Cultura
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Por Maria Fortuna — Rio de Janeiro

Com anos de luta dentro do movimento negro, o advogado, mestre em direito público pela Universidade de Brasília, carnavalesco e presidente do Olodum, João Jorge Rodrigues, participou da criação da Fundação Palmares, em 1988. Trinta e quatro anos depois, é o nome escolhido pela futura ministra da Cultura, Margareth Menezes, para assumir a presidência da instituição, em 2023.

— Assumo com orgulho e responsabilidade por poder levar para o Brasil o trabalho que estamos fazendo na Bahia em prol da cultura negra, do candomblé e dos mais pobres. Um filho de Xangô volta a Palmares — comemora o baiano de 66 anos, pai de quatro filhos, avô de três netos e autor dos livros "Olodum, estrada da paixão (1996)" e "O discurso da igualdade: fala negão" (2021).

Rodrigues chegou ao Olodum, uma das principais instituições culturais da Bahia, em 1983. Foi um dos responsáveis por transformá-lo em algo maior do que um bloco afro. O Olodum criou o Projeto Rufar dos Tambores, que logo se tornou a Escola Olodum, atraindo a juventude do Pelourinho e Centro Histórico.

Atualmente, 360 alunos participam de ações educacionais com base na história da população negra agregadas ao ensino convencional. Além disso, o Grupo Cultural Olodum conta com o Bando de Teatro Olodum, que revelou artistas como Lázaro Ramos e Érico Brás.

Filiado ao PSB e ligado à ex-prefeita de Salvador e deputada federal Lidice da Mata, Rodrigues viu seu nome ser cotado em diversas oportunidades para concorrer a cargos eletivos em Salvador e no estado, mas ficou pelo caminho em todas as ocasiões.

Agora, ele chegará a Fundação Palmares, uma das instituições mais marcadas pela guerra cultural defendida pelo bolsonarismo nos últimos quatro anos. Em junho do ano passado, por exemplo, o ex-presidente da instituição, Sérgio Camargo, determinou que fossem retirados da biblioteca 5.300 livros sob o argumento de serem pautados pela "sexualização de crianças’’, “bandidolatria’’ e ‘’material de estudo das revoluções marxistas’’. Mas, por ações na Justiça, foi impedido pela Justiça de se desfazer do acervo.

Camargo também cortou o machado de Xangô da logomarca e excluiu 27 nomes da lista de homenageados da casa (gente como Gilberto Gil, Elza Soares e Martinho da Vila). Ele chegou ainda a sugerir mudar o nome da Palmares para Princesa Isabel, repudiou Zumbi e defendeu o fim do movimento negro. Em outubro de 2021, sob denúncias de assédio moral, foi afastado de atividades relativas à gestão de pessoal.

Rodrigues, ex-diretor da Fundação Gregório de Matos, órgão de gestão cultural da Prefeitura de Salvador, diz que pretende recuperar a biblioteca, trazer de volta as personalidades excluídas e reconstruir os pilares da Palmares.

— A fundação lida com conhecimento e ele não é de esquerda ou de direita, de uma religião ou outra. É um acervo de conhecimento. Nos cabe é conservar —afirma ele, que recebeu a notícia de sua indicação durante a festa de fim de ano do tradicional bloco baiano.

João Jorge — Foto: Divulgação
João Jorge — Foto: Divulgação

O senhor está animado com a missão?

Muito. E estou preparado. Há anos luto por igualdade nesse país. Estava junto com o movimento negro na criação da Palmares, acompanhei diferentes gestões, fui conselheiro e ajudei a indicar diretores. Temos a tarefa de reerguer a fundação dentro das principais ideias do presidente Lula e da líder Margareth Menezes: esperança, objetividade e ação cultural na prática.

Margareth vai reinventar esse ministério, que existiu nas mãos de Gilberto Gil e Juca Ferreira. Vamos emprestar o conhecimento e a habilidade que temos para tocar a produção cultural, a música, a cooperação internacional para que a Palmares seja útil e preste um serviço como grande fundação nacional que é.

Por onde o senhor pretende começar o trabalho de reconstrução?

O primeiro passo é a restauração do espaço físico. A fundação precisa ficar num lugar decente e que represente os 100 milhões de afrobrasileiros. Em seguida, vêm as definições e as políticas sobre do que Palmares vai tratar. Várias atribuições serão comandadas pelo Ministério da Cultura como um todo. A Palmares poderá focar nas ações que são fundamentais: mulheres, juventude, combate à pobreza e fortalecimento da nossa riqueza cultural.

Quero trazer novas práticas, novas políticas. Proteger as manifestações culturais das diversas parte do Brasil como os tambores de Minas, do Maranhão, de Pernambuco, da Bahia, enfim de todo esse Brasil que tem uma riqueza como poucos países no mundo.

A difusão da cultura negra, uma das principais missões da fundação, passava pelas escolas, por meio de cursos para gestores públicos, professores. O senhor pretende recuperar esse trabalho? Outra função da instituição é reconhecer quilombos. O que planeja fazer na prática?

A luta dos quilombos é histórica e terá que ser mais rápida. Vamos atender às demandas dos quilombos dentro da realidade de recursos da fundação. Com relação à difusão da cultura como programa educacional em escolas, universidades, centros culturais do Brasil.... Foi isso que me levou a essas instâncias do governo federal. Nosso trabalho, meu e de Margareth, é difundir a cultura brasileira para o mundo. É o que mais a fundação precisa fazer.

Vamos buscar parcerias com países africanos, caribenhos, europeus, da América Latina e também com estados, municípios. A fundação tem o papel de ser imã, imantar os vários órgãos. Educação e cultura não são separadas. A cultura é um ato educacional.

Muita gente no Brasil desconhece as atribuições da Fundação Palmares. O senhor pretende divulgar melhor o papel da instituição?

Hoje, temos mais ferramentas para difundir as coisas. Ainda precisamos conhecer os objetivos, entender o estado em que está e os recursos que a fundação tem. Mas a verdade é que a gente defende o que conhece. E grande parte da população brasileira não sabia como ela é importante. Tirar Zumbi e o machado de Xangô foi simbólico. Vamos mostrar o que a fundação tem feito e o que pode fazer.

Os governos, no geral, usam mal as redes sociais e os meios de comunicação. A fundação não pode continuar escondida do povo brasileiro. Quantas vezes o presidente da instituição foi a à Bahia, ao Maranhão, a Santa Catarina? Vou andar pelo Brasil e dizer coisas, acrescentar.

O senhor pretende recolocar as personalidades excluídas pela gestão anterior na lista de homenageados e até, quem sabe, fazer um desagravo a elas?

A história brasileira é feita por índios, negros e brancos. Todos que foram defenestrados da Fundação Palmares, além de ganharem desagravo, voltarão ao lugar de heróis do povo brasileiro. Seja na música, na cultura, estejam vivos ou não. Isso não tem nem discussão.

A ideia é fazer uma homenagem coletiva àqueles que sofreram ofensas. Martinho da Vila está com mais de 80 anos, é embaixador da nossa cultura. Benedita, Pelé... E Zumbi também voltará a ter representação. Porque a Palmares sem Zumbi é como a Fundação Getúlio Vargas sem Getúlio ou o Centro Pompidou sem nada que se refira ao ex-presidente francês.

Também pretende recuperar os livros que foram retirados da biblioteca?

Vamos organizar isso. A fundação lida com conhecimento e ele não é de esquerda ou de direita, de uma religião ou outra. É um acervo de conhecimento, nos cabe é conservar.

Há muitos nomes produzindo conteúdo sobre o pensamento negro. Quais os senhor considera imprescindíveis constarem na fundação, entre novos e antigos?

Gosto muito do que a juventude está fazendo, as mulheres negras... Iza, Emicida, Ludmilla, gosto de funk, de reggae. Há muitas ações nas periferias do Brasil. Na literatura, Conceição Evaristo, Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez, Djamila Ribeiro.

A gestão da Palmares terá uma linha política?

Terá. Mas ainda não posso dizer que pilares serão antes de falar com a ministra e o presidente Lula. Provavelmente, serão baseados nos valores que o povo validou agora nas urnas: democracia, justiça, igualdade, liberdade. Não se ganhou apenas para tirar e botar alguém, mas para trazer de volta uma democracia que ainda estava sendo construída e foi interrompida.

Servidores de carreira enfrentaram uma situação delicada dentro da instituição nos últimos quatro anos. Houve denúncias de perseguição. O senhor tem conhecimento disso?

Conheço bastante gente lá. Não posso falar muito, ainda vou apurar. Mas farei de tudo para não só apoiar como proteger funcionários com 20, 30 anos de carreira que dedicaram a vida à instituição. A fundação é os seus funcionários.

João Jorge — Foto: Divulgação
João Jorge — Foto: Divulgação

O martelo de Xangô foi ser retirado da logomarca da instituição, quando a gestão anterior anunciou que promoveria um concurso para escolher um novo símbolo. O senhor vai trazê-lo de volta?

Sou filho de Xangô e as insígnias do orixá voltarão a Palmares, assim como o que tiver de qualquer outra religião. É liberdade religiosa e Estado laico. Não é para ficar censurando nada, se não, em todos os lugares onde tiver Bíblia...

Margareth, Silvio de Almeida, Anielle Franco são lideranças negras que assumirão ministérios. É um lugar conquistado com muita luta, um caminho aberto quase a fórceps. Que reflexão pode fazer sobre isso?

Estamos em 2022, não podemos voltar para 1549, quando Salvador foi fundado. Temos que fazer de 2022 para frente, avançando. É do presente para o futuro, sem mágoa, ressentimento, perseguição.

O TCU e a Receita Federal constataram que Margareth Menezes tem uma dívida de mais de R$1 milhão com a União. O que o senhor acha disso? Seria um impedimento para assumir o ministério?

Vejo como uma tentativa de inviabilizá-la. Essa dívida é de uma estrutura que nem tem o nome dela. E vai ser resolvida. Não vejo impedimento. Margareth tem uma vida pública de 35 anos. No mais, o país é devedor, as empresas são devedoras, todo mundo renegocia. O próprio Brasil vai renegociar agora as dívidas de milhões de brasileiros. O país está praticamente insolvente.

Por que o senhor acha que a escolha dela foi, de cara, questionada? Por que ela teve que explicar que era capaz de assumir esse cargo e foi a única indicação, até, agora que passou por escrutínio?

Ela é mulher, negra, nordestina e da cultura. É uma visão institucional. A mesma que diz "não tem formação superior". Muitas pessoas que foram ministras não têm formação superior. Margareth é honestíssima e vai tocar o Ministério com brilhantismo. Simboliza o avanço da nossa cultura. Ela foi responsável pela difusão da cultura egípcia. Aliás, a posse dela vai ser sobre esse canto, 35 anos depois de ela ter entoado "eu falei faraó".

Se Jorge Amado fosse vivo, diria que Mojubá (saudação de encontro proveniente do candomblé, que convida à compreensão, ao diálogo) está indo para a Bahia. O Miguel Arcanjo, de "Tenda dos Milagres", tratava da luta da capoeira, do candomblé, da cultura popular contra o racismo. Tudo o que está acontecendo é para mostrar ao mundo não só que existimos como, parafraseando Caetano Veloso, "existirmos a que será que se destina?". A poesia da igualdade, da possibilidade vai chegar a Fundação Palmares.

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