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Artigos escritos por colunistas convidados especialmente para O GLOBO.

Por Francisco Menezes e Gabriele Carvalho

As imagens de duas crianças numa escola repartindo o mesmo ovo e, noutra, de mãozinhas carimbadas para não repetir a merenda consternaram o país, ao retratarem o que significa o veto do presidente da República à correção dos valores repassados para a alimentação escolar. Corroído pela inflação e sem reajuste há cinco anos, o recurso deveria ter um acréscimo de 34% para voltar aos níveis de 2017. O Congresso Nacional aprovou essa atualização no Orçamento, mas não encontrou apoio no governo federal. A justificativa expressa uma suposta preocupação com os recursos para 2023, desconsiderada no caso do orçamento secreto, que corresponde a 15 vezes o reajuste do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Se a insensibilidade de Bolsonaro ainda não o derrotou nas urnas como as pesquisas previam, suas manifestações concretas exigem combate imediato.

A verba insuficiente destinada ao Pnae explica em parte por que a situação de fome entre crianças de até 10 anos dobrou nos últimos anos — saiu de 9,4%, em 2020, para 18,1%, em 2022, segundo o inquérito da Rede Penssan. Para muitos estudantes, a refeição na escola é a única do dia. É sabido o papel fundamental que uma alimentação adequada cumpre no desempenho escolar — criança com fome não consegue aprender. Além de limitar oportunidades, não garantir o direito das nossas crianças e adolescentes a comida de verdade, em quantidade suficiente, representa uma grave violação de direitos.

O presidente, que reiterou não existir fome no Brasil, desconhece o significado e a história do Pnae. A merenda escolar, como era mais conhecida, existe desde 1955 e já passou por inúmeras transformações. Com a intermediação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional — extinto pelo atual mandatário —, foi possível corrigir gradativamente os valores, além de assegurar, por meio da Lei da Alimentação Escolar (11.947/09), o uso de no mínimo 30% dos recursos para a compra de produtos da agricultura familiar. Isso permitiu uma melhora não só nas refeições, mas também na condição de vida no campo. Com a inclusão dos estudantes do ensino médio, o Pnae passou a atender mais de 40 milhões de alunos. Certamente teve papel relevante para que o Brasil saísse do Mapa da Fome, em 2014.

A gravíssima situação econômica, social, ambiental e política pela qual o país passa exigirá priorizações. O enfrentamento da fome encabeça essas urgências. Não restam dúvidas quanto à efetividade de um programa de transferência de renda, quando bem concebido e gerido — o que não é o caso do Auxílio Brasil —, mas a alimentação escolar poderá dar uma resposta rápida e contundente a essa escalada.

A derrubada do veto é mais que necessária. O aumento de 34% aprovado na LDO 2023, como exige a sociedade civil, reafirma a prioridade absoluta prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, não deve esperar o fim das eleições para pautar essa revisão pelos parlamentares. Cenas como as descritas neste artigo não podem ser normalizadas.

*Francisco Menezes é analista de Políticas da ActionAid e presidiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e Gabriele Carvalho é coordenadora do projeto Equidade e Saúde nos Sistemas Alimentares, da Fian Brasil, e assessora do Observatório da Alimentação Escolar

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