Rio

Tiroteios criam novo modelo de ensino à distância

Professores de colégio na Maré desenvolvem aplicativo que leva aulas e avaliações para celulares
Thauany Ferreira e Maria Eduarda Teixeira testam o aplicativo na escola: projeto, que deve ser implantado daqui a um mês, vai beneficiar 400 alunos Foto: Ana Branco / Agência O Globo
Thauany Ferreira e Maria Eduarda Teixeira testam o aplicativo na escola: projeto, que deve ser implantado daqui a um mês, vai beneficiar 400 alunos Foto: Ana Branco / Agência O Globo

Três professores da rede municipal de ensino, preocupados com os constantes tiroteios na Favela Nova Holanda, no Complexo da Maré, desenvolveram um aplicativo que permite a estudantes terem acesso ao conteúdo escolar e interagirem com os professores mesmo longe das salas de aula. O projeto está em fase de testes numa das unidades do moderno conglomerado educacional da região. A ideia já foi “comprada” pela Secretaria de Educação da cidade, que estuda uma forma de disseminá-la para outras escolas em regiões conflagradas.

Desenvolvido pelo professor de matemática e analista de sistemas Jorge da Costa Silva, o Lace (Laboratório Ampliado de Convivência Escolar) foi criado a partir de ferramentas gratuitas com objetivos pedagógicos, que contou com a participação do professor de Língua Portuguesa, Alex de Souza, e da diretora-geral do Ginásio Carioca Olimpíadas 2016, Ana Flávia Teixeira Veras. Com o aplicativo, os estudantes terão acesso ao conteúdo das aulas, a reposições, a vídeos, às avaliações, aos jogos educacionais e à interação com os professores. A intenção é estender o ambiente escolar para fora da sala de aula.

— Desde o início, nosso desejo era criar um espaço que os alunos usassem nos dias de interrupções devido a conflitos armados ou qualquer outro motivo — afirma Alex de Souza.

CONFRONTOS QUASE DIÁRIOS

Um dos locais mais violentos de toda a Maré, a Nova Holanda faz divisa com a Baixa do Sapateiro, dominada por uma facção rival — o que faz com que os confrontos na área, batizada de Faixa de Gaza, sejam constantes. É por causa dessa rotina violenta que o Ginásio Carioca Olimpíadas 2016 já interrompeu as atividades 12 vezes este ano. Ao longo de 2016, houve 17 dias sem aulas.

— Estudei a minha vida inteira em escola pública. A escola é onde temos a possibilidade de fazer escolhas. Eu, por exemplo, frequentei o mesmo colégio que Fernandinho Beira-Mar, mas fiz a minha opção. Hoje, como diretora de uma escola dentro de uma favela, me sinto muito frustrada a cada vez que preciso fechar a unidade por causa da violência. Não podemos negar o acesso à educação — ressaltou Ana Flávia.

Em testes há três semanas, o aplicativo deverá se tornar parte da rotina dos 400 estudantes da unidade dentro de 30 dias. Alunas do 8º ano, Thauany Ferreira e Maria Eduarda Vieira estão ansiosas pelo uso da ferramenta.

MATEMÁRICA MAIS DIVERTIDA

Por enquanto, apenas um grupo de 20 alunos explora a plataforma digital. Uma delas é Alane Araújo, de 13 anos. Aluna do 7º ano, ela afirma que as aulas de matemática pelo aplicativo são mais interessantes:

— Gosto muito de estudar matemática pelo aplicativo, porque as aulas são através de jogos com diferentes níveis e fases. Então, a cada fase que eu passo, mais interessante e convidativo fica.

A possibilidade de conversar com os professores fora da escola é o que chama a atenção de Kauan da Costa, de 13 anos. Nascido e criado na Nova Holanda, ele confessa ficar triste quando é impedido de frequentar a escola por causa da violência:

— Esse aplicativo me dá a chance de estudar mesmo sem estar na escola. Eu posso conversar com os professores, tirar dúvidas e aprender.

O aplicativo já conquistou o secretário municipal de Educação, Cesar Benjamin, que deu o pontapé inicial para levar a iniciativa a todas as outras escolas da rede. Um grupo de estudos com profissionais de informática foi criado para encontrar uma forma de ampliar o alcance da ideia.

— Foi uma ideia muito criativa de professores que estão em campo, sujeitos a essa situação, e demonstraram todo seu amor à educação — diz Benjamin.

Ainda não há uma data definida para o lançamento do aplicativo na rede municipal. Para o secretário, no entanto, a onda de violência que atinge várias regiões do Rio vai acelerar o processo:

— Estou preocupado porque o Rio corre o risco de se inviabilizar econômica, social e culturalmente. A educação, especificamente, precisa de paz. É claro que a violência acelera e torna mais importante esse tipo de ação. É interessante também porque recebemos uma pressão de alunos que não querem perder aulas.