Por Patricia Teixeira, G1 Rio


Joyce Trindade, Salvino Oliveira e Rafaela Bastos comandam, respectivamente, a Secretaria da Mulher, Secretaria da Juventude e a Fundação João Goulart. — Foto: Ricardo Cassiano / Prefeitura do Rio

Representatividade é palavra que une três dos atuais gestores da Prefeitura do Rio. Mulher negra e ex-passista da Mangueira, Rafaela Bastos se juntou a Salvino Oliveira, cria da Cidade de Deus, e Joyce Trindade, que cresceu na periferia, para reforçar o papel das comunidades e mulheres negras nas políticas públicas da cidade.

Joyce, de 24 anos, e Salvino, de 23, comandam, respectivamente, a Secretaria da Mulher e a Secretaria da Juventude. Rafaela, de 39, é a nova presidente da Fundação João Goulart, voltada para o aprimoramento das lideranças da prefeitura.

As histórias de vida dos três se misturam e se complementam, já que eles se consideram "filhos do serviço público" e exaltam a importância de trazer novos olhares e narrativas para o Rio.

Rafaela Bastos, ex-passista da Mangueira, e atual presidente da Fundação João Goulart — Foto: Ricardo Cassiano / Prefeitura do Rio

Os 23 carnavais como passista e musa da Mangueira também ajudaram Rafaela a enxergar a necessidade de mais lideranças femininas e criativas no âmbito social e político. O programa Rio Liderança Feminina foi uma das primeiras iniciativas de Rafaela na presidência da Fundação.

"Sou a mulher negra, passista, ajudando a construir a cidade, trazendo novas perspectivas. Eu, Joyce e Salvino, historicamente, somos perfis à margem de algumas decisões da cidade. E, hoje, nós três estamos tendo a oportunidade de inaugurar novos tempos no setor público, trazendo nossas influências, questões que por muitas vezes foram negligenciadas", declarou Rafaela, que também é geógrafa, especialista em economia comportamental e autora de um estudo sobre a objetificação sexual da mulher passista.

Joyce Trindade também é uma das idealizadoras da campanha "Onde estão os negros no serviço público?". — Foto: Ricardo Cassiano / Prefeitura do Rio

Joyce, criada em Cosmos, na Zona Oeste, traz em seu discurso a reivindicação de mais oportunidades para mulheres negras e ressalta a necessidade de "colocar no centro quem nunca esteve nesse lugar".

"Estamos pautando o futuro, a vida das pessoas negras. Queremos reivindicar nosso lugar de vida, de direito. A mulher deve ser priorizada nas políticas públicas porque a mulher é uma potência", ponderou Joyce, que é autora de vários projetos de gestão pública e uma das idealizadoras da campanha "Onde estão os negros no serviço público?"

Assim como Joyce e Rafaela, Salvino garante concentrar seus esforços para construir um modelo de sociedade mais justo e menos desigual.

Salvino Oliveira é cria da Cidade de Deus — Foto: Ricardo Cassiano / Prefeitura do Rio

Quatro anos atrás, era possível ver Salvino vendendo água e doces nos sinais de trânsito. Hoje, ele festeja o cargo na prefeitura, que, segundo ele, foi alcançado com muito "suor, trabalho e dedicação", frutos das atividades que exerceu na Defensoria Pública e como professor voluntário de curso pré-vestibular na Cidade de Deus, comunidade em que nasceu.

"Quero um olhar coletivo e horizontal. É Importante ouvir essas vozes das periferias. Temos 1,3 milhão de moradores de favelas historicamente vivendo às margens, sentindo a ausência das políticas públicas porque nunca estiveram no foco delas. Estando aqui na gestão da prefeitura, hoje, não somos os que recebem essas políticas, mas os que tomam decisões. E isso já é um grande passo para fazer diferente", acrescenta Salvino.

Leia a entrevista abaixo com os gestores

A juventude do Rio enfrenta grandes problemas como o desemprego, a falta de oportunidade. O que está sendo pensado para esses jovens?

Salvino (Secretaria de Juventude): "Vindo desse espaço, de ser da favela, vou cuidar e criar novas oportunidades. O fato de vir desse lugar é representativo. Hoje, a realidade de emprego na favela, em sua maioria, são os aplicativos de entregas. Claro que esse é um trabalho digno, importante, mas quero mostrar aos jovens que eles podem sonhar mais, ter outras oportunidades, novas realidades. Porque a juventude está muito desorientada. A grande lição é trabalhar os sonhos, cuidando de todos, com o olhar mais para os vulneráveis."

Os governos prometem políticas públicas para mulheres quando o assunto é violência com a mulher, mas os casos continuam aumentando. A Secretaria tem alguma proposta para melhorar esse cenário?

Joyce (Secretaria da Mulher): "Queremos poder promover a mulher sem o aspecto da violência contra ela. É certo que trabalhamos seriamente contra essa violência, mas nosso objetivo é poder pensar na promoção da mulher em sua autonomia econômica, sua saúde, sua educação. Claro que pautamos o enfrentamento da violência, os assédios, mas também pensamos em como promover essa vida no trabalho, na vida social, que essa mulher se veja como cidadã com direitos e não aceite mais passar por essas coisas."

A Fundação João Goulart trabalha a parte dos gestores, das lideranças da prefeitura. Como sanar a corrupção e histórias de nepotismos que atualmente envolvem tantos gestores públicos?

Rafaela (Fundação João Goulart): ""As ações relacionadas à corrupção dão a sensação nas pessoas em geral de serem para enxugar gelo. Mas nós, da Fundação, temos essa noção de responsabilidade que envolve os nossos líderes cariocas e o seu desenvolvimento como exemplos. Precisamos que cada tomador de decisão tenha essa visão, de que está em local estratégico, que ele tem poder de decisão e que isso impacta na vida das pessoas. Nosso foco é em como conseguimos potencializar competências de integridade e isso inclui não estar compactuando com nenhum tipo de corrupção, e assim a capacidade de decisão de nossos gestores públicos municipais sejam pautadas em atitudes íntegras e em prol melhores da vida do cidadão."

Entrar para o tráfico de drogas acaba sendo uma opção para os jovens de comunidades do Rio, muitas vezes. Como enfrentar essa realidade?

Salvino: "As Drogas são um diagnóstico da realidade. Os homicídios , por exemplo, são um grande problema na cidade, mas esse é o estágio final da violência. E o problema da violência está diretamente ligado às drogas. Nosso grande objetivo é conscientizar os jovens, falar também de doenças sexualmente transmissíveis, atingir novos públicos. Para isso, precisamos das secretarias unidas, da educação, da secretaria do trabalho para gerar empregos, da saúde, assistência social. Somos o século da depressão, muitos jovens com doenças psicológicas. Precisamos resolver os problemas na sua origem."

Quais são as dificuldades que você consegue enxergar enquanto gestora?

Joyce: "Precisamos saber ouvir e colocar a sociedade no processo todo, para que possamos pautá-los. Quero continuar com a visão de cidadã, pois eu sou uma usuária do serviço publico. Não me vejo pagando plano de saúde porque quero usar o do serviço publico, isso é um desafio contínuo de melhorar. Acho que não podemos nos distanciar do serviço público porque estamos ali, executando ele. Outra coisa que quero trabalhar é a forma de usar a internet a nosso favor, como escutar essas mulheres, driblar as desigualdades."

Como você acha que será sua trajetória na Secretaria da Juventude?

Salvino: "Meu desejo é melhorar e abrir caminho para que outras pessoas cheguem até aqui. Ter direito à cidade envolve muita coisa, queremos construir outras realidades para os jovens, devolver um serviço público de qualidade pois somos filhos do serviço publico. Estudei em universidade pública, mas isso foi uma trajetória solitária, pois a gente da comunidade chega em espaços públicos de excelência, olha para o lado e não acha outras pessoas como a gente.

Diante de tantos gestores e liderança, com visões diversas, como fica a cobrança para realizar uma gestão eficiente?

Rafaela: "A cobrança é o cotidiano. Vou colaborar para que a gestão pública seja, cada vez mais, baseada em dados e análises comportamentais. Quando venho trabalhar, pego o metrô e fico pensando, por exemplo, na segurança das pessoas nesse período de Covid. Penso em uma forma de contribuir com políticas que se relacionam com outras esferas de governo, projetos transversais, como vou traduzir para o dia a dia metodologias que melhorem o que está incomodando. A vivência de andar pela cidade colabora para métodos, ações e projetos. Temos que assumir a responsabilidade."

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