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Uma a cada cinco estudantes brasileiras entre 13 e 17 anos já sofreu abuso sexual, aponta IBGE

Jovens de 13 a 17 anos assinalaram questões em relação à própria saúde física e mental na última Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE); meninas também bebem e fumam mais cedo. Veja números
Alunos responderam a questões relacionadas à saúde e ao ambiente em casa e na escola Foto: Reprodução / IBGE
Alunos responderam a questões relacionadas à saúde e ao ambiente em casa e na escola Foto: Reprodução / IBGE

RIO — O IBGE divulgou, nesta sexta-feira (10), os novos números da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), onde estudantes do Brasil inteiro, entre 13 e 17 anos, responderam a um questionário que aborda diversos aspectos de suas vidas pessoais, que vão desde a alimentação e higiene, estrutura das escolas, até o uso precoce de álcool, drogas e questões envolvendo violência sexual. Mesmo tendo sido realizada antes da pandemia, em 2019, uma das questões importantes que a pesquisa levanta com seus dados é em relação à necessidade de atenção quanto à saúde física e mental dos jovens, sobretudo das meninas. De modo geral, elas aparecem como maioria entre os estudantes que apontaram sedentarismo, consumo de bebida alcoólica, bullying, abusos sexuais, dificuldade de aceitação do corpo, entre outros pontos sensíveis.

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Dados ajudam a traçar estratégias para efeitos da pandemia

Pesquisa foi realizada antes da Covid-19, mas alimenta poder público de informações importantes, segundo pesquisadores

No contexto da pandemia, os pesquisadores reforçaram que o estudo — em sua 4ª edição — chega para cumprir um novo papel, de fornecer ao poder público informações imediatamente anteriores à Covid-19, o que segundo eles, ajuda a traçar importantes parâmetros para o direcionamento de políticas públicas de recuperação da saúde desses jovens e adolescentes. A pesquisa mostra, por exemplo, que 13,8% dos adolescentes afirmaram que nunca ou raramente lavam as mãos antes de comer; hábito impensável hoje,em tempos de pandemia. Além disso, apenas 61,5% estudam em escolas que informaram possuir pia ou lavatório em condições de uso — quase todas nas instituições privadas.

— Essa casualidade infeliz que tivemos de ter a PeNSE imediatamente antes da pandemia acho que é o fator mais importante. Ou seja, como avaliar aqueles fatores de risco e problemas que já existiam e eram importantes para esses adolescentes pré-pandemia e que se agravaram sobremaneira durante a pandemia e que precisam urgente de providências no sentido de serem enfrentados? — comentou Marco Andreazzi, gerente de Estatísticas da Saúde do IBGE.  — Questões tão simples, como ter pia, água e sabão para lavar as mãos, que podem parecer irrelevantes, ganham importância ainda maior nesse momento. Assim como as questões de saúde mental, violência, atividade sexual, álcool. Todos esses fatores sofreram e sofrem uma influência muito grande das condições de vida do adolescente.

O PeNSE analisou questionários preenchidos por 125.123 alunos de 4.242 escolas visitadas Brasil à fora através de uma espécie de smartphone do órgão. A pesquisa estima que havia naquele momento no país 11.851.941 estudantes entre 13 e 17 anos frequentado colégios do 7º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio: 7.665.502 adolescentes entre 13 a 15 anos (64,7%), e 4.186.439 jovens entre 16 e 17 anos (35,3%). Entre eles, as meninas aparecem como ligeira maioria: pouco mais de 6 milhões, contra 5.844.398. A maior parte dos estudantes é matriculada em escolas públicas (85,5%).

Segundo os cientistas, comportamentos adquiridos na adolescência tendem a se perpetuar na vida adulta, com consequências para a qualidade de vida, o que também reforça a importância do inquérito.

Meninas acusam desgaste na saúde mental

'Há uma preocupação em relação à mudança de comportamento das meninas', diz pesquisador

Em questões referentes à saúde mental, é possível notar na pesquisa uma ampla frequência das meninas em relação às preocupações rotineiras, ansiedade e até da forma como estas estudantes se veem. O dado que deixa mais claro esse panorama é na questão de autoavaliação em que os pesquisadores observam se, durante os 30 dias anteriores à pesquisa, aquele estudante sinalizou ter se sentido negativo quanto à sua saúde mental. Ao todo, 27% das meninas apontaram que sim, enquanto apenas 8% dos meninos responderam positivamente – número mais de três vezes menor. A maioria, entre 16 e 17 anos, e estudantes da rede pública.

— Há uma preocupação em relação à mudança de comportamento das meninas, que é pequena ( em relação à pesquisa de 2015 ), mas preocupante — comentou o gerente de Estatísticas da Saúde do IBGE.

Estes indicadores também podem ser analisados junto aos de percepção da própria imagem corporal e ao de prática de exercícios físicos, que passa pelo sedentarismo. Enquanto o sentimento de satisfação ou muita satisfação quanto ao próprio aspecto físico foi majoritário entre os meninos (75,5%), em contrapartida, 31,4% das adolescentes falaram em insatisfação ou muita insatisfação com o próprio corpo.

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Os números mostram que 12,4% das jovens declararam-se fisicamente inativas (contra 4,9% dos meninos), e apenas 18% disseram-se ativas, enquanto 38,5% dos rapazes definiram-se como ativos. Ao mesmo tempo, as adolescentes do sexo feminino também alegaram maior frequência no consumo habitual de doces (38% contra 27,4% dos meninos), tentativas de perda de peso (27,9% contra 21,5% dos meninos), e consideraram-se gordas ou muito gordas (25,2% contra 15,9% dos meninos).

— Existem algumas contradições nestes indicadores quanto à atividade física e alimentação, ou seja, a escolha dos alimentos, e o sentimento delas. É algo que precisa ser trabalhado com os adolescentes em geral, mas em particular com as meninas — apontou Marco Andreazzi. — Os escolares estão mais preocupados e estão se sentindo menos satisfeitos com o próprio corpo, e esse sentimento pós-pandemia deve ser drasticamente aumentado por conta da falta de atividade física, consumo de alimentos mais calóricos e outras perturbações com a saúde mental e condições de vida do adolescente.

Violência sexual: 20% das meninas relatam histórico de abuso

8,8% das adolescentes já foram obrigadas a ter relação sexual contra a vontade

Neste tópico, em que, entre outras coisas, a pesquisa analisa se alguém tocou, manipulou, beijou ou expôs partes do corpo contra a vontade do aluno, 20,1% das meninas entre 13 e 17 anos indicaram já ter sofrido algum tipo de abuso sexual deste tipo, contra 9% dos meninos. A maioria das garotas que assinalaram já ter sido abusadas estão na faixa etária entre 16 e 17 anos, tanto entre as escolas públicas, quanto nas particulares. Entre todos os estudantes que disseram ter sofrido algum tipo de abuso:

Outro índice revelou ainda que 6,3% dos alunos já foram alguma vez obrigados a ter relação sexual contra a  sua vontade, ou seja, foram violentados sexualmente – meninas 8,8%, e meninos 3,7%. Entre os autores deste tipo de violência identificados pelos jovens estão:

Agressão física por pai, mãe ou responsável

Meninas representam ligeira maioria

Na pesquisa, as meninas também aparecem ligeiramente com maior frequência do que os meninos quando o assunto é agressão física por pai, mãe ou responsável. O questionário leva em consideração o que o jovem entende como agressão, ou seja, ele pode tanto ter sido vítima de maus tratos, como também de algum tipo de advertência ou castigo. Ao todo, 22,1% das meninas disseram ter sido vítimas de agressão, contra 19,9% dos meninos. A maioria aconteceu entre os 13 e 15 anos e com alunos de escolas privadas.

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Meninas começam a fumar antes dos meninos

Houve aumento de exposição ao cigarro entre adolescentes de 13 a 15 anos do sexo feminino

Os pesquisadores notaram um crescimento entre as jovens na iniciação do uso do cigarro, em relação à última pesquisa, em 2015: 18,43% das jovens entre 13 e 15 anos no Brasil disseram já ter experimentado o cigarro, contra 15,61% dos meninos, que foram ultrapassados. Para Andreazzi o aumento é preocupante em relação à última pesquisa, feita em 2015.

— O cigarro é talvez o fator que isoladamente mais contribua para doenças crônicas e problemas de saúde durante a vida adulta, e normalmente esse hábito vicia durante a adolescência — explicou Marco Andreazzi. – O Brasil tem conseguido sucesso no sentido de controlar e desestimular o uso do tabaco. Porém, a PeNSE 2019 trouxe um fator preocupante: vemos entre os jovens de 13 a 15 anos que já fumaram cigarro um predomínio maior entre as mulheres do que entre os homens; uma inversão no que diz respeito a 2015 e o que observava-se anteriormente.

Andreazzi explicou também que os números têm grande influência da Região Sul do país, e reforçou que questões de hábitos culturais e familiares influenciam em tópicos como este.

— Os números mostram um comportamento diferenciado de exposição das meninas a esta e outras substâncias, o que também se verifica em outros fatores de risco, e é algo que merece um cuidado especial — acrescentou.

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Entre os alunos com 15 a 17 anos, os meninos que já experimentaram o cigarro pelo menos uma vez são maioria: 35% contra 30% das meninas. Num outro índice, que diz respeito ao uso recente do cigarro – nos últimos 30 dias antes da pesquisa — os meninos passam a predominar, sobretudo os estudantes de escola pública e do Sul do país.

— Os fatores determinantes são distintos ao longo das regiões do país e também das experiências dos adolescentes – explicou Andreazzi. — A Região Norte aparece com o menor consumo de cigarro nos últimos 30 dias, com predomínio em homens na rede pública. Mas temos uma modificação nesse panorama que se dá em cada região. Na Região Sul, que é a que apresenta o maior consumo recente, há aumento na rede privada, aumento entre as mulheres, além de ter expressiva participação dos homens na rede pública.

Há predomínio feminino na exposição precoce ao álcool

Números se equilibram quando leva-se em consideração meninos e meninas do Ensino Médio

De maneira geral, a pesquisa mostra que 66,9% das adolescentes entre 13 e 17 anos disseram já ter tomado pelo menos uma dose de bebida alcoólica, contra 59,6% dos meninos, e preocupa o fato de que 26,8% deles disseram ter adquirido o produto em lojas, mercados, padarias, bares ou botequins, o que é proibido por lei.

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Observando mais a fundo, a PeNSE aponta que, deste total, 34,6% dos alunos disseram já ter sido exposto a bebidas alcoólicas antes mesmo dos 14 anos; e este número é ainda mais alarmante em relação às meninas: 36,8% delas, enquanto os meninos, 32,3%. “Esse indicador, assim como o anterior, revela uma modificação do comportamento das meninas, que apresentam uma ampliação da exposição ao álcool e em idades mais jovens, em relação aos homens”, diz trecho da pesquisa.

— O álcool é, sem dúvida, o fator de risco dos mais consumidos entre as drogas no país, e tem uma tendência estável crescente, em que nós temos, não uma inversão, porque as mulheres já eram consumidoras majoritárias em 2015, mas temos uma modificação em termos de uma diminuição pequena entre os meninos e de aumento em relação à exposição das meninas. Ou seja, é um tipo de problema semelhante ao que observamos com o cigarro no aumento do consumo de determinados produtos por parte das meninas, que sem dúvidas pode gerar efeitos na saúde e qualidade de vida das adolescentes brasileiras — comentou Marco Andreazzi. — Quanto mais precoce a exposição, maiores são os riscos de dano ao desenvolvimento do cérebro e de outros órgãos.

Quando leva-se em consideração o consumo de álcool ao menos uma vez nos últimos 30 dias antes da pesquisa, é possível observar também um predomínio entre as meninas de idades mais baixas, entre 13 a 15 anos (25,5% contra 18,7% dos meninos), e um equilíbrio um pouco maior entre os jovens com 16 e 17 anos (meninos 39,2% e meninas 38,6%).

Santa Catarina e Rio Grande do Sul se destacam entre os estados com mais jovens que foram expostos à bebida alcoólica nos últimos 30 dias antes da pesquisa: 41,4% e 40,3% do total, respectivamente.

Bullying e cyberbullying

Meninas são maioria nos dois índices

O bullying também foi outro problema evidenciado em sua maioria pelas meninas. Ao todo, 23% dos alunos disseram já ter sido vítimas da prática alguma vez. No entanto, observando-se separadamente, 26,5% das meninas assinalaram problemas com bullying, contra 19,5% dos meninos.

Como critério, os pesquisadores não usam a palavra bullying de forma direta nos questionários. Eles vêm utilizando nas edições do PeNSE verbos que signifiquem algum tipo de provocação, como esculachar, zoar, mangar, intimidar ou caçoar, tanto que ficaram magoados, incomodados, aborrecidos, ofendidos ou humilhados, que posteriormente são conceituados como bullying.

Os estudantes de 13 a 15 anos tiveram os percentuais maiores tanto para as meninas (27,7%) quanto para os meninos (20,4%), comparados com as meninas (24,2%) e meninos (17,8%) de 16 e 17 anos. Em contrapartida, mais meninos (14,6%) do que meninas (9,5%) acusaram-se como causadores do bullying.

Os alunos também foram perguntados se, por alguma vez, se sentiram ameaçados, ofendidos ou humilhados nas redes sociais ou aplicativos de celular nos 30 dias anteriores à pesquisa — o chamado cyberbullying. Ao todo, 13,2% disseram que sim. De novo, as meninas foram maioria: 16,2% delas, contra 10,2% dos meninos.