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Anielle Franco

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Um Brasil do futuro pela igualdade racial

A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e o presidente Lula (PT) - Divulgação
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e o presidente Lula (PT) Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

11/01/2023 11h19

No dia 1 de janeiro de 2023 aceitei a missão de ser Ministra da Igualdade Racial do Brasil, a convite do presidente Lula (PT). Por conta da nova responsabilidade, me despeço hoje desse espaço de diálogo que cultivei nos últimos anos com leitores de todo Brasil e conto um pouco dos planos para o meu futuro e para o Ministério, além de explicar, o que me motivou a aceitar esse enorme desafio.

Aceitei a tarefa histórica de ser Ministra de Igualdade Racial pela memória da minha irmã, Marielle Franco, e pela vida das mais de 115 milhões de pessoas negras no Brasil, que são hoje a maioria da população e que precisam de um governo que se preocupe com os seus direitos e que construa um futuro de bem viver, de oportunidades, com segurança, de garantia de alimentação, educação, emprego, cultura e dignidade.

Encaro com orgulho e responsabilidade esta missão a partir de 2023, e quero ajudar a reestruturar, junto a companheiras e companheiros, um órgão tão importante, que foi fruto da luta do movimento negro brasileiro anos atrás e construído durante a primeira gestão do presidente Lula.

O movimento negro brasileiro há séculos vem reivindicando e aprimorando as principais políticas públicas de reparação e justiça no Brasil, e minha relação com este movimento se estreitou sobretudo em minha própria busca por reparação e justiça, após o assassinato de minha irmã, Marielle Franco, em 2018.

O Instituto Marielle Franco seguirá lutando por justiça, defendendo a memória e regando suas sementes, mas agora sem que eu esteja a frente do mesmo.

Precisamos de mais de nós em todos os espaços de decisão da sociedade e seguiremos por todos os lados inspirando, conectando e potencializando mulheres negras, pessoas LGBTQIAP+ e periféricas a seguirem movendo as estruturas.

Nos últimos cinco anos, passei por momentos de dor e de grande aprendizado, e tenho certeza que a partir de 2023 será a partir de abertura, transversalidade, diálogo e participação que avançaremos na consolidação de um país com igualdade racial e vida digna para as pessoas negras, indígenas, dos diferentes povos, nações, etnias e territórios que habitam o nosso país.

Nos dias que seguiram o convite para ser ministra da Igualdade Racial, imediatamente voltei para o diálogo com aquelas que abriram os caminhos para que estivesse aqui, sobretudo mulheres do movimento de mulheres negras, quilombolas e de religiões de matriz africana.

Nesse sentido, ouvi minhas mais velhas e olhei para trás para retomar aquilo que já havia escutado e aprendido, mas que a partir de agora se faz ainda mais urgente.

A imagem de Sankofa, de um pássaro que tem os pés direcionados para frente e a cabeça para trás, e que representa a ideia de "retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro" tem me guiado nos primeiros dias deste governo.

O último governo deixou marcas profundas e prejudicou, de muitas maneiras, a efetivação dos direitos conquistados pela luta do movimento negro brasileiro e demais movimentos.

Entre os marcos que o GT de Transição de Igualdade Racial sinalizou como mais drásticos, está:

  • O enfraquecimento da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra;
  • O desmantelamento dos esforços de articulação intersetorial das agendas para Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e Terreiros e dos Povos Ciganos;
  • ausência de monitoramento da Lei de Cotas do Ensino Superior (12.711/2012) e da Lei de Cotas de Ingresso para o Serviço Público (12.990/2014);
  • Ausência de acompanhamento, monitoramento e avaliação da Lei sobre o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Indígena (10.639/03 - 11.645/08);
  • Desarticulação do esforço intersetorial da Agenda Social Quilombola e enfraquecimento das ações componentes da Agenda, resumindo-se o Programa Brasil Quilombola a ações pontuais e assistencialistas, em descumprimento inclusive das determinações judiciais da ADPF 742 (Quilombolas e pandemia);
  • Descontinuidade de ações para enfrentamento à violência letal contra a juventude negra, entre outros.

A ex-ministra de Igualdade Racial e grande referência do movimento de mulheres negras brasileiro, Luiza Bairros, disse em entrevista uma vez que via o racismo como uma ideologia em estado puro.

Para ela, o racismo é o que informa e o que possibilita desenvolver o preconceito e praticar a descriminação. É o que sustenta.

O racismo engloba todas as relações, passa por dentro delas. É uma ideologia baseada na desumanização do outro, no extermínio do outro de muitas formas, e isso não poderemos tolerar.

Assim como a também ex-ministra Nilma Lino Gomes, afirmo também que o Ministério da Igualdade Racial terá um papel político e pedagógico para a sociedade brasileira e para todos os demais companheiros e companheiras com quem trabalharei nos próximos anos no serviço público.

Por isso, destaco a questão do racismo institucional, que pode ser definido como o fracasso coletivo de uma organização ou instituição na promoção de um serviço profissional e adequado às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica. e nós não podemos mais fracassar e produzir respostas e garantir uma vida digna para a maior parcela da população brasileira.

Rejeito um modelo de Estado que se ocupe apenas remediar problemas para a população negra, ou um modelo de sociedade que não nos permita sonhar com a vida que queremos.

Neste futuro que já chegou, seremos nós, negros, quilombolas, indígenas, ciganos, ribeirinhos, pessoas de religiões de matriz africana, travestis e transsexuais, lésbicas, gays, bissexuais, mulheres, pessoas com deficiência e tantos outros em sua pluralidade e diversidade, que constroem o país que vivemos, um farol para reconstrução do Brasil.