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Opinião

Educação contra o racismo

Precisamos recuperar e valorizar o que a diáspora africana nos roubou

Todo ano, em algum lugar entre o feriado da Proclamação da República e o tsunami consumista induzido pela já brasileiríssima black friday, o país é convidado a refletir sobre negritude, discriminação racial e desigualdade social. É o Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, uma alusão à morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares e ícone da luta por liberdade do povo negro. Uma ocasião para celebrar nossa cultura, um caldeirão de heranças de diversas etnias, e também construir caminhos para uma sociedade mais justa e menos preconceituosa.

Os desafios são muitos. Basta olhar para a fotografia: 76% dos mais pobres no Brasil são negros, segundo o IBGE. Entre a população carcerária, somos 65%, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional. O percentual de pretos e pardos assassinados no Brasil é 132% maior que o de brancos, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Ainda de acordo com IBGE, apenas 9,3% das pessoas negras com mais de 25 anos de idade concluíram o ensino superior, e quatro em cada dez jovens negros não terminaram o ensino médio.

Ao focalizar esse triste retrato, posso afirmar que precisamos recuperar e valorizar o que a diáspora africana nos roubou: a memória dos nossos ancestrais, nossa arte, nossa matemática, nossos saberes sobre a terra, o céu e os mares. E mais: precisamos de políticas afirmativas diversas para corrigir desigualdades arraigadas em nossa sociedade.

Essa sempre foi minha luta, desde quando comecei a carreira profissional como professor no curso pré-vestibular da Educafro, até quando colaborei para a implementação da Lei de Cotas nas universidades públicas. Hoje, à frente do Movimento Colabora Educação, com a desafiadora agenda de agir para efetivar o Sistema Nacional de Educação (SNE), meu ofício muda de escopo, mas não de propósito. O sonho por uma educação de qualidade para todas e todos, independentemente de CEP, cor da pele, gênero ou orientação sexual, é o ponto de partida e também o destino a alcançar.

E, nesse sentido, o SNE, agenda em discussão no Congresso Nacional, é indiscutivelmente um caminho para alcançar resultados positivos na oferta de uma educação de qualidade com equidade. Mais que isso, nós, do Colabora, acreditamos que o SNE é fundamental para assegurar a aprendizagem dos estudantes, estratégia potente para reduzir desigualdades.

Ter um sistema que articule e faça a regência das diferentes redes de ensino no Brasil — respeitando suas autonomias, para garantir a distribuição de recursos com foco em quem mais precisa — significa levar educação de qualidade para o menino preto que está no Rio Grande Sul e para o indígena de uma comunidade ribeirinha no Pará. Da garota de uma escola rural no Mato Grosso à moça que voltou a estudar no Ensino de Jovens e Adultos. É política pública para garantir direitos. Direito à educação para todas e todos.

É preciso que a sociedade brasileira entenda e se mobilize para pressionar gestores, para que o SNE seja regulamentado ainda em 2021. Acreditamos que ele será. E que ele seja uma rede indutora de estratégias de combate à desigualdade educacional e instrumento de combate ao racismo estrutural.

Portanto, que essa data simbólica, de celebração da cultura afro-brasileira, também seja um chamado ao combate às desigualdades que afetam pretos e pardos na educação. E que essa luta seja perene. Que a nossa vigilância antirracista seja cotidiana. Que saibamos construir pontes curtas e seguras para um futuro cheio de Kamalas, Djamilas, Miltons, Conceições, Chimamandas, Lélias, Obamas, Dandaras e Emicidas.

Thiago Thobias é advogado e secretário executivo do Movimento Colabora Educação