Educação

Por Ana Carolina Moreno, Amanda Ferreira, João Lucas Martins, Thiago Crespo, TV Globo — São Paulo


Secretaria Estadual da Educação estuda mudanças no Novo Ensino Médio já no 2º semestre

Secretaria Estadual da Educação estuda mudanças no Novo Ensino Médio já no 2º semestre

No primeiro ano de implementação completa do Novo Ensino Médio em São Paulo, uma em cada cinco escolas estaduais só oferece até dois dos 11 possíveis itinerários formativos da rede estadual. O levantamento foi feito pela TV Globo com dados das ofertas de itinerários obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI).

De 3.663 escolas estaduais que, de acordo com os dados, trazem pelo menos um dos "aprofundamentos curriculares" neste ano letivo – os itinerários formativos criados pelo governo paulista em 2020 –, e 785 oferecem apenas até duas opções. Elas representam 21,4% do total.

As escolas analisadas representam 93% das unidades escolares com turmas de ensino médio na rede estadual. Foram excluídas do levantamento as escolas quilombolas, indígenas, em hospitais ou penitenciárias, além de escolas que só oferecem itinerários do Novotec, o programa do governo estadual que oferece cursos técnicos e profissionalizantes como uma opção de itinerário formativo (veja abaixo a metodologia do levantamento).

Em entrevista ao SP1, Renato Dias, coordenador da Coordenadoria Pedagógica da Secretaria de Estado da Educação (Seduc-SP), afirmou que a secretaria pretende criar em maio um grupo para desenhar mudanças no Novo Ensino Médio. Em nota, a secretaria diz que vai reforçar a formação de professores e produzir e entregar aos docentes conteúdos para todas as aulas a partir do segundo semestre letivo.

De acordo com Dias, a "hiperdiversidade de itinerários é uma complexidade de assuntos que dificulta a implementação pela professora lá na ponta, que dá para o aluno a sensação de que ele está tendo alguma coisa que seja mais leva, que não seja tão profunda e que não está trabalhando, ou não está conversando com a disciplina da formação geral básica que ele vai encontrar no vestibular daqui a pouco". (leia mais abaixo).

Entenda o Novo Ensino Médio:

  • A reforma do ensino médio foi anunciada por Michel Temer por meio de uma medida provisória em setembro de 2016, três semanas depois de assumir definitivamente a Presidência.
  • Ela foi convertida em lei em fevereiro de 2017, estipulando a expansão da carga horária do ensino médio para 3 mil horas (mil por ano), sendo que 60% dela seria preenchida com aulas da chamada Formação Geral Básica (FGB, o currículo obrigatório para todas as turmas, e que já existia), e 40% do Itinerário Formativo, com trilhas de formação diferentes que os estudantes poderia escolher).
  • Na época, o então ministro da Educação, Mendonça Filho, explicou que as alterações tinham o objetivo de "tornar a escola mais atrativa" para os estudantes. "O adolescente não se vê identificado com esse formato de escola que o Brasil oferece."
  • Em dezembro de 2018, último mês do governo Temer, o Conselho Nacional da Educação (CNE) aprova a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) específica para o ensino médio.
  • São Paulo se antecipou aos prazos de implementação do Novo Ensino Médio e aprovou o novo currículo em agosto de 2020.
  • No novo currículo foram criados 11 itinerários formativos mesclando pelo menos duas das quatro áreas do conhecimento (linguagens, matemática, ciências humanas e ciências da natureza) e batizados de "aprofundamento curriculares".
  • Esses itinerários podem ser integrados ao ensino técnico e profissionalizante no programa Novotec Integrado, e há itinerários apenas de ensino técnico dentro do programa Novotec Expresso.
  • A divisão da carga horária priorizou mais aulas da Formação Geral Básica nos dois primeiros anos, e mais aulas dos itinerários formativos no último ano.
  • No ano letivo de 2021, os estudantes que iniciaram o primeiro ano do ensino médio já tinham disponíveis uma pequena parte da carga horária dentro das disciplinas optativas dos itinerários formativos. Em 2023, esses estudantes chegaram ao terceiro e último ano do ensino médio.

Sala de aula de escola de SP — Foto: Reprodução/EPTV

Escolas menores são mais prejudicadas

O levantamento mostra ainda que a oferta de itinerários está atrelada ao tamanho das escolas. O cruzamento de dados entre a quantidade de itinerários oferecidos e a quantidade e matrículas mostra que, entre as escolas com menos opções, a média de estudante também é menor.

Entre as 785 escolas com até dois itinerários, a média é de 184 matrículas do ensino médio por escola.

Já entre as 51 escolas que oferecem pelo menos nove itinerários, a média de alunos sobe para 979:

Além disso, a análise dos dados considerando a menção única a cada itinerário mostra que alguns tiveram maior adesão das escolas. É o caso do itinerário "Cultura em movimento: diferentes formas de narrar a experiência humana", que mescla conhecimentos das áreas de linguagens e ciências humanas, presente em 3.320 escolas.

O segundo itinerário mais comum em 2023 se chama "Meu papel no desenvolvimento sustentável", com aulas abordando conteúdos de matemática e ciências da natureza, oferecido em 2.957 escolas:

'Nota zero' para os itinerários formativos

A equipe do SP1 ouviu estudantes e professores do terceiro ano do ensino médio em diversas escolas estaduais sobre o primeiro bimestre letivo. Alguns, sob a condição de anonimato.

Isabelle Alves, de 17 anos, já sabe que nota daria se os itinerários formativos fossem postos à prova. "Zero. Pra não falar 'dó'", afirmou ela. "Acho que é porque não introduziram isso direito, né. No papel ali, acho que a ideia devia ser incrível, mas na prática, horrível."

A estudante de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, afirmou que optou por um itinerário de ciências humanas.

"As matérias que estavam no itinerário, quando eu preenchi lá no primeiro ano, eram ciências, história, biologia, sociologia, filosofia. Esse ano não tem nada, não tinha nem perto do que eu escolhi. Estou tendo artes, português e cartografia." (Isabelle Alves, estudante)

Conteúdo superficial e disciplinas confusas

Pelas regras do governo estadual, 71% da carga horária nesse último ano do ensino médio deve ser dedicada aos itinerários formativos. As disciplinas que seguem obrigatórias por lei nos três anos (português e matemática) foram mantidas, além de inglês e artes.

O resto das cinco aulas diárias são reservados para as disciplinas dos itinerários, cujos nomes os estudantes dizem que até hoje não aprenderam de cor.

Outra questão, segundo Isabelle, é a concentração de muitas disciplinas em um único professor, o que afeta a qualidade das aulas e, em caso de falta, afeta a quantidade de aulas vagas.

Outro estudante compartilhou com a reportagem seu cronograma de aulas no terceiro ano. A única disciplina do ensino médio que foi citada pelo nome é "esportes radicais". As demais só são identificadas pelo nome dos professores: são cinco, sendo que um deles é responsável por seis aulas semanais, três no mesmo dia:

Cronograma de aulas de um estudante do terceiro ano do ensino médio da rede estadual paulista em 2023 — Foto: Reprodução

Um professor afirmou ao SP1, sob condição de anonimato, que outro desafio imposto pelo Novo Ensino Médio aos diretores de escolas é conseguir atribuir aulas aos professores, mesmo que eles não tenham formação específica na disciplina que devem ensinar.

"As direções das escolas estão acuadas. Por quê? Porque tem que ter aula. Então, qualquer professor que diga eu pego isso, o diretor também não consegue filtrar para dizer 'você tem uma formação específica?' Não existe uma entrevista para definir qual é a formação do professor." (professor da rede estadual)

Em nota, a Seduc-SP afirmou que "as aulas ofertadas na grade são atribuídas de acordo com manifestação de escolha dos professores, incluindo as dos itinerários formativos, sendo que os profissionais podem optar por carga horária mínima (20 aulas) ou máxima (32 aulas)".

Ainda segundo a secretaria, "quando há a ausência pontual de algum professor disciplinar, as aulas são ministradas por professor eventual".

Desvantagem no vestibular e 'jeitinho' informal

Os colegas Felipe Gustavo de Souza, de 17 anos, e Guilherme Oliveira, de 18, estudam no período noturno em uma escola em Diadema. Afeitos à área de exatas, ambos fazem curso técnico no Senai de manhã e pretendem prestar o vestibular para engenharia. Quando tiveram que optar por um itinerário formativo, só escolheram opções relacionadas à área. Mas, neste ano, foram alocados em itinerários bem distantes das aulas pelas quais se interessam.

"Esse novo itinerário, de certa forma, não colocou a gente pra fazer o que a gente quer", explica Felipe. "Eu escolhi matérias mais aplicadas da parte de exatas, com cálculos aplicados, esse tipo de coisa. E caí em matérias diferentes. Por exemplo, trilhas, esportes radicais, esse tipo de coisa, que pra mim não é algo que vai aderir. Acredito que quando eu for prestar um vestibular, se eu não estudar à parte, a minha chance de passar é baixa."

Guilherme concorda com o amigo. "São matérias que estão fora da nossa realidade. Com muito conteúdo sem conexão um com outro, muito jogado assim para o aluno", disse ele.

"E ainda mais aluno de periferia, que nem a gente, que estuda e trabalha. Não tem muito tempo de se aprofundar, mesmo essas matérias no contraturno. Quem estuda à noite tem aula no horário da tarde, então acho que esse novo ensino médio aí acaba não só tirando toda atenção do aluno, como interesse, pela própria aula em si." (Guilherme Oliveira, estudante)

De acordo com a secretaria estadual, "hoje, todas as escolas da rede estadual SP oferecem ao menos dois Itinerários Formativos, dentre 11 opções, oferta essa que contempla as quatro áreas de conhecimento do currículo".

A nota diz ainda que "a definição dos itinerários que serão ofertados pela unidade escolar atende ao desejo dos alunos, a partir do projeto de vida e da manifestação de interesse maior".

Isabelle fez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como treineira em 2022, e que esse ano tem não conseguir chegar preparada ao vestibular.

Para contornar o problema, estudantes e docentes admitem que existe, na sala de aula, um pacto informal para que o conteúdo ensinado seja o considerando 'tradicional', voltado à preparação para o vestibular.

"A gente combinou com professores", contou ela. "Eles perguntaram: 'vocês preferem que eu dê essa matéria ou vocês preferem uma ajuda para o vestibular?' A gente falou que a gente prefere uma ajuda. Aí eles falaram. 'Ó, fica aqui combinado entre a gente que eu vou ignorar totalmente o itinerário para dar essa força para vocês'."

Renato Dias, da Coordenadoria Pedagógica da Seduc-SP, afirma que "tem recebido muito retorno da rede, em especial dos alunos, dizendo que eles têm poucas horas de matemática, química, física, geografia, ou mesmo de língua portuguesa".

Segundo ele, a pasta estuda medidas para "dar, por um lado, melhores itinerários, itinerários mais bem dados pelas professora" e, "por outro lado, mais carga horária das disciplinas que eles vão precisar no vestibular. A gente está desenhando hipóteses para incidir alguma mudança nesse ano".

Metodologia do levantamento

  • Por meio da Lei de Acesso à Informação, a produção da TV Globo obteve a lista de itinerários formativos oferecidos pelas escolas estaduais em qualquer ano do ensino médio;
  • Foram retiradas da lista as escolas com características específicas, como as indígenas, quilombolas e salas de aulas hospitalares ou penitenciárias;
  • Em seguida, foram separadas apenas as escolas estaduais que listaram nominalmente pelo menos um dos 11 itinerários:

Itinerários formativos da rede estadual de SP

Nome do itinerário formativo Área do conhecimento 1 Área do conhecimento 2
1 #quem_divide_multiplica Matemática Ciências humanas
2 #SeLiganaMídia Linguages
3 A cultura do solo: do campo à cidade Ciências humanas Ciências da natureza
4 Ciências em ação! Ciências da natureza
5 Corpo, saúde e linguagens Linguagens Ciências da natureza
6 Cultura em movimento: diferentes formas de narrar a experiência humana Linguagens Ciências humanas
7 Liderança e Cidadania Ciências humanas
8 Matemática Conectada Matemática
9 Meu papel no desenvolvimento sustentável Matemática Ciências da natureza
10 Start! Hora do desafio! Linguagens Matemática
11 Superar desafios é de humanas Ciências humanas

  • O próximo passo foi calcular quantos itinerários apareciam pelo menos em um dos anos do ensino médio em cada escola, e quantas escolas ofereciam cada itinerário;
  • Para calcular a média de alunos nas escolas de acordo com a quantidade de itinerários, a tabela acima foi cruzada com a base de dados de matrículas no ensino médio mais recente, referente a 2022.

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