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Um dos maiores mistérios que cercam as políticas públicas no Brasil é a dificuldade de disseminar exemplos bem-sucedidos. Sobral, cidade de 200 mil habitantes do interior do Ceará, empreendeu há 26 anos uma revolução na educação, depois ampliada para todo o estado. Blindada por sucessivos governos contra a descontinuidade, ela levou o Ceará a lugar de destaque. Mesmo assim, embora parte das ideias cearenses tenha sido adotada nalguns estados, até hoje não se entende por que o modelo não foi disseminado pelo resto do país.

A transformação teve início nos anos 1990, diante da constatação de que menos da metade dos alunos de até 8 anos sabia ler. Foi a deixa para reestruturar a rede de aprendizado. A experiência não se caracterizou por investimentos vultosos, mas por um choque de gestão. Cinco pilares foram essenciais: envolvimento da sociedade; incentivo a cooperação e competição entre escolas; combinação de políticos e técnicos; parceria das escolas com as secretarias de Educação e, sobretudo, continuidade por vários governos.

Foi necessário tomar medidas radicais, como demitir diretores de escola indicados por vereador ou deputado. Passou a valer a competência técnica, avaliada por seleção rigorosa. Foram criados cursos para melhorar a formação dos professores e métodos de avaliação dos gestores. Traçaram-se metas ambiciosas, como alfabetizar todas as crianças, reduzir a evasão escolar a menos de 5% e eliminar a distorção entre série e idade. O foco prioritário foi o ensino básico. Os resultados: em 2019, 77 municípios cearenses estavam entre os cem melhores do Brasil, e nove das dez melhores escolas públicas estavam no Ceará, segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

O Ceará não é um estado rico. Melhorou o ensino com programas bem planejados, metas e gestão eficiente. O Brasil não investe pouco em educação. O problema é que investe mal. Dinheiro não se traduz em desempenho. Infelizmente, embora o programa de alfabetização cearense tenha sido exportado a outros estados, o resto do país não obteve o mesmo resultado.

O atual ministro Camilo Santana governou o Ceará e assumiu o MEC com a promessa de disseminar o êxito cearense pelo Brasil. Mas não basta, como ele fez, nomear gestores de competência reconhecida. As dificuldades para reproduzir o modelo são várias.

Primeiro, é preciso vencer as resistências, sobretudo de sindicatos de professores avessos à implantação de qualquer avaliação de desempenho. Segundo, a descontinuidade das políticas públicas, com troca-troca de gestores da Educação a cada mandato. “Cada governo que entra quer acabar com a herança maldita do outro”, diz Fernando Abrucio, pesquisador da FGV. “Os resultados na educação demandam tempo.” Terceiro, ruídos no relacionamento criam distância entre secretarias estaduais e municipais, eixo fundamental para manter o modelo de pé. Quarto, há resistência de governadores e prefeitos a incentivar cooperação e competição entre as escolas.

Apesar de tudo isso, Abrucio acredita que o modelo pode ser estendido pelo país: “Existem iniciativas em 15 estados. Se houver continuidade, no prazo de duas gestões já será possível observar resultados”. Os gestores que estão hoje no MEC sabem disso melhor que ninguém, mas precisarão da cooperação dos 27 governadores e 5.570 prefeitos se quiserem “sobralizar” o Brasil.

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