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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Um veto à dignidade: a urgência da distribuição gratuita de absorventes e do combate à pobreza menstrual

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Por Redação
Atualização:

Anna Clara Mattos, Estudante de Administração Pública na Fundação João Pinheiro e Colaboradora do Observatório das Desigualdades

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Nesta quinta-feira, 07 de outubro de 2021, o presidente Jair Bolsonaro vetou¹ o projeto de lei aprovado pelo Senado que cria o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, por meio do qual seria promovida a distribuição gratuita de absorventes para estudantes de baixa renda, mulheres em situação de extrema vulnerabilidade, presidiária e mulheres internadas para cumprimento de medidas socioeducativas². Apesar de explicar o veto pela ausência de indicações de fontes para o custeio do programa, a orientação da decisão ficou clara: o descaso com os direitos básicos à dignidade e à saúde de mulheres e meninas.

A pobreza menstrual é um problema enfrentado em todo o mundo - variando em incidência e intensidade de acordo com o local - por pessoas que menstruam, incluindo crianças e adolescentes, causado pela falta de recursos e de infraestrutura para manter os cuidados durante o período menstrual, dificultando as atividades diárias, o desenvolvimento e a dignidade destas pessoas. De acordo com relatório da UNICEF³, este problema agrava as desigualdades de direitos e de oportunidades para meninas, mulheres e homens trans, envolvendo questões de gênero, de classe e de raça, além de prejudicar trajetórias profissionais e educacionais.

A UNICEF³ aponta que as principais características da pobreza menstrual são a falta de acesso a produtos de higiene pessoal, a precariedade da infraestrutura (banheiros, saneamento básico, etc.), a falta de acesso a medicamentos e a serviços médicos, a falta de informação, os preconceitos e questões econômicas, como a tributação. Ainda de acordo com este relatório, esse desafio é multissetorial e interdisciplinar, na medida em que demanda soluções ligadas aos setores da saúde, do saneamento básico, da educação e da equidade de gênero, além da efetivação dos direitos humanos e da autonomia para todas as pessoas que menstruam.

O acesso precário aos ítens de higiene menstrual, principalmente absorventes, faz com que muitas mulheres utilizem meios inadequados para conter o fluxo menstrual, como panos usados, jornais e miolo de pão, ou impede a realização das trocas do absorvente com a frequência adequada, seja devido ao custo ou às situações de limitação do acesso ao produto, como no caso das prisões femininas.

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Esses problemas podem causar diversas complicações de saúde, que vão desde alergias e infecções comuns, como a candidíase, até casos mais graves, como a Síndrome do Choque Tóxico, associada ao uso de alguns tipos de absorventes internos por períodos prolongados, podendo levar até mesmo à morte4. Ademais, o estresse, as limitações das atividades do dia a dia, o constrangimento e a insegurança são também questões que podem decorrer da pobreza menstrual, afetando a saúde mental e o desenvolvimento das pessoas do sexo feminino.

Pessoas utilizam miolo de pão como absorvente interno em presídios femininos

 Foto: Estadão

Fonte: QUEIROZ, 2015. Disponível em: https://camilavazvaz.jusbrasil.com.br/artigos/211843736/presos-que-menstruam-descubra-como-e-a-vida-das-mulheres-nas-penitenciarias-brasileiras. Acesso em: 21 set. 2021.

Ademais, o acesso a banheiros adequados, água encanada, sabão e local de descarte é outro aspecto fundamental para a dignidade menstrual. Os banheiros, principalmente, devem ser de fácil acesso, para evitar retenção de urina ou uso de absorventes por períodos prolongados, e seguros, para evitar casos de violência sexual. O relatório da UNICEF³ aponta que as condições básicas para um sanitário público adaptado às pessoas que menstruam são segurança, higiene, acessibilidade, disponibilidade e manutenção.

Outros obstáculos à dignidade menstrual são a falta de conhecimento, a omissão e os preconceitos relacionados ao assunto. Isso faz com que as demandas por itens básicos de higiene e a necessidade de diálogo aberto e de informação sobre a menstruação não sejam atendidas de modo satisfatório, criando ainda mais constrangimentos, principalmente para meninas e adolescentes. A partir da primeira menstruação, várias imposições são feitas sobre as meninas, como a exigência de uma postura madura incompatível com a infância e as restrições a determinados comportamentos, enquanto há pouco diálogo sobre os processos fisiológicos e os modos de lidar com estes.

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Para as meninas, principalmente, devido à irregularidade dos primeiros ciclos menstruais e à falta de entendimento sobre o próprio corpo, com fluxos inesperados e vazamentos, a menstruação pode representar um motivo de constrangimento. Desse modo, são causados sentimentos de vergonha que podem limitar atividades importantes para o desenvolvimento e para a socialização dessas pessoas, impactando até na vida adulta.

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Os preconceitos associados à tensão pré-menstrual (TPM) também são fatores utilizados para constranger as mulheres, entrando em conflito com os direitos básicos, na medida em que a TPM é muitas vezes utilizada como justificativa para invalidar os sentimentos e as reivindicações deste grupo.

Em oposição a tais preconceitos, a UNICEF³ aponta que a educação sexual na escola não deve ser apenas voltada à prevenção da gravidez indesejada, mas também para que as pessoas conheçam os próprios corpos, de modo que entendam seu ciclo menstrual. Contudo, o ensino sobre a menstruação não deve se restringir às pessoas que menstruam, mas sim levar o conhecimento a todos, com os objetivos de superar as ideias de inferioridade da mulher associadas à fisiologia feminina e de evitar a discriminação de meninas nas escolas.

No ambiente escolar, em destaque, o entendimento dos ciclos menstruais livre de estigmas é importante para o acolhimento de meninas, visto que a maioria delas passa de 3 a 7 anos da vida escolar menstruando³. Para garantir o bem-estar e a saúde das alunas nestes anos, além da educação sexual, a infraestrutura também é fundamental. Com isso, avaliando os critérios de disponibilidade de banheiros, papel higiênico, pia e sabão nas escolas, a UNICEF³ aponta que 38,1% das crianças e adolescentes que menstruam frequentam escolas que não possuem pelo menos um desses critérios básicos.

A partir dessa informação, para abordar a pobreza menstrual no Brasil, é também essencial levar em consideração a heterogeneidade da população brasileira, considerando desigualdades regionais, raciais e de classes. Nesse sentido, percebe-se que a região Norte apresenta o maior percentual de meninas sem acesso aos mínimos cuidados menstruais nas escolas, enquanto a região Sudeste apresenta o menor percentual, exibindo as desigualdades regionais que envolvem essa questão.

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Desigualdade do acesso às condições básicas de cuidados menstruais entre as regiões do Brasil

 Foto: Estadão

Fonte: UNICEF, 2021.

Para combater o problema da pobreza menstrual e de todos os desafios decorrentes desta apresentados, nas últimas décadas, vários países têm se movimentado para promover políticas públicas que buscam a dignidade menstrual. A redução ou a eliminação da tributação sobre absorventes, por exemplo, é uma medida adotada por alguns países, como Quênia, Índia, Alemanha e Canadá, para aumentar o acesso a tais itens5. Já a Escócia aprovou pioneiramente um projeto de lei que garante a disponibilização gratuita de absorventes para todas as pessoas que menstruam5.

Além dessas ações diretas, o combate à pobreza é um fator fundamental para a efetivação dos direitos menstruais, de modo que impacta diretamente nas condições de saúde, de infraestrutura e de outros recursos básicos para a dignidade.

No Brasil, o descaso com os direitos básicos à dignidade e à saúde ficam explícitos na ausência de políticas efetivas de distribuição de itens de higiene menstrual, além da elevada taxação sobre tais produtos5. Essa postura é reforçada pelo veto à lei que possibilitaria o mínimo de dignidade às pessoas que menstruam.

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Com isso, para além dos problemas práticos que buscavam ser resolvidos com o projeto, a pobreza menstrual é um reflexo das desigualdades de gênero, de raça, de classe e de regiões no Brasil, de modo que a dignidade menstrual deve ser garantida a partir - além do acesso à saúde, ao saneamento básico, à educação e à segurança - do combate às desigualdades.

Referências

¹G1. Bolsonaro veta distribuição gratuita de absorvente feminino. G1, Política, 07 out. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/10/07/bolsonaro-projeto-absorvente-feminino.ghtml. Acesso em: 07 out. 2021.

²GARCIA, Gustavo. Senado aprova texto que prevê distribuição gratuita de absorventes higiênicos femininos. G1, 14 set. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/09/14/senado-aprova-texto-que-preve-distribuicao-gratuita-de-absorventes-higienicos-femininos.ghtml.

³UNICEF; UNFPA. Pobreza Menstrual no Brasil: Desigualdades e Violações de Direitos. UNICEF, 2021. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/14456/file/dignidade-menstrual_relatorio-unicef-unfpa_maio2021.pdf. Acesso em: 21 set. 2021.

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4VARELLA, Mariana. Absorventes internos e a síndrome do choque tóxico. Drauzio Varella. Disponível em: https://drauziovarella.uol.com.br/mulher-2/absorventes-internos-e-a-sindrome-do-choque-toxico/. Acesso em: 22 set. 2021.

5ASSAD, Beatriz. Políticas Públicas Acerca da Pobreza Menstrual e sua Contribuição para o Combate à Desigualdade de Gênero. Revista Antinomias, v. 2, n. 1, jan./jun. 2021. Disponível em: http://www.antinomias.periodikos.com.br/article/60e39095a9539505a0471774.

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A pobreza menstrual, ou seja, a precariedade do acesso aos cuidados básicos durante o período menstrual é um problema enfrentado por milhares de pessoas no Brasil, principalmente mulheres e meninas. O constrangimento, as complicações de saúde e o prejuízo no desenvolvimento são algumas das várias consequências negativas deste problema.

Quer saber mais sobre as causas e os impactos da pobreza menstrual no Brasil? Acesse http://observatoriodesigualdades.fjp.mg.gov.br/

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