Uma em cada quatro mulheres com direito a prisão domiciliar permaneceu atrás das grades, diz estudo da Defensoria Pública Brenno Carvalho/ Agência O Globo — Foto:
Rio- Um estudo da Defensoria Pública (DP) estadual, baseado em entrevistas feitas por defensores durante audiências de custódia, realizadas pelo Tribunal de Justiça do Rio (TJ), revela que entre 2019 e 2020, uma em cada quatro mulheres permaneceu presa, mesmo tendo requisitos previstos por lei para responder em prisão domiciliar pelo crime que foi acusada. A pesquisa diz ainda que, num total de 338 ocorrências, 17,5% das mulheres relataram ter sido agredidas fisicamente ao serem detidas . Em um dos casos, uma mulher afirmou ter sido agredida por policiais por recusar a praticar sexo oral nos agentes em troca da liberdade.
De um modo geral, elas relataram ter sofrido agressões como chutes, tapas, empurrões, pontapés na cintura, puxões de cabelo, jatos de spray de pimenta no rosto quando já estavam imobilizadas e até enforcamento no momento da prisão. A pesquisa acompanhou a audiência de custódia de um total de 1.428 mulheres. Deste universo, segundo a Defensoria Pública, 533 tinham requisitos necessários para obter a prisão domiciliar. Ou seja, eram gestantes, estavam amamentando, ou tinham filhos com menos de 12 anos completos, além de não terem cometido crimes com violência ou ameaça, ou contra seus descendentes.
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O direito de substituir a decretação de prisão preventiva por prisão domiciliar, nesses casos, é prevista no Código Processo penal e por decisão do Supremo Tribunal Federal, publicada em 2018, que estipulou os quesitos para obtenção do benefício . No entanto, segundo o Núcleo de Audiência de Custódia( Nudac) da Defensoria Pública, 24,9% destas mulheres permaneceram atrás das grades mesmo tendo direito a prisão domiciliar.
— Muitas vezes o que se verifica na análise das decisões judiciais, como a pesquisa constatou, é que os juízes, frequentemente, acabam adotando outros requisitos que não são previstos em lei como justificativa para não deferir este direito — disse Mariana Castro, defensora pública e coordenadora do Nudac.
O resultado do estudo, batizado como Mulheres nas Audiências de Custódia no Rio de Janeiro, será apresentado, nesta quinta-feira, dia 11, e sexta-feira, dia 12 de março, no evento virtual "Encarceramento feminino em perspectiva: dez anos das regras de Bangkok", promovido pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
Participarão do evento o médico e escrito Dráuzio Varella, que vai falar sobre a experiência com mulheres prisioneiras no tempo que trabalhou no Candiru, além de advogados e representantes das Defensorias Públicas do Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul e da Secretaria de Articulação Associação Nacional de Travestis e Transexuais.
A pesquisa não conseguiu traçar um perfil das 1428 custodiadas, mas obteve detalhes de dez mulheres que, durante o período do estudo, estiveram três vezes ou mais numa audiência de custódia. Deste total, a maioria disse ser solteira e de cor preta . Apenas duas disseram não usar drogas ou remédios controlados. Segundo o estudo, nenhuma chegou a concluir o ensino médio.
Segundo a pesquisa, a maior parte das 1.428 mulheres entrevistadas pelos defensores ,entre janeiro de 2019 e o mesmo mês de 2020, cometeu crimes como tráfico, associação para o tráfico ou furto. Três são nascidas em outros países, e 24 são naturais de outros estados, entre eles São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Bahia. Já a maioria nasceu no Rio de Janeiro, sendo que 584 nasceram no município do Rio.
A pesquisa constatou ainda que o menor intervalo de retorno, após ganhar a liberdade, foi em média de três meses. Já o maior foi de dez meses. Procurado para comentar os dados revelados pela Defensoria Pública do Rio, o Tribunal de Justiça disse que não comentaria o caso por não ter conhecimento dos números apresentados. Mas, alegou que a presença de um dos pressupostos, isoladamente, não assegura ao acusado(a) a substituição da prisão preventiva pela domiciliar. E que o juiz sempre analisa as circunstâncias do caso. Abaixo, a íntegra da nota.
"O TJ não tem conhecimento dos números que foram apresentados em sua demanda. Por isso, não pode comentar sobre esses números.
A lei prevê que, em determinadas circunstâncias, o juiz poderá converter a prisão em domiciliar. As medidas poderão ser aplicadas nas mulheres gestantes, independente do tempo de gestação e da sua situação de saúde, ou que tenha filho menor de 12 anos. No entanto, a presença de um desses pressupostos, isoladamente, não assegura ao acusado, automaticamente, o direito à substituição da prisão preventiva pela domiciliar. O juiz sempre analisa as circunstâncias do caso."