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Violência deixa mais de 8 mil alunos sem aula em Niterói

Desde o ano passado, 23 das 91 escolas municipais tiveram aulas interrompidas

A Escola Municipal André Trouche, no Barreto: Zona Norte concentra escolas afetadas
Foto: Fernando Lemos / Agência O Globo
A Escola Municipal André Trouche, no Barreto: Zona Norte concentra escolas afetadas Foto: Fernando Lemos / Agência O Globo

NITERÓI - O recrudescimento da violência em Niterói chegou às salas de aula. A constatação está clara em levantamento feito pela Fundação Municipal de Educação (FME), e obtido pelo GLOBO-Niterói por meio da Lei de Acesso à Informação. Desde 2016, 23 unidades escolares (25% das 91 existentes na rede) tiveram as aulas paralisadas 56 vezes por conta de tiroteios, incursões policiais e confrontos entre facções rivais. Com isso, 8.346 estudantes, num universo de 28.275, foram afetados diretamente pelo fogo cruzado da falta de segurança pública na cidade. Ou seja: a cada dez crianças e adolescentes matriculados em escolas municipais, três já perderam aulas por conta da violência.

A escola mais afetada é a Antinéia Silveira Miranda, no Caramujo. Lá, as aulas foram prejudicadas nove vezes nos últimos 18 meses. Em seguida vêm as escolas Adelino Magalhães e Infante Dom Henrique, na Engenhoca; Professor Horácio Pacheco, no Cantagalo; e José de Anchieta, no Caramujo. Entre as creches, a mais afetada é a Núcleo Avançado de Educação Infantil Vila Ipiranga, no Fonseca. Das 23 unidades de ensino afetadas, 17 ficam na Zona Norte, cinco em Pendotiba e apenas uma na Zona Sul.

‘SENSAÇÃO DE IMPOTÊNCIA’

Uma pedagoga que trabalhou por seis anos numa escola localizada em uma das favelas mais violentas da Zona Norte viveu todo tipo de situação extrema: desde ter que interromper as aulas por conta de tiroteios até ver a cozinha da unidade ser invadida por um criminoso armado durante uma operação policial. Segundo ela, a tensão constante a que todos são submetidos provoca uma rotatividade grande entre os profissionais e incentiva a evasão dos alunos.

— Uma escola fincada numa comunidade assim deveria ser uma ilha em meio a essa violência, com infraestrutura perfeita. Mas não é o que ocorre. Durante muito tempo ela ficou abandonada. A escola tinha um dos piores desempenhos da cidade no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o que está altamente vinculado à violência e à pobreza. O menino de lá não é menos inteligente que outro, mas tem condições concretas muito adversas — afirma a pedagoga, que preferiu não ser identificada por medo de represálias contra si e a escola.

Após anos atuando em área de risco, ela deixou a escola no fim do ano letivo passado. Segundo a profissional, a tensão de conviver com essa realidade violenta foi o principal fator nessa decisão:

— Nos dias em que estava mais abalada por conta da violência, a família me pedia para sair de lá. A gente vai adoecendo, e a ansiedade aumenta. Lidar com essa realidade tão dura é muito difícil, ainda mais quando a possibilidade de transformá-la é muito pequena. É uma sensação de impotência muito grande.

Em resposta ao GLOBO-Niterói, a FME afirmou que “tem como prioridade absoluta a integridade física e psicológica, tanto do corpo discente, como do docente”. Diz que a maioria das ocorrências de segurança pública no entorno das escolas acontece “quando os alunos e profissionais já se encontram dentro das mesmas, e todos nelas permanecem até que se torne segura a saída”. Ressalta ainda que as aulas canceladas são repostas aos sábados, garantindo assim o cumprimento do mínimo de 200 dias letivos previstos na Lei de Diretrizes e Bases.

Outro lado nessa delicada equação, os pais de alunos dessas escolas se mostram tensos quanto ao risco de algo ocorrer dentro do ambiente escolar. Medo que aumentou após o caso da menina Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos, vítima de uma bala perdida durante a aula de educação física, em Acari, na Zona Norte do Rio. Katia Lima tem dois filhos em escolas que sofreram interrupções: o mais velho estuda na Altivo César; e o mais novo, na Mestra Fininha, ambas no Barreto. As duas escolas — assim como a André Trouche e a creche Rosalina de Araújo Costa — são vizinhas, e ficam ao lado do Morro dos Marítimos, comunidade que viveu dias de guerra. Todas tiveram aulas interrompidas, de acordo com a FME.

— Meus filhos estudam aqui. Às vezes eles são liberados mais cedo, às vezes nem têm aula. O medo aumentou depois do que ocorreu no Rio. Fico sempre preocupada — conta a mãe.

Para Robson Wellington, coordenador do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe-Niterói), faltam políticas públicas para encarar essa realidade nas escolas.

— O Sepe recebe muitas denúncias. Há pânico no interior das unidades, aulas e turnos suspensos, prejuízos para a rotina escolar, risco de vida para profissionais e estudantes, evasão de alunos e dificuldade de lotar profissionais em escolas localizadas em áreas de risco pela total falta de políticas públicas para dar conta dessa especificidade. Cobramos há muito tempo a criação e o pagamento de um adicional salarial por lotação em área de risco, como forma de estimular profissionais a trabalharem numa situação tão adversa — relata.

O GLOBO-Niterói pediu à PM informações sobre as operações policiais no entorno de escolas, mas não obteve resposta.

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