Leonardo Menezes, 24 anos, não estuda e parou de procurar trabalho porque tem de cuidar do filho Heitor, 3. Ele e a esposa, empregada, não conseguem vaga em creche Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo

Triplica grupo de jovens que não estudam, não trabalham nem buscam emprego

Passou de 445 mil, em 2014, para quase 1,4 milhão, este ano, o número de "nem-nem" que desistiu de procurar trabalho

por Daiane Costa / Bárbara Nóbrega*

RIO - Moradora de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, Vitória Camões, de 21 anos, esteve muito perto do sonho de se tornar arquiteta. Conseguiu bolsa integral e chegou a frequentar uma semana de aulas, no início deste ano. Mas esbarrou na falta de dinheiro para o transporte até a faculdade, na Zona Norte do Rio, e o material para as aulas. Para estudar, precisa trabalhar. Técnica em design de interiores, não consegue uma vaga porque não tem experiência. De tanto ouvir “não”, desistiu de procurar emprego e de estudar.

— Em todo lugar que deixava currículo, perguntavam se eu tinha experiência. Esse é o maior obstáculo. Pedem experiência a alguém que nunca trabalhou antes — reclama Vitória, cuja família, composta por quatro pessoas, tem renda de R$ 1.500 mensais.

FUTURO COMPROMETIDO

Vitória Camões, 21 anos, precisa de um emprego para se manter na faculdade. Mas, de tanto ouvir "não", desistiu de procurar vagas e teve de trancar o curso - Pedro Teixeira / Agência O Globo

O desalento, condição em que desempregados desistem de buscar uma vaga, é maior entre os jovens, que enfrentam taxa de desemprego mais alta que a média, mas cresceu especialmente entre pessoas como Vitória. O número de jovens que não estudam, não trabalham e nem procuram emprego triplicou desde o início da crise econômica, há quatro anos. Depois do mínimo histórico em meados de 2014, os “nem-nem-nem” saltaram de 445 mil para quase 1,4 milhão de pessoas de 15 a 29 anos em junho deste ano. O levantamento foi feito pela consultoria IDados, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE.

Carlos Corseuil, pesquisador do Ipea que estuda o tema, lembra que, historicamente, os jovens são os primeiros a serem demitidos em crises econômicas devido à pouca experiência. E têm mais dificuldades de achar uma vaga. O pesquisador teme pelo futuro desses jovens. Quanto mais tempo ficam fora do mercado de trabalho e da educação formal, mais terão seu capital humano depreciado, dificultando a inserção profissional e comprometendo sua renda. Ruim também para a economia do país, que abre mão do que deveria ser a principal força de trabalho para sustentar crescimento econômico.

— São brasileiros que talvez nunca atingirão seu pico de produtividade, que geralmente ocorre entre os 35 e 40 anos de idade — diz o economista do Ipea.

Para Bruno Ottoni, pesquisador do IDados, o alto desemprego desestimula a procura:

— No ano passado tivemos crescimento econômico, mas ainda estamos saindo da crise em um ritmo lento, com pouca geração de empregos.

No segundo trimestre de 2018, a taxa de desemprego no grupo de 18 a 24 anos estava em 26,6% — mais que o dobro da média geral do país no mesmo período (12,4%). Isso ajuda a explicar porque muitos jovens que desistiram de procurar emprego não avançaram na escola além do ensino médio, observa a economista do Ipea Maria Andréia Parente:

— Muitos deles usavam os rendimentos para pagar os estudos. Sem emprego, param de estudar. O efeito seguinte, diante da dificuldade de se reinserir, é parar de procurar trabalho, já que boa parte ainda não é chefe de família.

FALTAM CRECHES

Leonardo Menezes, 24 anos, não estuda e parou de procurar trabalho porque tem de cuidar do filho Heitor, 3. Ele e a esposa, empregada, não conseguem creche - Roberto Moreyra / Agência O Globo

Para os que já têm a responsabilidade de manter uma casa, outros fatores contribuem para o desalento, como a falta de creches. Depois de muitas tentativas frustradas de arrumar emprego, Leonardo Menezes, de 24 anos, decidiu ficar em casa há dois meses, quando sua mulher conseguiu um trabalho como promotora de vendas, depois de também ficar muito tempo parada. Como não encontram vaga em creche pública para o filho Heitor, de 3 anos, é ele quem cuida da criança. É uma maneira de ajudar a mulher a manter a única renda da família, que mora em Vargem Grande, com mais três familiares. A situação financeira sempre foi um empecilho para ele fazer um curso superior.

— Parei de procurar emprego porque não conseguimos creche, e o Heitor ainda é muito pequeno. Mas não mudou muita coisa porque eu já estava há dois anos sem conseguir trabalho. Isso dá uma desanimada significativa. Sempre vai ter alguém com algo a mais no currículo — conta o jovem, que terminou o ensino médio há seis anos e só tem experiência até agora como estoquista.

As consequências dessa dinâmica vão além da economia, ressalta Daniel Barros, consultor de políticas públicas e autor do livro “País mal educado”. Ele aponta que apenas 52% dos brasileiros de 19 anos terminaram o ensino médio. Muitos abandonam a escola. Outros sequer se matriculam.

— Temos aí um grave problema de cidadania. São pessoas que terão dificuldades de tomar decisões corretas. Além disso, como terão menos oportunidades, ficarão mais suscetíveis à criminalidade, como indicam diversos estudos. A educação precisa ser uma agenda prioritária — defende o especialista.

Muitos jovens param de estudar para trabalhar, mas, sem instrução, as dificuldades para conseguir trabalho aumentam. A baixa qualidade do ensino também é preocupante. Priscila Cruz, presidente executiva do Todos Pela Educação, observa que avaliações internacionais mostram que os alunos brasileiros classificados entre os 10% melhores têm o mesmo conhecimento dos 10% piores do Vietnã:

— O jovem que não aprende terá ainda mais dificuldades de conseguir emprego. A maior parte das seleções exige prova, preenchimento de ficha, envio de redações. Restará o mercado informal, que é muito volátil e instável.

'Será que vão dar uma vaga para mim?'

Com a maternidade, Brenda Teixeira, 21 anos, teve de largar os estudos e não consegue trabalho. Desistiu de procurar vaga há mais de ano - Roberto Moreyra / Agência O Globo

Mulheres jovens com baixa escolaridade são as que mais desistem de procurar emprego, mostra outro estudo, divulgado recentemente pelo Ipea. Entre as principais causas da maior vulnerabilidade desse grupo ao desalento está a maternidade precoce, aponta Maria Andréia Parente, economista do instituto de pesquisas.

Brenda Salgado Dariux Teixeira, de 21 anos, casou-se aos 15 e teve a primeira filha, Sophia, aos 17, quando cursava o terceiro ano do ensino médio em Itaguaí, onde mora. Os enjoos frequentes, nos primeiros meses de gravidez, impediram Brenda de concluir os estudos e fizeram ela perder o primeiro emprego, como atendente de uma loja.

— Eu estava nos três primeiros meses de experiência, e o dono da loja me demitiu assim que soube da gravidez — conta Brenda.

Quando Sophia cresceu um pouco, ela voltou ao mercado de trabalho, dessa vez num restaurante, mas bastou a filha ficar internada por uma semana por causa de uma pneumonia para ela perder o emprego de novo. Os patrões não compreenderam a necessidade que teve de se ausentar. Ela então engravidou de novo, dessa vez de gêmeas. As portas se fecharam de vez, diz ela:

— As entrevistas se tornaram interrogatórios sobre o que eu faria com as meninas em várias situações. Por causa delas, vejo que ninguém me emprega. Ainda bem que meu marido sempre trabalhou — diz a jovem, que desistiu da busca há mais de um ano e ainda não sabe como concluirá o ensino médio.

Mecânico, o marido de Brenda tem planos de abrir a própria oficina. Para isso, tem pedido a ela para voltar a procurar emprego. Ao menos um dos dois precisa ter renda fixa enquanto a pequena empresa se consolida. Mas nem assim ela se anima a voltar à rotina de currículos, filas e processos seletivos:

— Já disse para ele que não adianta eu tentar. Com tanto homem sem filho desempregado, será que vão dar emprego para mim?

'Emprego deve ser conciliado com escola'

A oficial de programa do Fundo de População das Nações Unidas, Anna Cunha - DIVULGAÇÃO/ONU

Oficial de programa do Fundo de População das Nações Unidas, Anna Cunha, avalia que, mais que a motivação, é a falta de oportunidades que leva jovens sem trabalho a não estudar nem procurar emprego.

Qual é o peso da crise sobre o aumento desse grupo?

Em contextos de crise econômica, especialmente nos países em que as políticas de juventude não se encontram fortalecidas, jovens podem se deparar com mais dificuldades para fazer uma transição saudável e produtiva da adolescência para a idade adulta.

Qual é o impacto dessa condição sobre suas vidas?

Jovens sem emprego deixam de acumular experiência e tendem a aceitar trabalhos piores, na informalidade. Os que estão nos níveis mais baixos de renda ou em situações de vulnerabilidade são ainda mais afetados, pois não têm condições de romper com o ciclo intergeracional de pobreza e desigualdade.

O que leva esse jovem a entrar no desalento?

Quando um jovem não estuda nem trabalha, isso está mais relacionado à falta de políticas públicas de educação, saúde e trabalho do que a aspectos individuais, como motivação. A maioria dos jovens quer ter a oportunidade de se dedicar aos estudos e trabalhar para ter renda.

Por que o desalento atinge mais meninas jovens?

Nessa questão, o gênero é um fator que tem grande peso. Segundo o IBGE, elas são maioria nas estatísticas de jovens que estão sem estudar e sem trabalho remunerado. E, entre elas, a maior parte tem ao menos um filho e dedica muitas horas — muito mais do que os homens da mesma faixa etária — aos cuidados da casa e do lar, que é um trabalho não remunerado.

O que pode ser feito para mudar essa realidade?

Políticas públicas precisam garantir mais e melhor educação, e que o primeiro emprego possa ser conciliado com a permanência na escola ou faculdade. É preciso focar nas populações mais vulneráveis: favorecer a empregabilidade de jovens mães, jovens rurais, de periferias, indígenas. E também combinar isso com políticas que ajudem a evitar a gravidez não intencional, com creche e atendimento à primeira infância de qualidade e com serviços dignos de cuidados para os idosos para aliviar o peso doméstico que recai sobre as mulheres.

(*Estagiária sob supervisão de Alexandre Rodrigues)