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Uma solução para o dilema entre o rol taxativo e o autismo

Como proteger os direitos dos autistas e garantir a viabilidade das operadoras de planos de saúde?

Por Marília Dantas
Atualização:

Marília Dantas. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

É de fundamental importância discutirmos a dimensão do autismo no Brasil, seja no âmbito da saúde pública quanto do social. O primeiro censo que incluirá dados sobre o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) está planejado para acontecer entre agosto e outubro deste ano. Mas a compreensão do impacto que essa população tem na vida do país, mesmo com números estimados e ainda obsoletos, é importante para tomarmos as melhores decisões judiciais e, sobretudo, políticas.

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O autismo é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades nas capacidades cognitivas e comportamentais, muitas vezes com dificuldades de socialização. Apesar de ser um transtorno crônico, é comprovado que a intervenção precoce e intensiva pode alterar o prognóstico e suavizar essas características, permitindo que o indivíduo tenha autonomia ao crescer. Ao receber o diagnóstico positivo, toda a família é afetada e precisa receber acompanhamento psicológico e capacitação para o sucesso de qualquer tratamento administrado.

Impactando os autistas, a decisão da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 10/06/2022, definiu que as operadoras de planos de saúde devem aderir ao rol taxativo em detrimento do rol exemplificativo, ou seja, que as empresas não precisam cobrir procedimentos que não constem na lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Por um lado, isso é importante para que as operadoras tenham saúde financeira. Por outro lado, adotar o rol taxativo pode afetar negativamente a vida de milhares de pacientes que tinham garantido na Justiça o acesso a terapias, medicações e cirurgias.

Os defensores do rol taxativo explicam que ele garante preços mais baixos para todos os conveniados de planos de saúde. É possível estimarmos o impacto nos preços. Hoje, apenas 22% dos brasileiros possuem um plano de saúde privado. Para uma criança de quatro anos o custo médio é de R$350.

Levantamento do CDC-USA em 2020 mostra que um em cada cinquenta e dois nascidos nos EUA são autistas e o Brasil pode possuir números similares. A ausência do Censo prejudica as projeções. Computa-se que uma família brasileira que paga um tratamento completo para a criança autista de 4 anos, com neuropediatra, atendente terapêutico, analista do comportamento, fonoaudiólogo, psicopedagogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, nutrólogo, acompanhante escolar, etc. e ainda medicações, investe mensalmente até R$10mil. Se somente 22% usam plano, então dez pessoas teriam que arcar com o custo de cada autista em plano. Se todos os autistas aderirem a planos de saúde, o preço do plano para crianças de 4 anos subiria de R$350 para R$1.350. O mesmo aumento incremental aconteceria em todas as faixas etárias. Vale

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registrar que o rol taxativo afeta todas as demandas possíveis ao plano. Sua nulidade possivelmente aumentaria os preços de forma superior ao estimado aqui, inviabilizando a adesão para mais brasileiros. Outro ponto significativo, é que muitos autistas continuarão sem condições de pagar pelo plano de saúde e continuarão sem receber os cuidados necessários pelo SUS.

O grande beneficio da intervenção precoce é que, com ela, o autista muito provavelmente precisará de menos terapias e acompanhamentos com o tempo, podendo trabalhar e até ser produtivo na sociedade. Do ponto de vista econômico, isso significa menos despesas com saúde ao longo da vida e a não necessidade de aposentadoria precoce pelo INSS.

Constitucionalmente, cabe ao Estado, em seus três níveis de atuação, garantir acesso à saúde e à educação para todos os brasileiros. Mas tem falhado de forma categórica. Tanto a educação quanto a saúde estão operando no limite. Na educação, apenas 7% dos brasileiros terminam o ensino médio sabendo o que 7% significa [1]. Já na saúde, existem casos de pessoas que passam meses ou anos na fila do SUS para atendimentos de urgência, assim quando sobrevivem à espera, ficam com sequelas.

Precisamos reconhecer a falha estatal e manter a liberdade da iniciativa privada. Cabe às empresas desenharem modelos de negócio viáveis e atenderem seus clientes de forma honesta. Ao Estado cabe garantir segurança jurídica para a permanência dos competidores atuais e para a entrada de novos competidores com regras claras de operação no mercado.

Nos Estados Unidos, o modelo vigente para o desenvolvimento dos autistas e pessoas com deficiência é desenhado pelo Individuais with Disabilities Education Act, lei que concede subsídios aos entes para apoiar a educação especial, serviços conexos e de intervenção precoce. Essa lei abre diversas frentes, que possibilitam desde adaptações das escolas públicas até escolas Charters focadas em crianças especiais. As escolas públicas são obrigadas por lei a ensinar as crianças fornecendo apoios adequados em cada nível educacional e a custear terapias e outros serviços. A lei versa também sobre o direcionamento de fundos federais para instituições que ajudam a adaptação das famílias ou oferecem serviços de forma localizada.

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Meu entendimento é que, ao invés da obrigação do custeio pelas operadoras que não estão planejadas a oferecerem esses serviços, possamos desenhar um plano nacional de educação, amparo e tratamento para uma eficaz inclusão dos autistas e de pessoas com deficiências que possuem diferentes demandas e necessidades. De forma prática, como nossas escolas públicas precisam focar em melhorias necessárias ao ensino básico de alunos típicos, elas não deveriam ser as instituições centrais para a realização dessa iniciativa. A proposta é que o governo separe recursos públicos e os destine para o desenvolvimento e educação de crianças autistas e com deficiências através de vouchers e escolas charter, junto com comitê para organização, implementação, monitoramento e fiscalização.

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Esses recursos poderiam vir das bilionárias emendas do relator, de possível redução de juros da dívida pública, de aumento de arrecadação oriundo da inflação, de redução de fundo eleitoral, de redução de privilégios, com a economia da aposentadoria pelo INSS, bem como de trabalho em conjunto de parlamentares destinando emendas para a saúde. É o momento de unirmos o útil ao eficaz para nossa população.

Com aproximadamente dois milhões de crianças autistas no país e um custo de R$5 mil mensais, estamos falando de R$1O bilhões que precisam ser financiados pelo SUS, R$120 bilhões ao ano de uma nova despesa contratada sem receita fixa. Apenas com juros, o Tesouro pagou R$448 bilhões no ano passado e o orçamento secreto foi de R$19 bilhões de reais. Esse investimento por mais alto que seja precisa ser feito e de forma inteligente, pois estamos à beira de ter um país com milhões de pessoas que não conseguem adaptação social, emprego e o cumprimento de atividades básicas.

Agora, precisamos de um compromisso. A educação de nossas crianças é coisa séria. Sua saúde não é assunto para ser postergado. É um investimento no futuro, onde todo o país usufruirá de seus resultados. Parlamentares, é momento de colocar de lado interesses particulares por um bem social maior.

*Marília Dantas, aministradora judicial. Líder Livres Paraíba

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[1] https://novo.qedu.org.br/brasil/aprendizado

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