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Opinião|Violência, criminalidade e investimento em educação

A questão intuitiva de que a melhoria da educação tem impacto na redução de crimes violentos começa a ser demonstrada no Brasil.

Atualização:

Em 2021, o número de assassinatos no Brasil caiu 7% e se configurou como o menor registro da série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que coleta os dados desde 2007. Muito tem se falado sobre as variáveis que justificam tal redução, como transição demográfica, apaziguamento de conflitos entre facções, novas políticas públicas de segurança e maior controle e influência dos governos sobre criminosos. É certo que essa é uma questão multifatorial muito difícil de ser explicada por um único viés, no entanto, há uma variável que ficou de fora dessa discussão: a educação.

O investimento em educação tem papel central no desafio de mudar este cenário, ainda mais diante do efeito-dominó da crise sanitária, que trouxe o agravamento das crises econômica e social. A educação é uma das principais políticas que refletem na segurança pública e um importante instrumento para afastar jovens da trajetória do crime.

Existem vários estudos que associam o impacto da melhoria da educação básica com a queda das taxas de violência em determinadas localidades. Num levantamento realizado pela Fundação João Pinheiro, foram analisados estudos sobre os resultados da adoção do ensino médio integral em diferentes escolas públicas e seus impactos relacionados à violência e à criminalidade. Na Colômbia, por exemplo, foi observada uma redução de 24% de crimes cometidos num raio de 500 metros no entorno da escola.

Um estudo recente, produzido pelo Insper e coordenado por Naercio Menezes, analisou como a melhoria na qualidade do ensino básico entre 2009 e 2014, medida a partir de um novo índice criado para o estudo (chamado Ideb-Enem), está relacionada com diferentes indicadores de violência, matrícula no ensino superior e mercado de trabalho de jovens de 22 e 23 anos, verificados entre 2014 e 2019. Como resultado geral, o estudo mostrou que um aumento de um ponto no Ideb-Enem nos municípios está associado a uma queda de 25% nas taxas de homicídios e óbitos por causas externas, além de um aumento de 200% nas taxas de empregos entre os jovens e ampliação de 15% no número de matrículas no ensino superior.

Uma questão intuitiva e também já demonstrada em literatura, de que a melhoria da educação tem impacto na redução de crimes violentos, começa pouco a pouco a ser demonstrada em território brasileiro. Nesse sentido, é de extrema importância a reflexão de correlações de estudos baseados em evidências, como os mencionados anteriormente, para analisar políticas públicas de gestão educacional e efeitos nas externalidades de cada região.

Esses efeitos parecem ser lentos, pois é mais forte quando todo o processo da educação básica é realizado com qualidade. Olhar para apenas partes deste sistema integrado não parece ser eficaz para entregar as mudanças sociais que queremos. Por isso, o estudo coordenado por Naercio partiu justamente de um indicador que buscou mensurar o efeito de toda a educação básica, trabalhar com a criança desde o início e contribuir por todo o percurso para a sua formação com qualidade, já como jovem, no ensino médio. Os dados enfatizaram como a variação positiva na qualidade de ensino da educação básica em um município tem efeitos positivos, cinco anos depois, em diversos aspectos da vida do jovem para além das taxas de violência e homicídios locais, mas também influenciando o seu ingresso no ensino superior e sua empregabilidade.

A notícia de que os impactos de uma educação básica de qualidade na vida dos jovens e no País começam a aparecer de maneira mais clara, podendo ser verificados de maneira técnica, é muito boa. A questão a se refletir e debater hoje é que a queda da violência é um dos benefícios sociais que podem ser trazidos pela melhoria da educação básica, mas não é o único. De um modo geral, os investimentos em educação, como política pública, incidem também em resultados de outras políticas, como no aumento de empregabilidade; na renda; no ingresso no ensino superior; na sociabilidade, por meio do incremento da percepção dos jovens sobre a própria cidadania; e muitos outros.

É preciso compreender que melhorar a qualidade da educação no País e, consequentemente, reduzir as desigualdades educacionais que ainda estão presentes, passa, necessariamente, pela articulação entre municípios, Estados e a União, pensando a educação básica como um sistema integrado. Só assim conseguiremos avançar na resolução dos enormes desafios que nossa sociedade enfrenta.

Avançamos nas últimas décadas, mesmo que mais lentamente do que precisávamos, mas ainda temos um longo caminho para resolvermos os desafios econômicos e sociais que temos no Brasil. Para transformarmos de vez nossa realidade, são imprescindíveis o engajamento da sociedade, a vontade política e a ação do poder público. Mas, acima de tudo, a conscientização de que não é possível pensar em melhoria de emprego, produtividade e segurança – temas que estarão presentes nas próximas campanhas eleitorais – sem ter como foco a melhoria da educação pública. Quem o fizer não estará trazendo uma solução completa para a sociedade e para seu eleitor.

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DIRETOR-PRESIDENTE DO INSTITUTO NATURA