear e diagnosticar defasagens de aprendizagem.
• Mediações pedagógicas: suporte emocional, acolhimento e (re)adaptação dos estudantes para auxiliar a progressão das aprendizagens.
• Formação: formação continuada e uso de metodologias inovadoras para recomposição do aprendizado.
• Materiais: desenvolvimento de conteúdos estruturados e distribuição de materiais didáticos suplementares.
Nos estados, além desses eixos, as políticas locais de recomposição das aprendizagens incluem ainda o estímulo à participação dos estudantes, por meio de projetos como monitorias e reforço escolar.
No Espírito Santo, para garantir a superação da defasagem educacional, especialmente em Língua Portuguesa e Matemática, a Secretaria de Educação do Estado (Sedu) estabeleceu um conjunto de ações integradas que envolvem priorização do currículo, materiais didáticos específicos, avaliações diagnósticas e formativas e formação continuada de professores.
Entre essas ações se destacam as Rotinas Pedagógicas Escolares (RPEs), materiais estruturados desenvolvidos pela Sedu em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (Fapes), que, alinhados à política educacional do estado, apoiam a prática docente e o aprendizado. Implementadas em 2024, contemplavam inicialmente só o Ensino Médio, mas em 2025 passaram a incluir também os alunos do 5º ano do Ensino Fundamental. Todo o material fica à disposição dos docentes para download no site Currículo do Espírito Santo. No mesmo endereço, a Sedu disponibiliza um formulário para coletar percepções dos docentes e sugestões com propostas de ajustes nas RPEs.
Também há um estímulo à participação ativa dos estudantes, por meio de uma equipe de jovens acolhedores que monitora as dificuldades e os avanços dos estudantes. O envolvimento dos alunos ocorre ainda por meio da participação em conselhos de líderes, grêmios estudantis e fóruns de líderes.
No Piauí, a política de recomposição das aprendizagens está baseada em um robusto plano de formação docente, que prevê uma ação chamada de Intercâmbio de Boas Práticas. O processo é coordenado por uma equipe de mentores, composta por professores que obtiveram os melhores resultados na avaliação estadual. Eles coordenam grupos de aproximadamente 20 professores de Língua Portuguesa e Matemática em cada um. Todos – orientadores e participantes dos grupos – recebem bolsas de incentivo e participam das formações, que ocorrem semanalmente. Os professores mentores ainda recebem um valor extra pelo trabalho.
Além do currículo diferenciado, os alunos têm acesso a cadernos de questões e materiais organizados em trilhas formativas específicas para a recomposição. Outro destaque é a aplicação de quizzes (questões para avaliação da aprendizagem), prática que auxilia os estudantes na identificação de áreas que necessitam de reforço. Após o projeto piloto, em 2024, está sendo implementada uma parceria com o Google para ampliação dos jogos para toda a rede de ensino.
Embora as políticas de recomposição das aprendizagens tenham sido criadas para fazer frente à perda educacional acumulada durante a pandemia, elas podem ser uma estratégia permanente nas redes de ensino, já que sempre haverá situações que exigirão recomposição das aprendizagens. Ao integrar essa metodologia como eixo fixo das políticas educacionais, as redes podem intervir nessas situações de maneira mais ágil e eficaz.
Pacto Nacional pela Recomposição das Aprendizagens,
MEC, 2024: bit.ly/pactoRecomposicao
Guia para Implementação da Recomposição das Aprendizagens,
MEC, 2024: bit.ly/GuiaRecomposicao
Recompor aprendizagens ainda é desafio em 2023,
Instituto Unibanco, 2023: bit.ly/AprendizagemFoco85
Recomposição das aprendizagens em contextos de crise,
Vozes da Educação, 2023: bit.ly/LevantamentoRecomposicao
Recomposição das aprendizagens: estratégias educacionais para enfrentar
os desafios da pandemia, Fundação Lemann/Instituto Natura, 2022:
bit.ly/estrategiasRecomposicao
Aprendizagem em Foco é uma publicação periódica produzida pelo Instituto Unibanco. Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.
Produção editorial: Redação Carmen Nascimento; Edição Antonio Gois e Fabiana Hiromi; Projeto gráfico e diagramação Estúdio Kanno; Edição de arte Fernanda Aoki
Colaboraram nesta edição: Deusiane Paiva e Priscila Costa Pires