Transtornos de aprendizagem ainda são pouco conhecidos e diagnóstico precoce é um dos principais desafios - PORVIR
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Inovações em Educação

Transtornos de aprendizagem ainda são pouco conhecidos e diagnóstico precoce é um dos principais desafios

Na Semana de Conscientização da Dislexia 2021, pesquisa do Instituto ABCD mostra que pandemia dificultou o desenvolvimento de crianças e jovens com transtornos de aprendizagem no ensino remoto

por Maria Victória Oliveira ilustração relógio 6 de outubro de 2021

Muito se fala sobre dificuldades de acesso a sinal de internet para acessar as aulas remotas durante a pandemia de Covid-19. E quanto a outros tipos de dificuldade? De acordo com o relatório “Perfil do transtorno específico da aprendizagem no Brasil: custos para as famílias e impactos da pandemia de Covid-19”, produzido pelo Instituto ABCD, 78,8% das famílias respondentes relataram que a escola não forneceu orientações específicas sobre o estudo a distância e 85,4% afirmaram que não houve encaminhamento de atividades adaptadas para alunos com TEAp.

TEAp é a sigla para transtorno específico da aprendizagem, que designa uma condição persistente de origem neurobiológica que afeta a aprendizagem. De acordo com estimativa da Associação Americana de Psiquiatria, de 5% a 15% da população mundial tem TEAp, o que no Brasil representaria um grupo 10 milhões de pessoas. O transtorno divide-se em três tipos: dislexia (maior prejuízo relacionado à leitura), discalculia (maior comprometimento em matemática) e disortografia (dificuldades na expressão escrita).

Um dos principais achados da pesquisa, uma das iniciativas da Semana de Conscientização da Dislexia – que, em 2021, acontece de 4 a 11 de outubro –, revela que TEAp ainda é pouco conhecido no Brasil, o que, segundo Juliana Amorina, diretora-presidente do Instituto ABCD, não surpreende.

A falta de conhecimento pode gerar desentendimentos e preconceitos, que, por sua vez, trazem consequências emocionais negativas para a criança e sua família

“Temos noção da escassez de conhecimento acerca do tema, bem como das informações erradas que são divulgadas, muitas vezes confundindo a dislexia com outras questões que podem afetar a aprendizagem do aluno. A conscientização vai além da aprendizagem, pois a falta de conhecimento pode gerar desentendimentos e preconceitos, que, por sua vez, trazem consequências emocionais negativas para a criança e sua família.”


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Nesse sentido, ela pontua que mais conscientização é um dos caminhos para melhorar as condições de aprendizagem de crianças e jovens com TEAp, o que começa pelo professor em sala de aula. “Quando o professor está sensibilizado e conta com uma rede de apoio para o diagnóstico e acompanhamento educacional especializado, a vida do aluno com transtorno específico da aprendizagem é impactada de uma forma positiva”, explica.

Falta de política pública
O relatório aponta que, no Brasil, não há uma política nacional para pessoas com TEAp. A falta de atenção direcionada ao desafio e pouca conscientização têm efeitos em múltiplas direções: dificuldade de acesso ao diagnóstico, qualidade do diagnóstico, falta de capacitação de profissionais da educação para pensar em estratégias específicas e direcionadas a alunos com TEAp, profissionais e especialistas que possam organizar um PEI (plano educacional individualizado) para crianças com o transtorno, entre outros pontos.

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) não cita especificamente o TEAp ou qualquer um de seus três tipos. Entretanto, com a ampliação do conceito de deficiência, é possível contemplar o transtorno na educação inclusiva. Para isso, uma das estratégias indicadas pela legislação é a tecnologia assistiva (TA) que, para alunos com TEAp, envolve, por exemplo, programas de software de edição de texto com corretor ortográfico, audiolivros e dispositivos que convertem texto em fala.

Desafio do diagnóstico
De acordo com as respostas à pesquisa, crianças e jovens foram diagnosticados com TEAp aos 8,6 anos em média. Entre os adultos com TEAp, essa média foi de 21,8 anos, sendo que quase um terço respondeu ter sido diagnosticado com TEAp após os 30 anos de idade. Entretanto, associações internacionais de dislexia indicam que a avaliação especializada deve ser realizada entre os 6 e 7 anos de idade, com o objetivo de iniciar o atendimento especializado o quanto antes, para diminuir as chances de defasagem escolar e os impactos emocionais na criança.

É importante que os educadores saibam identificar alunos com suspeita de TEAp e encaminhá-los para uma avaliação diagnóstica com um profissional especializado

“Sabemos que a identificação e a intervenção precoce são de extrema importância para garantir que uma criança com TEAp tenha as condições necessárias para o sucesso acadêmico. É importante que os educadores saibam identificar alunos com suspeita de TEAp e encaminhá-los para uma avaliação diagnóstica com um profissional especializado.  Ao confirmar o diagnóstico, o conhecimento da equipe educacional também é fundamental para garantir as adaptações necessárias para promover a aprendizagem daquela criança”, ressalta Juliana.

A pesquisa também identificou que o caminho para buscar diagnóstico e tratamento é longo e difícil. Um dos motivos para a demora no diagnóstico é a dificuldade de acesso a serviços de saúde. 34,3% das famílias respondentes afirmaram que tiveram que viajar para outro município ou estado para fazer a avaliação.

Além disso, Juliana aponta outros fatores que dificultam todo o processo, como indisponibilidade de atendimento na rede pública de saúde (89% dos diagnósticos foram realizados em serviços particulares), escassez de profissionais qualificados e alto custo do serviço na rede privada. Segundo o relatório, 30% das famílias consultaram mais de cinco especialistas no diagnóstico, 47% investiram mais de R$2 mil na avaliação e 62% das famílias informaram investir acima de R$ 800 por mês no acompanhamento terapêutico.

Impacto da Covid-19
Por conta do fechamento das escolas, muitas crianças com algum tipo de TEAp que realizavam acompanhamentos especializados precisaram suspender as consultas presenciais. Segundo Juliana, entre os especialistas que acompanharam essas crianças durante este período, 60% relataram que a evolução desses pacientes foi mais lenta quando o acompanhamento foi realizado por teleatendimento.

Um levantamento realizado em países ibero-americanos na pandemia e citado pela pesquisa mostra que 38,9% dos alunos com TEAp que tiveram aulas online ou em grupos afirmaram que essas eram mais difíceis do que as aulas presenciais. 66,3% disseram não ter se adaptado à nova realidade, ao que 69,5% afirmaram precisar de ajuda dos familiares para concluir as atividades.

Entretanto, além dos dados citados no início do texto de que 78,8% das famílias não receberam orientações específicas sobre o estudo a distância e 85,4% afirmaram que não houve encaminhamento de atividades específicas para os alunos com TEAp por parte da escola, somente 43,1% das famílias entrevistadas relataram ter recebido orientações sobre o uso da tecnologia como apoio pedagógico no ensino remoto durante a pandemia.

Muitas buscaram informações junto a profissionais da saúde (29,9%), enquanto outras fizeram sua própria pesquisa (5,1%) e trocaram conhecimento com outras famílias (5,1%).

Identificação precoce
A pesquisa deixou claro que a falta de um diagnóstico e acompanhamentos adequados, bem como orientações durante o período da pandemia, promovem efeitos negativos na vida de pessoas com TEAp. 80% das crianças e jovens com dislexia enfrentam tristeza, ansiedade e/ou baixa autoestima e 72,7% dos adultos enfrentam dificuldades na vida profissional devido à dislexia.

Pensando nesses impactos e considerando sua missão de melhorar a qualidade de vida de pessoas com transtornos de aprendizagem no Brasil, o Instituto ABCD está lançando um instrumento gratuito de triagem para identificar sinais de dislexia em crianças. A ideia é tornar a identificação precoce mais viável e acessível.

“Ao detectar risco para dislexia, o instrumento explica o passo-a-passo para procurar uma avaliação diagnóstica no SUS [Sistema Único de Saúde] e oferece recomendações para família e escola. Este novo projeto, desenvolvido em parceria com o projeto LEIA da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a Cisco e o Instituto IT Mídia, estará disponível em nosso aplicativo de reforço escolar, EduEdu, a partir do dia 6 de outubro”, celebra Juliana.

Semana da Dislexia 2021
De 4 a 11 de outubro, a Associação Brasileira de Dislexia promove a Semana da Dislexia. Ao longo da semana, serão divulgados vídeos e entrevistas, além da realização de lives sobre inúmeros temas relacionados ao transtorno de aprendizagem, como a função da família, legislações, intervenção inclusiva, entre outros pontos. Saiba mais.

Veja mais recomendações do estudo “Perfil do transtorno específico da aprendizagem no Brasil: custos para as famílias e impactos da pandemia de Covid-19


TAGS

educação infantil, educação integral, ensino fundamental, ensino médio, inclusão

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