Rio

Unicef alerta que violência no Rio é prejudicial ao desenvolvimento das crianças

A cada dia letivo, três escolas fecham por causa de tiroteios na cidade

Crianças de uma turma do Colégio Municipal Walt Disney, em Ramos, que atende estudandos do Complexo do Alemão, fazem trabalhos escolares sobre a visão delas de PAZ.
Foto:
Fábio Rossi
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Agência O Globo
Crianças de uma turma do Colégio Municipal Walt Disney, em Ramos, que atende estudandos do Complexo do Alemão, fazem trabalhos escolares sobre a visão delas de PAZ. Foto: Fábio Rossi / Agência O Globo

RIO — A rotina aterrorizante que estudantes cariocas têm vivido em escolas localizadas em áreas conflagradas — e que traduzida em números mostra que, dos 107 dias letivos do primeiro semestre, em apenas oito todos os colégios da rede municipal abriram sem a interferência de tiroteios, segundo a prefeitura — foi debatida nesta quinta-feira, em Genebra, durante um evento do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). De acordo com o órgão, submetidos regularmente ao medo de serem atingidos por balas perdidas, alunos do Rio estão sob grande risco de não desenvolverem integralmente o seu potencial.

De acordo com o Unicef, “estudos mostram que interrupções repetidas em ambientes de violência afetam negativamente a habilidade das crianças de se concentrarem e aprenderem sem medo. Precisar buscar abrigo e esconderijo e até testemunhar episódios de violência têm um grande impacto psicossocial nas crianças e várias relatam sofrerem de síndromes de estresse, como pesadelos e crises de ansiedade. Crescer em um ambiente com frequentes episódios de violência armada também pode fazer com que as crianças percebam a violência como o procedimento normal na resolução de conflitos”.

Em comunicado, o Unicef informou que está preocupado com o impacto da violência no dia a dia de crianças cariocas, visto que “uma em cada quatro escolas da Secretaria municipal de Educação, Esportes e Lazer teve que fechar durante determinados períodos ou foram forçadas a interromper as aulas por causa dos tiroteios ou outros tipos de confrontos”.

Em ACARI, 30 DIAS SEM AULAS

A rede municipal de ensino tem 650 mil alunos. De acordo com a prefeitura, a violência na cidade provocou o fechamento de 381 das 1.537 escolas da rede municipal, pelo menos uma vez desde o início do ano letivo, iniciado em 2 de fevereiro. Segundo a Secretaria municipal de Educação, ficaram sem aulas 129.165 estudantes. Entre os locais mais afetados, de acordo com levantamento do órgão entregue à Secretaria estadual de Segurança, estão Acari (ficou 30 dias sem aula), Complexo da Maré (18 dias), Complexo do Alemão (15 dias); Cidade de Deus (16 dias) e Vila Kennedy (14 dias). Em abril, a estudante Maria Eduarda Alves Ferreira, de 13 anos, foi morta no pátio da Escola Municipal Jornalista Daniel Piza, em Acari.

No Rio, a cada três dias uma escola da rede municipal é invadida ou assaltada. Entre janeiro de 2016 e abril deste ano, foram 157 furtos, 19 invasões e um caso de dano ao patrimônio. Para a Coordenadora da Plataforma dos Centros Urbanos e Chefe do escritório do Unicef no Rio, Luciana Phebo, a situação é grave e precisa ser pensada no âmbito da proteção aos direitos da criança e do adolescente.

Comunidades que mais fecharam escolas
Em dias letivos no primeiro semestre de 2017
Acari
Chapadão
Vila Kennedy
9
31
14
Maré
10
Alemão
18
Costa Barros e Casarão
15
11
Manguinhos e Praça Seca
Serrinha, Complexo
da Penha e Rollas
12
7
Jacarezinho, Guadalupe,
Palmeirinha, Antares e Caju
5
8
Fallet/Fogueteiro e Lins
Mangueira
6
16
Turano e Juramento
Cidade de Deus
Os números das escolas áreas de risco
Nos 107 dias letivos do primeiro semestre de 2017,
apenas em
8 dias
100% de escolas abriram
129.165
381
Total de alunos
Total de unidades atingidas pela violência
Fonte: SME, dados até 30 de junho
Comunidades que mais
fecharam escolas
Em dias letivos no primeiro
semestre de 2017

— É preocupante, porque estas crianças estão em fase de desenvolvimento de suas relações sociais, de confiança no outro. Há um impacto na capacidade de aprendizado e o contato com tanta violência pode afetar a saúde física e mental de crianças e adolescentes — diz Luciana, acrescentando que o Unicef vem participando de reuniões e grupos de trabalho com as autoridades de educação e segurança no Rio, para buscar uma solução coordenada para esta crise.

Ainda de acordo com o comunicado do Unicef, “a violência também afeta o sistema de educação em outras regiões do país. De acordo com uma pesquisa nacional sobre saúde na escola, quase 10% dos adolescentes nas regiões Sudeste e Nordeste do país já passaram pela experiência de ter a escola fechada por causa da violência, enquanto na Região Sul apenas 2% viveram algo parecido”.

Ainda de acordo com o órgão, o Brasil tem uma das maiores taxas de homicídio de adolescentes do mundo. Em 2015, mais de 10 mil adolescentes entre 10 e 19 anos foram assassinados.

Para ajudar os professores de escolas situadas em áreas de risco a lidarem com a violência, a prefeitura ofereceu recentemente um curso de proteção para situações de guerra, com integrantes da Comitê Internacional da Cruz Vermelha. A iniciativa do treinamento para profissionais da rede municipal de ensino foi da própria secretaria, com base em um programa implantado pelo comitê nas áreas de saúde e educação do estado, em 2009 e 2013. Segundo a prefeitura, o curso faz parte de uma série de medidas para amenizar a violência que vem se abatendo sobre as escolas municipais desde o início do ano letivo. O programa, realizado em parceria com a Secretaria municipal de Educação, prevê o treinamento de 40 professores. O mesmo curso já foi aplicado tanto em contexto de conflito armado como de violência urbana, em países como Colômbia, Ucrânia, Líbano, Honduras e México.

ATO PELA PAZ

A Secretaria municipal de Educação, Esportes e Lazer informou, por meio de sua assessoria, que o Unicef tem sido um importante parceiro na luta pela paz no entorno das escolas, tendo participado de reuniões e sendo uma das primeiras entidades a assinar o manifesto “Aqui é um lugar de paz”. Segundo a secretaria, “a discussão sobre a violência nas escolas da rede é hoje uma das principais pautas do órgão. O dia 6 de abril ficou marcado como o início de uma campanha pela paz em todas as 1.537 unidades escolares. Naquele dia, estudantes e profissionais se reuniram para uma grande mobilização pela paz e contra a violência”. Para o próximo dia 17, está sendo convocado um ato das escolas, pedindo paz no Rio, no Aterro do Flamengo.

Procurada, a Secretaria estadual de Segurança não comentou as declarações do Unicef.