Brasil

Vítima de bullying deverá ser indenizada por escola de Cabo Frio

Ex-aluno processou instituição por falta de rigor para coibir abusos; cabe recurso

RIO – Uma escola de Cabo Frio, na Região dos Lagos fluminense, foi condenada a pagar indenização a um aluno em caso de bullying ocorrido quando ele frequentava a instituição, em 2011. Então com 14 anos, Alex Veiga Roy Del Bal teria sido vítima de constantes ataques físicos e psicológicos dos colegas do Colégio Instituto Santa Rosa sem que a instituição tomasse ações disciplinares rigorosas para coibir os episódios.

Em sentença dada na segunda e publicada nesta quinta-feira, a juíza Soraya Pina Bastos, da 37ª Vara Cível, acolheu as alegações da vítima de negligência do colégio, concedendo indenização de R$ 25 mil a título de danos morais a Alex. A escola negou ter se omitido quanto ao caso e informou que vai recorrer da decisão, de primeira instância.

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De acordo com a petição inicial do processo, encabeçada pelo advogado Jorge Alberto Passarelli de Souza Toledo de Campos em nome de Alex, os problemas do jovem, hoje com 18 anos, começaram quando ele ingressou no 9º ano do ensino fundamental no instituto, em 2011. Sua mãe, a oficial da Marinha Andrea Veiga Adriano, havia sido transferida dois anos antes para a base aeronaval da cidade vizinha de São Pedro da Aldeia.

Ainda segundo a petição, Alex teve vida escolar normal quando cursou os anos anteriores do ensino fundamental no próprio Colégio Instituto Santa Rosa, em 2009 e 2010. As turmas do 9º ano, no entanto, são alocadas em outro prédio da escola, junto com as do ensino médio, e aí teria começado seu sofrimento.

“Foi então que o demandante sentiu os reflexos do novo ambiente, por ser um local no qual conviviam adolescentes com um comportamento mais permissivo e emancipado, juntamente com pré-adolescentes que se espelhavam nos mais velhos”, diz o documento. “A partir deste momento, por diversas vezes o autor relatou para sua mãe que vinha sofrendo assédios dos outros alunos na turma, sendo poucas as vezes que conseguia prestar atenção na aula, pois era alvo de muitas brincadeiras que o incomodavam. Desgastado com a situação, o demandante expôs a sua genitora que gostaria de mudar de classe”, continua.

De acordo com a peça, a mãe então pediu para se reunir com a coordenação do colégio. No encontro, ela pediu que seu filho trocasse de turma e entrasse em recuperação devido à queda no desempenho em razão do bullying . A coordenadora, porém, “informou que não seria necessária a recuperação, tampouco a troca de turma, afirmando que a equipe pedagógica” da escola “realizaria um trabalho pedagógico e disciplinar com a turma, com o intuito de propiciar a integração do grupo”.

Segundo a petição, porém, “nada estava sendo feito”, e outras reuniões aconteceram, com a escola sempre se negando a dar “suporte educacional” a Alex ou trocá-lo de turma. “Com o passar do tempo, mais especificamente entre os meses de abril a outubro de 2011, a desordem na sala de aula aumentou exponencialmente, a ponto de poucos professores conseguirem contê-la”, diz o texto. Mesmo assim, acusa o documento, só Alex era convocado a comparecer à coordenadoria ou conversar com a psicóloga da escola, “fato que levava os agressores a reforçarem o assédio moral”.

O bullying, afirma a petição, então chegou ao extremo em 24 de outubro de 2011, quando, “após ser molestado por outros alunos nas dependências da ré, o demandante chegou em casa visivelmente transtornado e aos prantos ligou para sua mãe, apresentando um descontrole emocional evidente, de maneira jamais presenciada”.

Segundo o relato, Alex desabafou com a mãe, chegando a ameaçar matar os colegas: “Mãe, eu não aguento mais, eu vou matar todos eles! Todos os dias eles me xingam, brincam comigo, me chamam de viado, me chamam pelo nome de filho da puta sempre que se referem a mim. Passam a mão na minha bunda, não me deixam prestar atenção nas aulas, todo o tempo ficam me empurrando e fazendo piadas de mau gosto”, disse. “Desde o início do ano. É na sala de aula, é no pátio, na hora do recreio, eu não aguento mais. Eu só queria um dia de aula normal, só isso mãe. Um dia de aula normal!”.

Diante disso, Andrea chegou a registrar ocorrência na Delegacia de Cabo Frio: “Informa a comunicante, que seu filho, vítima, … é aluno do nono ano do Instituto Santa Rosa, … e que há aproximadamente quatro meses vem sofrendo constrangimento por parte de outros alunos, que chegam a molestá-lo fisicamente, verbalmente … e inclusive em sala de aula os comentários e os comportamentos ofensivos à vítima são comuns”, diz o registro juntado ao processo.

Com isso, cinco dias depois, em 29 de outubro do mesmo ano, a escola teria cometido outro erro ao juntar a vítima e os alunos agressores, “todos menores e sem a presença de seus responsáveis legais”, em uma sala da coordenação. “O que a ré tentou fazer foi emitir documento, com a assinatura de todos os menores, mas desprovido de qualquer valor legal, como intuito de apresentar uma falsa solução ao caso, alegando a reconciliação de todos os alunos. Ocorre que a ré somente potencializou o sentimento de medo e constrangimento do autor, que permaneceu calado durante a sequência de relatos registrados pelos demais alunos, não tendo como se defender ou contrapor nenhum argumento mediante a sua fragilidade emocional”, acusa a petição.

Assim, prossegue o texto, “tornou-se insustentável para o autor permanecer em Cabo Frio, quiçá na mesma escola, por se tratar de cidade pequena, onde os jovens e adolescentes frequentam os mesmos lugares, sendo quase impossível evitar encontros casuais com os seus agressores e demais colegas de escola”. Andrea então pediu sua transferência de volta para o Rio, o que acabou acontecendo no início de 2012.

- Depois destes fatos lamentáveis, a mãe de Alex teve que renunciar a um cargo de confiança e abrir mão do caminho profissional que queria seguir na carreira – destaca Passarelli. - Eles chegaram a ir à delegacia e a escola manteve-se inerte. O caso mudou a vida da família inteira.

Bernardo Santa Rosa, um dos diretores da escola, afirmou que a instituição vai recorrer da decisão.

- A escola se responsabilizou na ocasião - disse. - Na época do bullying os pais de todos os alunos agressores foram chamados para conversar com psicólogos e com a nossa coordenadora pedagógica. Foram feitos também encontros com os alunos agressores, que receberam punições pedagógicas. Fizemos o que estava em nosso alcance. Tanto é que, nos 51 anos de existência da escola, este foi o único caso de bullying que já tivemos. Vamos agora entrar com recurso.

A advogada do colégio, Raquel Loyola, por sua vez, afirma que, como a sentença foi dada na última segunda-feira, dia 27, as intimações eletrônicas ainda não foram recebidas. Segundo ela, o prazo de 15 dias para entrar com recurso no Tribunal de Justiça (TJ) do Rio, segunda instância para este tipo de processo, começa a ser contado a partir do recebimento dessas intimações.

- O que a escola entende, e o que outros juízes já entenderam, é que não houve negligência. Tudo o que poderia ser feito foi feito. No momento em que o bullying foi sinalizado à escola, a instituição agiu imediatamente – alegou.

Passarelli, no entanto, está otimista. Segundo o advogado de Alex, já foram registrados outros casos de indenizações por bullying concedidas pela Justiça no Brasil que chegaram inclusive aos tribunais superiores em Brasília e foram mantidas. De acordo com ele, se a escola de fato recorrer da sentença ao TJ, ele entrará com um chamado recurso adesivo para pedir um aumento da indenização, já que no processo Alex demandava um mínimo de R$ 50 mil pelos danos morais sofridos.

- Os R$ 25 mil são um valor razoável dentro da atual jurisprudência para casos deste tipo, mas se a ré entrar com um recurso também vamos recorrer em cima deles pedindo o valor maior – conclui.