Por Samuel Pinusa, g1 CE


Raquel Meneses, Paulo Eduardo Martins e Georgia Landim, de 42, 59 e 41 anos, respectivamente. — Foto: Arquivo pessoal

Empreender, realizar um sonho antigo ou uma identificação pessoal. Os motivos variam para levar universitários às salas de aula após os 40 anos. No Ceará, Georgia Landim, Paulo Eduardo Martins e Raquel de Meneses de 41, 59 e 42 anos, respectivamente, decidiram voltar à universidade durante a vida adulta; cada um com a própria motivação.

Aposentado, Paulo Eduardo Martins poderia ter escolhido apenas colher os frutos dos anos de trabalho, mas o desejo de empreender falou mais alto. Com isto, ele aproveitou que a filha estava estudando para o Enem de 2020 e a acompanhou na preparação. No ano seguinte, o ex-funcionário público foi aprovado em gastronomia na Universidade Federal do Ceará (UFC).

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“Quando eu entrei na gastronomia, minha intenção era empreender. Aí eu vi que existia a possibilidade de migrar para outro curso que achava que ia me ajudar muito nessa missão do empreendedorismo”, comentou o universitário que, neste semestre, fez transferência acadêmica para a graduação em administração, também na UFC.

Iniciar uma nova graduação é, inclusive, ponto comum na trajetória de Paulo Eduardo. Em 2010, ele entrou em história, na mesma universidade, e formou em 2013. Anteriormente, ao sair do ensino médio, ele também passou para engenharia mecânica, mas não conseguiu terminar o curso.

Paulo Eduardo graduou em história pela UFC em 2010. — Foto: Arquivo pessoal

“Quando eu estava cursando, apareceu a oportunidade de fazer um concurso para a empresa onde trabalhei. Só que eu trabalhava viajando, e não conseguia conciliar o emprego com a faculdade. Então, essa primeira faculdade eu não concluí”, lembrou o universitário sobre a primeira aprovação, em 1982.

Com as experiências universitárias, Paulo Eduardo recebeu com espanto a notícia de três estudantes que ironizaram uma colega devido à idade em Bauru, em São Paulo. “Eu achei um absurdo. Não consigo entender como alguém tão jovem, que deveria ter a mentalidade tão relaxada, consegue ter esse tipo de preconceito”, lamentou o estudante.

Repúdio ao preconceito

Raquel Meneses com colegas da faculdade de psicologia em Fortaleza. — Foto: Arquivo pessoal

A atitude das universitárias também chocou a estudante de psicologia, Raquel Meneses, de 42 anos, que está na segunda graduação — ela se formou em comunicação social há mais de 20 anos. “Isso me atravessa de maneira muito forte. Não é só empatia com o que a colega viveu. É algo que fala de mim também”, disse.

“Eu sou mulher, universitária, tenho mais de 40 anos e tenho muito orgulho. É um sacrifício, tenho de deixar família para trás. Trabalho e estudo. A carga é muito alta”, declarou Raquel.

"Há um total despreparo e noção da realidade, porque uma pessoa não se aposenta aos 40 anos. São meninas desorientadas e que se portaram dentro de uma ignorância muito grande. Se eu estou na casa do 60, 65, 70 anos com uma vida ativa, produtiva, feliz, participante, por que aos 40 anos não posso fazer uma faculdade? Isso não existe", reforçou.

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Raquel entrou em uma faculdade particular de psicologia em 2019 para realizar um sonho antigo, que teve de ser guardado em uma gaveta há mais de duas décadas, mas nunca foi esquecido. Ela pensa, inclusive, em fazer uma transição de carreira, e passar a atuar mais na área da psicologia.

“É uma área que eu sempre quis, sempre tive interesse e, hoje, cursando, vejo que há total afinidade. É um curso lindo, estou muito realizada. Espero ter uma trajetória muito bonita na psicologia”, declarou.

“Fiz minha primeira graduação, fui trabalhar, constituir família e, depois, quando estava com uma certa organização financeira, estabilidade — até de tempo —, eu pude me dar esse privilégio de realizar um sonho”, disse a universitária.

Ela também comemorou que nunca passou por nenhum preconceito na faculdade devido à idade. “Na minha turma tem do jovem que acabou de sair do ensino médio a pessoas já aposentadas. Todas cursando a mesma grade curricular”, explicou Raquel.

Identificação pessoal

Georgia decidiu cursar pedagogia pela afinidade pessoal que tem com a área. — Foto: Arquivo pessoal

Uma interseção entre o direito e a pedagogia. É o que busca a universitária Georgia Landim, de 41 anos, que, assim como Raquel Meneses, decidiu fazer uma segunda graduação por identificação pessoal com a área. Ela é formada em direito pela UFC, onde atualmente cursa pedagogia. A diferença entre as universitárias é que Georgia não pensa, necessariamente, em uma transição de carreira.

“Eu penso, na verdade, em uma compatibilização, se possível, do direito com a pedagogia. Quem sabe, no futuro, eu encontre alguma interseção para poder trabalhar com as duas coisas juntamente”, almejou a estudante.

“Eu sempre me identifiquei com a pedagogia. Sempre tive muito interesse na área da educação. Tanto identificação com a profissão em sala de aula, quanto com as obras científicas, como as obras de Paulo Freire e metodologias de ensino não tradicionais”

Ela disse que o interesse na área aumentou após ser mãe — tem filhos de seis e nove anos. “Fazer essa segunda graduação é a realização de um desejo, de uma identificação pessoal mesmo. É uma tentativa de contribuir com a educação mesmo”, comentou.

A estudante também lamentou o episódio envolvendo as estudantes de biomedicina de São Paulo. “Eu fiquei muito surpresa com o que aconteceu porque eu, particularmente, nunca sofri nenhum preconceito desde que entrei. Pelo contrário, sempre fui muito bem recebida, bem acolhida pelos meus colegas, e a maioria é bem mais nova que eu”, agradeceu.

Georgia disse que convive, inclusive, com professores mais novos que ela. “Eu achei um absurdo tentar determinar o que a pessoa vai fazer ou deixar de fazer por conta da idade. Toda forma de preconceito deve ser combatida”, complementou.

Ela apontou, inclusive, pontos positivos em fazer uma graduação após a maturidade. “Como eu estou na graduação com mais experiência profissional e de vida, eu consigo perceber melhor a importância de cada aula que eu assisto”, disse.

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