Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Descrição de chapéu Coronavírus

Tomara que a escola não volte ao normal em 2021

Educação tem que ser integral, tanto em permanência como no sentido de proporcionar formação ampla

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Este não é um texto que defende ensino remoto em 2021. Ao contrário, já começa por comemorar a recente decisão de governos estaduais, entre eles o de São Paulo, de considerar as escolas como atividades essenciais, que não devem ser fechadas mesmo com o agravamento da pandemia.

Ao longo deste ano, em diversas ocasiões, esta coluna levantou a bandeira da reabertura das escolas, discutindo prejuízos diversos do fechamento e o quão danoso é o confinamento para crianças e jovens. E, agora, já pode sair do armário um pensamento proibido ao longo de meses no Brasil, mas que se levantou faz tempo na Europa: será que as escolas deveriam ter sido fechadas?

Isso não é negacionismo. É crescente o número de educadores, epidemiologistas, pediatras e psicólogos, entre outros profissionais e pesquisadores, que defendem, a partir da ciência, que escola aberta é mais segura do que fechada. Assim como não se pode negar a gravidade da Covid-19, é negacionismo desconsiderar as variadas consequências da pandemia, como evasão escolar, abandono de crianças e jovens na periferia e aumento de depressão, ansiedade e suicídio na infância e na adolescência.

Alunos recebem testes de coronavírus em escola em Hildburghausen, na Alemanha
Alunos recebem testes de coronavírus em escola em Hildburghausen, na Alemanha - Jens Schlueter - 2.dez.20/AFP

Dito isso, tomara que as escolas reabram, mas que não voltem ao normal. Não se trata aqui de protocolos de saúde, necessários até que a vacina e o passar do tempo digam o contrário. Não podemos reabrir a mesma escola que fechamos em março como se a pandemia não tivesse escancarado a necessidade de se repensar a educação.

E que não isso não se confunda com o clichê da “tecnologia veio para ficar”. Quem acha que a nova escola é só uma escola conectada está distante do cerne da discussão. A começar pelo fato de que, apesar de termos aprendido que a tecnologia ajuda, também constatamos que aula online, na melhor das hipóteses, tem pouco resultado. Dentre os professores brasileiros, 60% acreditam que os alunos não evoluíram no ensino remoto e 91%, que 2020 levou ao aumento da desigualdade educacional, de acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Península de 16 a 26 de novembro.

Portanto, computador e wi-fi têm que ser garantidos, mas não resolvem a questão. Muita gente da mais alta competência na educação brasileira brada para que se aproveite o caos de 2020 para abandonar práticas ultrapassadas e mergulhar em processos inovadores. O Instituto Ayrton Senna está mobilizando secretários de educação, gestores e educadores na campanha de que a escola não pode voltar a ser como era. Há também o movimento #ReviravoltaDaEscola, que reúne instituições reconhecidas como Ashoka, Alana, Fundação SM, Gol de Letra e Itaú Social.

Um dos pontos centrais é o de que a educação tem que ser integral, tanto em termos de uma maior permanência na escola como no sentido de proporcionar uma formação ampla, considerando aspectos socioemocionais. Com uma carga horária estendida, pode-se não só recuperar 2020 mas resgatar mais profundamente os alunos, desenvolvendo suas variadas habilidades. São muitas as possibilidades, mas vamos a um exemplo simples: um projeto de teatro no contraturno pode ensinar conteúdos de diferentes disciplinas, trabalhar empatia e melhorar a capacidade de falar em público.

Outra ideia que ganhou força é a de se derrubar paredes, com seus múltiplos significados. O mais óbvio é o de que, com a pandemia, ficou evidente que os prédios devem passar por reformas para ampliar as salas de aula, aumentando o distanciamento entre os alunos e melhorando a ventilação. Isso ajuda a conter a Covid-19 e outras doenças, além de tornar o ambiente mais agradável. Finalmente se assume o quão insalubre são as salas apertadas, quentes e lotadas com 40, 50 alunos.

Mas quebrar paredes ou acabar com muros também quer dizer se apropriar de outros espaços para o aprendizado. Por que um jardim no colégio, quintais vizinhos, praças do bairro e parques não puderam ser utilizados na pandemia para aulas? Com ou sem Covid, a cidade, como um todo, deveria se tornar uma extensão do espaço escolar.

Por fim, demolir as salas é um convite à reunião de alunos de diferentes idades e níveis. A disparidade no aprendizado aumentou com a pandemia, mas sempre existiu, e as séries escolares não podem ser prisões. Mesmo em matemática ou em português, é possível se criar turmas heterogêneas para uma mesma aula, mas, se isso soar ousado demais, no mínimo deve-se pensar em atividades extracurriculares e interdisciplinares. Por que uma criança de dez anos não pode montar um robô com um jovem de 14, no curso de robótica? Grupos com estudantes de séries variadas podem frequentar laboratórios, fazer assembleias, assumir o grêmio estudantil ou organizar comissões para administrar horários da quadra e até ajudar colegas em dificuldades.

Os caminhos são diversos e promissores. Famílias e escolas devem, unidas, traçar planos para não jogar 2020 para baixo do tapete, do ponto de vista pedagógico, claro, mas em especial considerando o abalo emocional vivido em diferentes graus por todos. Não é justo, depois de tudo o que passamos, mandar nossas crianças e adolescentes para escolas cujas únicas novidades serão a máscara e o álcool em gel.

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